Powered By Blogger

segunda-feira, 19 de março de 2012

Um novo remédio para casos de amor patológico : Santa Casa inaugura primeiro serviço de atendimento a vítimas da doença no Rio


Aos 46 anos, Paula Tavares (nome fictício) estava casada, mas se apaixonou perdidamente por um outro homem. Cinco anos mais tarde, tinha ido do céu ao inferno. Espreitava o amante de madrugada em estacionamentos, para ver com quem ele estava, puxava-lhe os cabelos em público se achava que estava sendo traída, observava com raiva cada mulher que se aproximava dele. O namoro foi rompido e retomado várias vezes, porque ela implorava pela reconciliação. Até que um dia, fora de si, Paula apareceu no apartamento do parceiro e o agrediu violentamente. Foi quando decidiu buscar ajuda e se descobriu vítima de amor patológico, dependência comportamental capaz de causar tanto sofrimento quanto a compulsão por jogo, sexo ou comida. E tão destrutiva quanto as dependências químicas. Agora, pela primeira vez, o estado inaugura um serviço de atendimento ao amor patológico.
— Esta doença mata; ou você vai para a cadeia ou para o cemitério se não se cuida — diz Paula. — Eu me casei cedo, tinha um relacionamento ruim e não contava com apoio dos meus pais para me separar. Minha saída era sempre manter relações com outras pessoas. Mas aquela me desestruturou. Eu pensava: “Faço tudo por esse homem, estou 24 horas disponível, até dinheiro eu lhe dei, e ele não me quer?!”. Fiquei muito mal.
Isto foi há nove anos. Na época, Paula procurou o Mada (Mulheres que Amam Demais Anônimas), um dos grupos de autoajuda que até agora eram a única alternativa para quem, mesmo sem saber nomear seu problema, padecia de amor patológico no Rio.
O transtorno de comportamento passará a ser tratado com psicoterapia na Santa Casa de Misericórdia, no Centro do Rio. O hospital é o primeiro do estado a oferecer o serviço, e a equipe foi beber na fonte do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), pioneiro na área, para entender como ajudar aos pacientes que se tornaram dependentes da pessoa amada a ponto de se esquecerem de si. Eles sabem que isso é ruim, escondem o que podem da família, mas simplesmente não conseguem agir de modo diferente, nem terminar o relacionamento.
— Se a vontade de estar com a pessoa amada foge ao controle; se o seu comportamento mais afasta o parceiro do que aproxima; se, em vez de recompensa, o amor traz prejuízo, isso pode ser amor patológico -— diz Analice Gigliotti, chefe do Serviço de Dependência Química e Outros Transtornos do Impulso da Santa Casa. -— Muitas vezes, o relacionamento é do tipo atração fatal: a pessoa quer encontrar o parceiro o tempo todo, sente ciúme, faz escândalo. Em geral, ela sente um grande vazio dentro de si e fica tentando preencher com o outro. Na verdade, este nome, amor patológico é até questionável, porque amor não é isso. Amor liberta.
Ainda não há pesquisas no Brasil dando conta do número de pessoas que sofre deste mal. Sabe-se apenas que são muitas, e que o reconhecimento de que estão doentes é difícil, inclusive por falta de informação. A USP vem fazendo estudos nesta área desde 2006, simultaneamente à oferta de atendimento. Usa a abordagem psicodramática: dois terapeutas mediam as conversas do grupo e investem na melhora da autoestima dos participantes, na expectativa de contribuir para que eles possam desenvolver relações interpessoais saudáveis, não só no campo amoroso.
Em poucas semanas, pela experiência da universidade paulista, já é possível observar uma melhora significativa: seus especialistas recomendam de 16 a 20 sessões de psicoterapia, e, no primeiro grupo tratado, os oito pacientes apresentaram de 40% a 80% de reversão em seu quadro patológico.
Entre as pessoas que procuram o serviço, a maior parte tem o mesmo perfil: são mulheres na faixa dos 40 anos, com bom grau de escolaridade, que sofreram abandono emocional na infância.
— Na amostra clínica, vimos que as primeiras pessoas a procurar ajuda foram aquelas mais bem informadas e desesperadas, porque o parceiro havia rompido ou ameaçado romper o relacionamento — conta Eglacy Sophia, psicoterapeuta e supervisora do Setor de Amor e Ciúme Patológicos do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. — Quanto à personalidade, muitas têm alta impulsividade e espiritualidade. O fato de recebermos muitas mulheres pode ser explicado, em parte, porque elas costumam cuidar mais da saúde e têm propensão a buscar no parceiro a solução dos seus problemas.
Além da profunda perturbação mental e do comportamento irracional, as vítimas de amor patológico podem ter sintomas físicos semelhantes aos observados nas síndromes de abstinência das dependências químicas e de outros tipos de transtornos comportamentais: agitação, falta de apetite, taquicardia, insônia.
Paula Tavares, que hoje vive em paz com o marido, tem o perfil daqueles que procuram a universidade paulista. Também membro do Mada, Andréa Bastos (outro nome fictício), porém, foge à regra. Quatro anos atrás, aos 23 anos, a estudante decidiu que era hora de se tratar quando se flagrou em vias de iniciar uma luta corporal com o namorado:
— Sabia que o que eu fazia não era normal e escondia dos meus pais, para não deixá-los preocupados. Procurei ajuda para salvar meu namoro, mas acabei ficando por mim, para aprender a ter relacionamentos mais saudáveis. Percebi que em relações anteriores eu já dava sinais do problema.
A psicóloga Daniela Faertes, que coordenará o serviço de amor patológico na Santa Casa, diz que as pessoas com este mal são incompreendidas.
— Como a dependência é relacionada a um comportamento cotidiano, os outros não dão muita importância, porque acham que a pessoa só precisaria de força de vontade para acabar com a situação. Mas estudos comprovam que nas dependências químicas e em algumas comportamentais ocorrem mudanças parecidas no cérebro. As reuniões na Santa Casa ocorrerão uma vez por semana, coordenadas por dois psicólogos. Na triagem, caso apresente sintomas de uma doença decorrente do amor patológico — depressão, ansiedade, transtorno de personalidade, transtorno bipolar —, o paciente será encaminhado também a um pisquiatra.
Analice Gigliotti está certa do poder da terapia sobre o amor patológico, mas frisa que a vigilância deve ser para sempre.
— É preciso estar atento aos gatilhos que podem desencadear esse comportamento, como um parceiro que nos faz mal ou um momento de estresse — diz. — Quanto mais a pessoa diversificar seus interesses, melhor: se ela trabalhar e tiver uma boa vida social, vai ser mais difícil adoecer.

Fonte: Jornal O Globo


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.