Eu sei que “remédio psiquiátrico” não soa bem. Tenho várias pessoas queridas que precisam desse tipo de medicação para tratar distúrbios de ansiedade, déficit de atenção, depressão, mania ou transtorno bipolar – o que não é nenhuma surpresa, já que a taxa combinada de prevalência desses transtornos refere-se a mais de 15% da população. E todas elas já me manifestaram o desejo de parar de tomar seus respectivos remédios.
Eu entendo. Eu mesma preciso de uma medicação diária, para uma arritmia cardíaca. E sim, eu mesma também já quis e até experimentei parar o remédio, para ver se minha condição “tinha passado”. Todas as vezes, me arrependi – e em várias delas fui parar no pronto-socorro. Meu problema é uma condição crônica, como tantas outras, e portanto sem cura – apenas tratamento todo santo dia, para o resto da vida.
Se é ruim usar um remédio pelo resto da vida? Eu diria que é uma questão de ponto de vista. Na verdade, acho uma bênção que ao menos existam remédios para condições crônicas. Sim, todo medicamento tem efeitos colaterais. Faz sentido: o número de receptores, neurotransmissores e hormônios diferentes que regulam nosso corpo, embora grande, é limitado, e portanto é esperado que o remédio que age sobre uma parte do corpo também tenha efeitos adicionais sobre várias outras. Esses custos possíveis devem ser colocados na balança, claro.Mas é preciso lembrar que a razão de qualquer tratamento, seja medicamentoso, cirúrgico ou comportamental, é melhorar a qualidade de vida de quem precisa do recurso. Se a vida é melhor e tão menos sofrida com o remédio que afasta as nuvens da alma, desfaz a dificuldade de concentração, dissipa os pensamentos catastróficos ou acalma a euforia maníaca, por que não gozar dessa melhoria?
Meu betabloqueador me poupa de ataques repentinos de taquicardia e visitas ao pronto-socorro com o coração batendo na garganta 180 vezes por minuto: uma pílula diária me permite uma vida mais tranquila e às vezes até esqueço que tenho arritmia. Da mesma forma, dou graças aos cientistas que desenvolveram o antipsicótico de última geração que uma amiga querida tomará pelo resto da vida, ficando assim livre dos surtos de delírio paranoide que quase lhe arruinaram a vida anos atrás. Ela pode ter uma vida normal, rica, plena e ser uma pessoa saudável como qualquer outra – enquanto tomar diariamente seu remédio.
Claro que é indesejável depender de algo externo ao corpo para ter bem-estar. Mas isso não é novidade, nem se aplica somente a remédios. Quem conhece os benefícios de poder usar sabonete, escova e pasta de dente não quer mais viver sem eles. É uma dependência boa, que deixa a vida melhor e cujos benefícios compensam de longe o transtorno eventual de ficar sem sabonete em casa (a farmácia da esquina resolve o problema com um telefonema), bem como o risco de efeitos colaterais como irritações na pele por uso excessivo ou inadequado.
Por isso fico feliz quando meus amigos me dizem que fizeram as pazes com seus tratamentos e desistiram de querer interrompê-los. Ninguém é perfeito e precisar de um remédio jamais deveria ser causa de vergonha. Não me sinto uma pessoa menos bacana por precisar de ajuda química para manter meu coração saudável nem gosto menos dos meus amigos por eles precisarem do mesmo tipo de ajuda para manter a mente tranquila. Há apenas 50 anos, estaríamos todos fadados a uma vida atormentada pelo coração ou pelo cérebro. Mas hoje existe uma escolha – e ela está sob nosso poder.
Fonte: Revista Mente e Cérebro
Disponível em:<http://www2.uol.com.br/
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