Preso a uma cadeira e com as pálpebras abertas à força por uma máquina, o assassino Alex é obrigado a assistir a longas horas de vídeos com cenas de violência explícita. Algo que ele, em princípio, gosta. Drogado para associar as imagens na tela a sentimentos de dor extrema, o criminoso passa a sentir aversão à crueldade e, finalmente, é considerado “recuperado”. Quarenta anos depois da clássica cena do filme Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick, a busca de uma cura para a maldade deixou de ser ficção científica. Ela hoje está presente no cotidiano de dezenas de centros de pesquisa pelo mundo. Laboratórios na Alemanha, nos Estados Unidos e na Inglaterra abrigam scanners que medem o fluxo de sangue no cérebro e aparelhos de sequenciamento genético que ajudam a traçar uma nova anatomia do mal dentro do ser humano.
Como resultado, a ciência encontrou áreas cerebrais envolvidas no controle da maldade, genes relacionados à crueldade e situações em que até mesmo os mais bondosos podem se transformar em torturadores. Numa análise do que aconteceu durante as torturas da prisão de Abu Ghraib, por exemplo, cientistas citam fatores como o estresse dos soldados, o tipo de comando e até o calor excessivo como alguns dos ingredientes de uma situação perfeita para que pessoas tidas como “de bem” libertassem seu lado torturador. Estudos também mostram que por trás daquela dificuldade de se conter em partir para a briga em discussões pode estar uma falha em algumas regiões cerebrais.
As descobertas, no entanto, já inspiram técnicas para “corrigir a mente” tão controversas quanto as do filme. Entre elas, a oxitocina, uma droga que age no cérebro para melhorar o comportamento moral, e terapias preventivas com crianças que apresentam risco de se tornarem psicopatas. As pesquisas mostram que fazer o mal pode não ser uma questão de livre-arbítrio. “Pessoas fizeram atos de crueldade não porque escolheram, mas porque apresentaram uma deficiência no cérebro”, sugere o Ph.D. em psicologia e professor da Universidade de Cambridge, Simon Baron-Cohen, que acaba de lançar o livro Science of Evil (A Ciência do Mal, ainda sem edição no Brasil), obra na qual revisa mais de 300 estudos da área.
As descobertas, no entanto, já inspiram técnicas para “corrigir a mente” tão controversas quanto as do filme. Entre elas, a oxitocina, uma droga que age no cérebro para melhorar o comportamento moral, e terapias preventivas com crianças que apresentam risco de se tornarem psicopatas. As pesquisas mostram que fazer o mal pode não ser uma questão de livre-arbítrio. “Pessoas fizeram atos de crueldade não porque escolheram, mas porque apresentaram uma deficiência no cérebro”, sugere o Ph.D. em psicologia e professor da Universidade de Cambridge, Simon Baron-Cohen, que acaba de lançar o livro Science of Evil (A Ciência do Mal, ainda sem edição no Brasil), obra na qual revisa mais de 300 estudos da área.
A EMPATIA
Para saber o que são essas deficiências cerebrais, é preciso antes entender um mecanismo apontado como válvula de segurança contra a maldade. A empatia é a capacidade natural que temos de identificar o que outra pessoa está pensando ou sentindo e responder com uma emoção apropriada. Quando alguém chora ao ver um filme triste ou esboça um sorriso ao ouvir uma gargalhada, ativa a empatia. É também essa habilidade que atua quando você freia um instinto de agredir alguém indefeso ou impede um terceiro de agir assim, prevendo o sofrimento da vítima. “Maldade é falta de empatia. Você causa mal a alguém porque não está preocupado se a pessoa vai se machucar fisicamente ou emocionalmente”, diz o psiquiatra Fábio Barbirato, da Santa Casa do Rio de Janeiro.
Na última década, estudos mostraram que a empatia não é apenas um conceito filosófico, mas pode ser localizada dentro da massa cerebral. Há consenso na neurociência de que pelo menos 10 regiões cerebrais, chamadas por Baron-Cohen de “circuito da empatia”, estão relacionadas com essa capacidade. Quando há lesão em áreas como o córtex pré-frontal medial, perdemos reações involuntárias que temos ao assistir a cenas fortes como mutilações (aumento de batimento cardíaco e suor nas mãos), o que sugere que a dor do outro deixa de ser processada da mesma forma dentro da gente. Já outras áreas, como a parte anterior da ínsula, são ativadas tanto quando sentimos dor quanto no momento em que vemos alguém sofrer um estímulo doloroso. Há pelo menos 60 pesquisas mostrando essas conexões e sugerindo um mecanismo do cérebro que se ativa para que, de alguma forma, também possamos sentir dentro de nós as emoções que presenciamos.
