A doença, que afeta 350 milhões de pessoas no mundo, segundo a OMS, exige cuidados. Mas médicos alertam que é importante diagnosticá-la corretamente. Apenas sintomas como tristeza e ansiedade não são suficientes para caracterizá-la
A angústia, a insônia e a tristeza podem ser incômodos momentâneos para grande parte das pessoas. Para outras, contudo, são estados frequentes que ajudam a formar um quadro de depressão, doença grave que precisa de cuidado, tendo como opção de tratamento medicações que buscam aliviar os sintomas e dar mais qualidade de vida aos pacientes. O que preocupa especialistas da área da saúde, contudo, é o uso indiscriminado desses remédios. O medo desses profissionais é que o diagnóstico errado leve muita gente a ingerir fármacos sem necessidade.
Números indicam que essa pode ser uma realidade preocupante no Brasil. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), só em 2011, foram vendidas, nas farmácias brasileiras, 18,45 milhões de caixas com 30 comprimidos (553 milhões de pílulas) de drogas que têm como princípio ativo o clonazepam, um ansiolítico. O número representa um aumento de 36% em relação a 2010.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta que a depressão afeta 350 milhões de pessoas em todo o mundo, mas não é simples diagnosticá-la. “Estatísticas mundiais apontam que cerca de 22% das mulheres e 11% dos homens vão desenvolver um estado depressivo ao longo da vida, que pode ser uma única vez ou de forma recorrente”, comenta o psiquiatra Paulo Repsold, membro da Associação Brasileira de Psiquiatria.
Segundo ele, a doença é um transtorno afetivo de lado emocional, que acaba afetando a parte cognitiva do ser humano. “Os sintomas mais famosos para o quadro são tristeza e angústia. Mas só isso pode não caracterizar a doença. A depressão é um conjunto de sintomas que podem ser clínicos ou até físicos, sendo o de maior parte mental”, diz.
De acordo com a presidente da seção mineira da Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil, Ana Cristina Margest Pimentel, trata-se de um mal biológico que não passa com o tempo. “Se os sintomas de tristeza e angústia persistem ao longo de três semanas, isso pode ser um sinal de depressão”, afirma. Nesse caso, segundo ela, há uma diminuição dos neurotransmissores, que são substâncias químicas liberadas pelos neurônios e usadas para a transferência de informações entre eles.
Transtornos
No caso da depressão, o principal neurotransmissor afetado é a serotonina. Ana Cristina Pimentel explica que, na maioria das vezes, um paciente depressivo não sente prazer em fazer atividades habituais. “E isso pode ser o princípio da doença. Entretanto, às vezes a pessoa está muito cansada e só quer dormir. Isso pode não ser depressão, mas um quadro clínico de falta de vitaminas no organismo”, compara.
A especialista afirma que há pessoas com predisposição genética para o mal e que, dependendo dos fatores ambientais e da personalidade, desenvolvem a depressão. Mas, para a psicanálise, o transtorno tem outras causas. Segundo a mestre em psicanálise transcultural Carmem Farage, são poucos os casos reais de depressão no mundo. “Muitas vezes, os estados depressivos estão sendo diagnosticados como a doença, o que justifica o alto número no consumo de medicamentos.” Ela afirma que todos os obstáculos da vida vão trazer sofrimento e servem para o crescimento pessoal. “Ao serem medicados com antidepressivos ou ansiolíticos porque estão tristes, angustiados ou com insônia, os pacientes acabam se anulando e se tornam reféns da droga”, argumenta.
Farage esclarece, por exemplo, que um luto normal dura em média três meses. “Depois disso, se a pessoa não consegue melhorar, tem de buscar ajuda psicológica para sair do estado depressivo. Mas, se, mesmo com a ajuda, o mal não passar, é possível que o paciente tenha se encontrado com algo do passado, talvez da própria infância”, conta. Ela afirma que, nesse caso, pode se tratar de uma a depressão neurótica. “Mas, se esse paciente estiver medicado, será difícil ser tratado, já que a medicação terá mascarado sintomas, sem tratar a raiz do problema.”
Diferentes níveis de gravidade
A perda da mãe levou o comerciante Rinaldo José Cordeiro, 47 anos, a tomar o clonazepam. Ele mora em Piedade dos Gerais, cidade onde, segundo levantamento do Sindicato dos Farmacêuticos de Minas Gerais, foram consumidos 44 mil comprimidos do remédio em 2011 — média de nove pílulas para cada habitante. “Há 18 anos, perdi a minha mãe e a minha estrutura. Os médicos me receitaram um remédio com clonazepam. Durante três anos, eu tomei duas pílulas todos os dias. Isso passou a não fazer efeito. Fui internado por causa do alcoolismo. E, depois de me livrar do álcool, os médicos receitaram antidepressivos. É mais fácil largar a bebida do que os medicamentos”, acredita.
Segundo o psiquiatra e homeopata Aloísio Andrade, “depressão é um guarda-chuva que abriga vários diagnósticos”. Ele explica que angústia é um questionamento do sentido da vida. “Mas se ela se intensifica, torna-se um quadro depressivo.” Nesse estado, o primeiro nível, de acordo com ele, tem como sintomas a insônia ou o excesso de sono, dor na coluna e outros sinais. “Isso pode evoluir para a depressão neurótica, em que a pessoa tem dificuldade de se levantar da cama e tende a ficar mais parada.”
Um estágio ainda mais severo é o transtorno depressivo patológico, segundo Andrade, no qual há riscos até mesmo de tentativas de suicídio. O médico diz que há ainda a depressão causada pelo uso de álcool e outras drogas. “São substâncias depressoras do sistema nervoso central”, diz. Ele esclarece que depressão psicótica é a mais grave delas.
Terapia
De acordo com o psiquiatra Paulo Repsold, há dois carros-chefe para o tratamento dos transtornos depressivos: medicação e sessões psicoterapêuticas. A primeira abordagem ajuda o paciente a enfrentar o problema, já que os remédios retiram os sintomas. A psiquiatra Ana Cristina Pimentel diz que o medicamento usado para a depressão não pode ser clonazepam, pois ele não aumenta a quantidade de neurotransmissores no cérebro. “A depressão leve pode ser tratada só com psicoterapia. Com os antidepressivos, é preciso pelo menos seis meses de uso para ir diminuindo as doses. O efeito começa depois de duas semanas. Antes disso, os ansiolíticos podem ser usados”, diz. (LE)
Fonte: Jornal Correio Brasiliense via Associação Brasileira de Psiquiatria
Disponível em: <http://www.abp.org.br/portal/imprensa/clipping-2>. Acesso em: 07 mar. 2013.
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