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terça-feira, 9 de agosto de 2011

Como Ser Mais Feliz Com o Trabalho: Há muitos empregos e os salários crescem, mas a insatisfação do brasileiro com a carreira permanece a mesma

Filipe Redondo/ÉPOCA
MAIS FELIZES
A ex-fonoaudióloga Fernanda Egydio em sua oficina de costura para crianças. Ela deixou de ser assalariada e virou microempresária, grupo que se diz muito mais satisfeito com o trabalho
 
O brasileiro que trabalha está cheio de motivos para comemorar. O nível de desemprego de junho foi o menor desde 2002. A renda média cresce à frente da inflação continuamente há sete anos. Surgem mais opções de carreira e mais cargos bem remunerados, e as empresas disputam os bons profissionais. O brasileiro que trabalha deveria, então, estar extremamente satisfeito. Mas não é o que acontece. Há indícios de que o aquecimento da economia não esteja elevando a felicidade geral com o trabalho. Pior: ele talvez esteja aumentando o número dos que se consideram infelizes com o que fazem. O alerta vem de especialistas e pesquisas como a realizada recentemente pela consultoria multinacional de recursos humanos Right Management. O resultado mostrou 48% de insatisfeitos com o trabalho. “Para uma economia aquecida, cheia de oportunidades, esse indicador está muito alto”, afirma Elaine Saad, coordenadora do levantamento, feito em julho com 6 mil pessoas. O índice de insatisfeitos está bem mais próximo dos 52% dos Estados Unidos em crise de 2008, abalados pela bolha imobiliária, do que dos 39% dos Estados Unidos otimistas de 1987, quando o país crescia fortemente. A insatisfação dos brasileiros se manifesta de forma ainda mais aguda entre as mulheres: 59% delas afirmam não estar felizes no trabalho.
Há reflexos do problema também na área de saúde mental. Em um levantamento da consultoria CPH Health com 194 mil pessoas, concluído em maio, a depressão e a ansiedade com o trabalho se mantiveram em alta no país. “O sofrimento está ficando mais intenso nos últimos anos. As pessoas inventam algumas formas de defesa contra os problemas do emprego, mas elas logo falham”, afirma a psicóloga Ana Magnólia Mendes, da Universidade de Brasília (UnB), que estuda problemas no emprego há 25 anos. Parece que o brasileiro médio não está conseguindo transformar em felicidade os ganhos oferecidos pelo mercado de trabalho.
Reprodução
Uma parte da explicação emerge das novas exigências dos empregadores. Com a crise na Europa e nos Estados Unidos, as multinacionais voltam suas expectativas para os poucos mercados no mundo que podem oferecer bons negócios – como o Brasil. “As multinacionais estão por aqui há muito tempo, mas agora elas estão apostando pesado em nós”, afirma o economista Carlos Castanho, do instituto de pesquisas Quórum. A cobrança por resultados cresce mais rapidamente do que o tamanho das equipes e a verba para os projetos. Entre as companhias brasileiras, há o apetite por ocupar espaços no mercado interno em expansão. Os funcionários são pressionados e têm de competir mais para se destacar. Um tradicional indicador de aquecimento econômico é o número de fusões e aquisições, que bateu recorde no primeiro semestre de 2011, de acordo com a KPMG. Foram 379 operações, 8% a mais do que o mesmo período do ano passado, já de atividade bem intensa. Cada união entre empresas é também uma fonte de estresse para os funcionários, por causa da possibilidade de demissões e das mudanças de chefia, ambiente e cultura de trabalho. Mas essa é a parte da explicação mais fácil de enxergar, porque ocorre no mercado – ou seja, fora da cabeça das pessoas.
A outra parte, mais difícil de apreender, está dentro da mente do sujeito que trabalha. É natural que as expectativas de cada um com o trabalho estejam maiores. “As pessoas estão recebendo propostas, veem os outros mudando de trabalho e questionam mais a própria posição. Os aspectos ruins do emprego ficam exacerbados”, afirma Elaine Saad. O aquecimento da economia dá ao indivíduo chances verdadeiras de impulsionar ou mudar a carreira, mas essas chances reais sofrem com a competição, sempre injusta, das chances imaginárias que só os outros parecem estar aproveitando. O efeito colateral é criar a falsa ideia de que o carpete do escritório vizinho é mais verde.