CURTO-CIRCUITO
Esse mecanismo de identificação nos leva a considerar o sentimento dos outros ao tomar qualquer atitude. Você vê uma velhinha cheia de pacotes com dificuldades para subir as escadas e sente vontade de ajudá-la. Ou vê o seu irmãozinho chorando e para de brigar. Só que nem sempre o mecanismo está a todo vapor. Fatores como estresse, álcool e cansaço diminuem temporariamente a empatia. O sistema também é desligado quando estamos muito focados em nós mesmos. Seu cérebro pode não perceber o sufoco da velhinha se você está às voltas pensando no namorado ou namorada que está lhe traindo, por exemplo.
Ao diminuir a identidade com o próximo, uma pane da empatia também faz com que a pessoa não sinta um bloqueio ao pensar em fazer algo malvado. “Quando alguém comete uma crueldade, esse circuito tem um mau funcionamento, está desligado”, defende Baron-Cohen. Mas para que a vontade de praticar uma maldade não seja freada pela perspectiva de sofrimento da outra pessoa, é preciso que a empatia esteja bem baixa, o que normalmente não está ligado apenas a fatores de momento. É por isso que o cientista inglês e outros especialistas criaram uma medida do funcionamento desse sistema no cérebro, o quociente de empatia, ou simplesmente QE. A avaliação é feita por questionários (veja um no final desta matéria), mas pode ser confirmada medindo ondas cerebrais. Quanto maior o QE, mais altas as chances de frear impulsos de crueldade por “sentir” a dor do outro.
Nos psicopatas, por exemplo, a empatia é zero. Eles não são contagiados pelas emoções alheias e não sofrem remorso. “Há uma área do cérebro abaixo da órbita do olho que integra o caráter. Nos psicopatas, indivíduos que têm defeito na empatia, essa área não se formou direito”, diz a especialista em psicopatia Hilda Morana, doutora em psiquiatria pela Universidade de São Paulo. Mas eles não são os únicos. Há outros diagnósticos associados ao nível zero, entre eles o transtorno borderline, de pessoas desreguladas emocionalmente, com tendência a comportamentos agressivos — essas também têm padrões diferentes no circuito da empatia.
Nos psicopatas, por exemplo, a empatia é zero. Eles não são contagiados pelas emoções alheias e não sofrem remorso. “Há uma área do cérebro abaixo da órbita do olho que integra o caráter. Nos psicopatas, indivíduos que têm defeito na empatia, essa área não se formou direito”, diz a especialista em psicopatia Hilda Morana, doutora em psiquiatria pela Universidade de São Paulo. Mas eles não são os únicos. Há outros diagnósticos associados ao nível zero, entre eles o transtorno borderline, de pessoas desreguladas emocionalmente, com tendência a comportamentos agressivos — essas também têm padrões diferentes no circuito da empatia.
Um pouco acima do nível zero estão pessoas que podem ser capazes de machucar as outras, mas sentirão remorso depois. É o caso daqueles que explodem facilmente durante discussões, chegando à agressão. Nesse caso, o circuito cerebral não funciona suficientemente para inibir os impulsos violentos e a pessoa não percebe estar passando do limite. Num nível ligeiramente acima, a pessoa freia a violência, mas não aquelas situações constrangedoras em que alguém faz comentários como “você engordou”, e não percebe que pode deixar o outro chateado.
O nível de empatia, no entanto, não é determinado no momento do nascimento. “Há uma interação de fatores sociais com causas genéticas que ainda estão sendo investigadas”, diz o indiano Bhismadev Chakrabarti, Ph.D. pela Universidade de Cambridge, ele mesmo descobridor de 4 genes relacionados à empatia. Junto com outros pesquisadores, o neurocientista mediu em 2009 o QE de 349 pessoas e fez um mapeamento genético de cada uma delas. Além dos genes, ele achou uma área cerebral, o giro frontal inferior, sempre mais ativa em pessoas com alto QE. “Já há cerca de 20 genes associados à questão. Ter as variações genéticas não significa automaticamente que a pessoa será empática.”
Fonte: Revista Galileu
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