Parece ter havido avanços na reforma psiquiátrica brasileira, desencadeada a partir dos anos 1980 para promover a desativação gradual do arcaico sistema manicomial.
Por outro lado, houve um engodo na reforma: a hipermedicação dos pacientes, notadamente das classes menos favorecidas, que desconhecem o porquê, tempo de duração e possíveis efeitos indesejados do tratamento farmacológico.
A conclusão é de uma pesquisa coordenada pela professora Rosana Teresa Onocko-Campos, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp.
Centros de Atenção Psicossocial
A pesquisa cobriu os CAPS, Centros de Atenção Psicossocial do Estado de São Paulo, uma rede de serviços de atenção visando à integração da pessoa que sofre de transtornos mentais na comunidade.
Os CAPS são unidades de referência de saúde mental e os de tipo III, particularmente, visam se tornar substitutivos do hospital psiquiátrico, possuindo equipes multiprofissionais com a missão de tratar de forma intensiva os portadores de transtorno mental com idade superior a 18 anos.
O tratamento se dá na própria comunidade e junto às famílias, evitando a internação psiquiátrica integral e promovendo a reabilitação psicossocial dos cronicamente comprometidos. Funcionam 24 horas por dia, sete dias por semana, contando com leitos para o acolhimento noturno de portadores de sofrimento psíquico em períodos de crise.
Há casos, contudo, em que a internação é necessário, havendo leitos disponíveis no sistema tradicional de saúde, que são usados quando o paciente tem outras intercorrências como diabetes, infarto ou intoxicação por drogas.
Remédios demais
A pesquisadora insiste que a reforma psiquiátrica no Brasil avançou o suficiente para eliminar qualquer controvérsia em relação à importância dos Centros de Atenção Psicossocial.
"Em todos os casos, as famílias afirmam que o acesso ao serviço melhora o histórico do tratamento e a trajetória de vida do usuário. Temos dados para mostrar que a reforma psiquiátrica não gera desassistência, não gera abandono ou morador de rua. E gostamos de ouvir aqueles depoimentos," afirma.
Contudo, a professora Rosana também saliente o que ela considera o engodo da reforma psiquiátrica: a hipermedicação de muitos pacientes, tanto na rede de atenção primária como nos Centros de Atenção Psicossocial.
"Não é um problema somente do sistema brasileiro, há evidências disso no mundo inteiro. Muitas vezes, o tratamento em saúde mental está reduzido aos psicotrópicos, sendo que a comunicação entre os profissionais da saúde e os usuários é deficiente."
A pesquisa aponta que o uso crescente destes medicamentos está associado a fatores socioeconômicos, com prevalência de medicação associada aos indivíduos de maior vulnerabilidade social, baixa escolaridade e menor renda per capita.
Medicação e medicalização
Além do volume inadequado da medicação, o estudo revela também a medicalização da população - fenômeno de transformação de situações corriqueiras em objeto de tratamento da medicina.
Na opinião dos pesquisadores, em ambas as situações, um dos efeitos produzidos é a redução das experiências singulares das pessoas a meros fenômenos bioquímicos.
"Nas entrevistas, os trabalhadores da saúde alegam que, vendo pessoas em situação tão difícil e desfavorável, decidem dar o medicamento para 'acalmá-las'. É algo sobre o qual eles devem refletir: na verdade, se está medicalizando um problema que faz parte da vida e que não é doença; se as condições do seu bairro estão péssimas, a pessoa deve primeiro se indignar, pois vivendo sob a ação de calmantes, nada vai fazer", observa Rosana Onocko-Campos.
Fonte: Diário da Saúde
Disponível em:<http://www.diariodasaude.
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