A origem da insatisfação se torna facilmente identificável no momento de escolha de emprego. Na hora de agarrar uma nova chance, as expectativas de promoções, status e salário contam mais. Numa pesquisa do instituto Quórum, os aspectos que mais atraem os executivos para um novo emprego são a perspectiva de crescer (apontado por 37% dos entrevistados) e o salário (26%). Uma vez dentro da nova empresa, porém, começam a pesar fatores muito prosaicos, como o clima, o chefe e o prazer com as atividades do dia a dia. Eles são determinantes para a felicidade no trabalho. Questionados sobre o que os levou a sair de empregos anteriores, os executivos responderam principalmente o ambiente desconfortável (24%) e a falta de treinamento condizente com as atividades exigidas (22%). O salário baixo ou as parcas chances de crescer caíram para quarto e quinto lugares. “As pessoas vão para um novo trabalho por suas habilidades técnicas e se desligam de um trabalho por questões de comportamento”, afirma Frederico Porto, psicanalista e consultor organizacional.
O inchaço ruim das expectativas também aparece nas medições de felicidade em diferentes faixas etárias. Na pesquisa da Right Management, mostraram-se insatisfeitos com a carreira seis em cada dez profissionais com idade entre 20 e 30 anos – a explicação para essa grande parcela de infelizes é que os jovens tendem a esperar do trabalho mais do que ele pode proporcionar. A insatisfação declina continuamente com a idade e recua para quatro em cada dez trabalhadores na faixa de 40 a 50 anos, maduros o bastante para não esperar do trabalho mais do que ele pode oferecer. Parece que a insatisfação com o trabalho cresce, em parte, porque o mercado de trabalho se tornou mais exigente, mas principalmente porque o brasileiro passa a esperar muito mais do emprego. Isso significa que, antes de tomar decisões a respeito da carreira, é preciso adequar melhor suas expectativas.
Nada disso significa que o indivíduo precise esperar pouco do trabalho. Ele apenas precisa casar as ambições com as possibilidades de forma realista. O estudioso americano Peter Warr, referência mundial em psicologia do trabalho, acredita que existam formas mais ou menos intensas de felicidade no trabalho. “Estar apenas tranquilo e confortável já é agradável, mas as pessoas precisam de mais. Elas gostam de estar ativamente engajadas no que estão fazendo”, afirma. É o que ele chama de “felicidade desafiadora”. No livro Motivação 3.0, o autor americano Daniel Pink diz que a busca por satisfação inclui a procura não somente por maior salário, mas também por excelência, propósito e autonomia. Nessas condições, seria possível atingir o estado “flow”, definido pelos psicólogos como o momento em que o executador e a tarefa se fundem, tamanha a ligação. É a sensação de prazer que faz com que a noção de tempo seja perdida. Para chegar a esse nirvana do escritório, porém, o assalariado precisa fazer certa peregrinação mental.
O consenso entre os especialistas é que a felicidade no trabalho existe quando anseios de diversos tipos (e não somente financeiros) são preenchidos pelas características da atividade realizada. “Felicidade é identificar-se com a natureza, o tema, o momento e o propósito do trabalho”, afirma o psiquiatra Sérgio Campanella, estudioso de ansiedade no emprego. O ambiente tem um peso tão grande quanto o tipo de ofício, mostra a pesquisa da psicóloga Ana Mendes, da Universidade de Brasília. “O reconhecimento e a liberdade de expressão de ideias são tão importantes que podem compensar o fato de a atividade desempenhada não ser agradável”, afirma.
Uma revelação interessante da pesquisa da Right Management, em sintonia com as avaliações dos especialistas em saúde mental, é a menor parcela de insatisfeitos entre os que trabalham por conta própria. A fatia de angustiados cai a 40% entre autônomos e 26% entre os donos do próprio negócio, níveis bem inferiores aos 48% da média geral. Esse roteiro foi seguido pela microempresária Fernanda Egydio, de 35 anos. Depois de nove anos atuando como fonoaudióloga, ela resolveu dar outro rumo à carreira. Criou um negócio e também um ambiente de trabalho melhor numa oficina de costura para crianças. “O hospital tinha mais competitividade e o relacionamento entre as pessoas era mais frio. De doutora Fernanda passei a ser a Fê”, diz. O caminho da satisfação não precisa passar por curvas tão radicais. Mas, com economia a favor ou contra, ele sempre exigirá uma bela viagem de autoconhecimento.
   Reprodução

Fonte: Revista Época

Diponível em:<http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI255375-15259,00.html>. Acesso em: 08 ago. 2011

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