Texto inspirado no filme, As sessões, de Ben Lewin,
O filme conta a história de Mark O’Brien, escritor e poeta que, ainda
criança, contraiu poliomielite. Devido à doença perdeu os movimentos do corpo,
somente mexe a cabeça, vive preso a um pulmão de ferro. Aos 38 anos, depois de
muita angústia e medo assume perder a virgindade, pois deseja amar e ser
correpondido. Católico praticante busca a absolvição de um padre, amigo e
confessor, que o orienta a pedir ajuda especializada. Ele é atendido por uma
psicóloga que sugere o trabalho de uma terapeuta sexual. A terapeuta enfrenta o
enorme desafio de iniciar sexualmente um homem imóvel, que tem as sensações
preservadas, mas que não as controla. Os encontros despertam emoções tremendas
na dupla e na platéia. A mistura de bom humor, sinceridade, ternura e
fragilidade do personagem é arrebatadora – impossível não amá-lo.
Algumas palavras:
A Psicanálise despertou o mundo para a compreensão e estudo da
sexualidade humana, levantou o tabu milenar que encobria as
manifestações da sexualidade infantil e adulta. Freud nos mostrou haver uma
correlação entre as neuroses e a repressão da sexualidade. Depois, o mundo
mudou, veio a revolução sexual, a pílula e até as aulas de orientação sexual nas
escolas.
O método psicanalítico trabalha com o nível simbólico do
psiquismo, por meio de toques emocionais dedilha a alma do paciente – seu campo
reside no universo das representações. O psicanalista “empresta” seu mundo
interior para o paciente. A matéria prima do nosso trabalho é constituída por
emoções, experiências, vivências e palavras. Extraímos de nós o material que é
estimulado pela demanda do paciente, o elaboramos e o colocamos à disposição dos
analisandos – promove-se uma vivência emocional bastante íntima e peculiar –
assim são os encontros analíticos, difíceis de descrever.
Os trabalhos terapêuticos que se dirigem diretamente ao
corpo são herdeiros das ideias dos primeiros psicanalistas, que
seguiram linhas de investigação diferentes das de Freud. O trabalho de terapia
sexual não utiliza a metodologia psicanalítica, trabalha em nível mais concreto,
cognitivo e, muitas vezes, até de treinamento. É a experiência sexual que está
em jogo. O terapeuta sexual empresta seu corpo, sua liberdade e conhecimento dos
estranhos caminhos da sexualidade, o estimulo é direto.
As questões éticas implicadas nesse tipo de trabalho demandam
Filosofia. Até que ponto podemos e devemos estar dessa forma com os
pacientes é uma pergunta importante. Não tenho resposta. A Psicanalise não se
pretende dona da verdade nem pretende ser uma ideologia da moda. Nossos
pacientes são livres, essa é uma posição ética fundamental – não somos
os responsáveis por eles, por suas vidas, descobertas e decisões. O analista
acompanha o paciente/analisando, pode despertar emoções, lembranças e vivências
– o trabalho analítico expõe o sofrimento – mas o analista não conduz o paciente
a fazer o que ele analista acredita ser o correto. Essa é a área de
responsabilidade do analisando, que pode fazer o que bem entender. Os
psicanalistas fazem uma longa formação para se prepararem para o
atendimento dos pacientes. Essa formação pretende dar a condição de
renunciar ao poder que, eventualmente, o paciente venha atribuir ao
analista, para que ele adquira poder e autonomia sobre sua própria
vida. Lacan dizia que o analista ocupava um lugar de suposto saber, é isso,
suposto, apenas suposto.
Outra pergunta que o filme coloca é se o paciente não alcançaria essa
possibilidade sexual com uma parceira de vida. Os homens, em geral,
sentem muito medo de falhar e vergonha da inexperiência, mesmo os que
não se encontram imobilizados, paraplégicos ou tetraplégicos. A fragilidade e o
medo podem levar à escolha de um especialista, o
terapeuta sexual ou de um profissional do sexo (é o que
mais ocorre em nossa cultura) que auxilie na diminuição do temor até que se
sintam confiantes em controlar o processo e aprender (novos) rumos para a
própria sexualidade.
Ao assistir o filme somos revisitados por angústias e preocupações
referentes à sexualidade. O filme nos obriga a lembrar do próprio
tormento em relação ao sexo. A solidão, o desejo de amar e ser amado e a dor do
personagem principal se tornam universais.
Muitos pacientes com queixas na área da sexualidade se beneficiam da
psicanálise, se libertam, pois a prisão se dá a nível psíquico e está
relacionada a dificuldade em viver as próprias emoções. A sexualidade é
uma emoção forte e prenhe de preconceito. O corpo e a sexualidade formam um
campo a ser melhor investigado. O conhecimento que temos dessa área, por mais
que tenha avançado, engatinha.
Fonte: Jornal de Folha de São Paulo
Disponível em: <http://falecomigo.blogfolha.uol.com.br/2013/02/28/algumas-palavras-sobre-as-diferencas-entre-a-psicanalise-e-o-trabalho-de-terapia-sexual/>. Acesso em: 01 mar. 2013.
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