Ao buscar novos tratamentos para transtornos psiquiátricos é fundamental entender o funcionamento do cérebro. Por isso, estudiosos têm se empenhado em desvendar mecanismos e circuitos cerebrais envolvidos nos transtornos de ansiedade (TA). Dados do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (HC) da Universidade de São Paulo (USP) mostram que 12% da população sofre desse tipo de patologia – a porcentagem representa quase 24 milhões de brasileiros. Por definição, ansiedade é a resposta adaptativa normal do organismo ao estresse. Há casos, porém, em que se torna incapacitante e patológica, apresentando-se de forma desproporcional – o medo de estímulos rotineiros como andar de ônibus, por exemplo. Entre os TA mais comuns estão o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), de pânico (TP), de estresse pós-traumático (TEPT), de ansiedade generalizada (TAG) e de ansiedade social (TAS).
Embora existam tratamentos eficazes e seguros com medicamentos e psicoterapia cognitivo comportamental, aproximadamente 25% de pacientes com TA não respondem a eles. Dessa forma, com os avanços alcançados nos últimos anos em relação aos mecanismos neurobiológicos envolvidos nos transtornos de ansiedade, novas formas de intervenção têm sido propostas. É o caso da estimulação magnética transcraniana (EMT), desenvolvida há quase 25 anos pelo pesquisador Anthony Barker e seus colaboradores da Universidade de Sheffield, na Inglaterra. Hoje – quase três décadas depois – a técnica é considerada importante ferramenta para pesquisas no campo da neurociência. O método não invasivo de investigação e modulação da excitabilidade do córtex altera a atividade cortical por meio da produção de um campo elétrico induzido por um campo magnético gerado através de uma bobina colocada na superfície do crânio.
Considerando os circuitos cerebrais envolvidos nos casos de ansiedade patológica, estudos de neuroimagem vêm mostrando que, no TOC, são observadas anormalidades na atividade de estruturas corticais e subcorticais, como gânglios da base, córtex orbitofrontal (COF), área suplementar motora (ASM), córtex pré-frontal dorsolateral (CPFDL) e núcleo caudado. Além disso, pesquisas sobre ressonância magnética funcional (RMf) correlacionam o TOC com o nível de fluxo sanguíneo regional cerebral, sugerindo que os sintomas são causados pela redução da inibição da atividade de circuitos corticossubcorticais e hiperexcitabilidade do córtex pré-frontal (CPF).
Já com relação ao transtorno de estresse pós-traumático, os estudos de RMf têm demonstrado anormalidades de atividade, particularmente no hemisfério direito, envolvendo o CPF, mais especificamente o córtex orbitofrontal (COF), o CPFDL e regiões límbicas, o que sugere a associação do TEPT com a hiperatividade da amígdala e hipoatividade no CPF.
O mesmo tem sido observado com relação ao transtorno do pânico, já que estudos de Rmf revelam o mesmo comportamento do CPFDL e da amígdala. No caso do transtorno de ansiedade generalizada (TAG) e de ansiedade social (TAS), os estudos com RMf mostram anormalidades na atividade tanto da amígdala quanto do CPF ventrolateral direitos. Além disso, no TAG foram observadas anormalidades bilateralmente no córtex insular, no estriado e em áreas límbicas.
Quando se fala em tratamento de transtornos de ansiedade, a estimulação magnética transcraniana repetitiva é considerada um método terapêutico relativamente novo, por isso ainda existem poucas evidências de sua eficácia. A maioria dos estudos foi realizada em pessoas com TOC e com TEPT e depois igualmente em menor número com pacientes diagnosticados com TD e pacientes com TAG. No entanto, somente foi observada eficácia da EMTr no tratamento do TOC e do TEPT em parte das investigações. No primeiro caso, a equipe chefiada pela psiquiatra Chiara Ruffini, da Universidade Vita-Salute San Raffaele, na Itália, verificou em 2009 que a aplicação de EMTr de baixa frequência (1 Hz) no COF esquerdo por dez minutos reduziu significativamente os sintomas de transtorno obsessivo-compulsivo por até 10 semanas após o fim do tratamento, com redução gradativa até 12 semanas do término.
Esses achados mostram resultados satisfatórios mas não conclusivos da eficácia do EMTr como tratamento para os TA. Embora tenham sido observados resultados positivos, os parâmetros de tratamento como localização, frequência, intensidade e duração foram utilizados de forma assistemática, tornando difícil a interpretação dos resultados e fornecendo pouca orientação sobre se tais parâmetros podem ser úteis para o tratamento dos TA. Além disso, o uso da bobina placebo é importante na observação de diferenças entre os grupos.
Uma possível explicação para o fato de apenas alguns estudos demonstrarem resultados positivos da EMTr no tratamento dos TA é a natureza focal da estimulação, com a probabilidade de só as camadas superficiais corticais serem afetadas diretamente. Atualmente, utilizando a tecnologia EMT, é possível estimular diretamente áreas corticais mais distantes, tais como OFC; discute-se também a possibilidade de estimular indiretamente através de ligações transinápticas áreas subcorticais, tais como o hipocampo, a amígdala e o estriado, que têm mais possibilidade de serem relevantes para a patogênese dos TA. Dessa forma, mais estudos devem ser realizados para investigar o papel da EMT no tratamento e na criação de protocolos de tratamento mais eficazes para os transtornos de ansiedade. Para que isso seja alcançado, os avanços tecnológicos atualmente disponíveis, como a combinação entre as técnicas de neuroimagem e a EMT, serão fundamentais.
Fonte: Revista Mente e Cérebro
Disponível em:<http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/eletricidade_para_curar_o_cerebro.html>. Acesso em:12 mar. 2012.
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