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segunda-feira, 4 de junho de 2012

Agora é Lei: dependentes químicos devem ter tratamento digno


Quatro dias após o Circuito Mato Grosso (Edição 392) denunciar o tratamento desumano a dependentes químicos atendidos no Centro de Recuperação Resgatando Vidas, em Cuiabá, Mato Grosso ganha a Lei Estadual de Atenção Integral à Saúde Mental (LC Nº 465/2012), publicada no Diário Oficial do dia 28 de maio.
De autoria dos deputados estaduais Romoaldo Júnior e Sebastião Resende, a lei obriga todos os estabelecimentos de saúde ou comunidades terapêuticas a oferecerem atendimento humanitário a dependentes químicos e portadores de transtornos mentais. 
Para fazer cumprir a lei, estado, municípios e estabelecimentos privados deverão assegurar o pleno exercício dos seus direitos de cidadão, com tratamento sem qualquer discriminação e proteção contra qualquer forma de exploração e abuso. Os pacientes ou internos deverão ficar em espaço próprio, necessário a sua liberdade e individualidade. “Deve haver oferta de recursos terapêuticos e assistenciais indispensáveis a sua recuperação, inclusão social, através de projetos intersetoriais com a comunidade e acesso às informações registradas sobre sua saúde e tratamentos”, observa a lei.
que a partir de agora nenhum novo hospital psiquiátrico poderá ser construído a partir de agora em Mato Grosso, atendendo à política nacional de desospitalização preconizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A medida visa a que o paciente seja tratado em casa, com o apoio da família e de atividades nos Centros de Atenção Psicossocial, os CAPS
A assistência prestada pelos serviços de saúde mental, consta no texto da lei, será orientada no sentido de uma redução progressiva da utilização de leitos psiquiátricos em clínicas e hospitais especializados, mediante o redirecionamento de recursos para concomitante desenvolvimento de outras modalidades assistenciais, garantindo-se os princípios de integralidade, descentralização e participação comunitária.
Com a lei, a internação psiquiátrica só será utilizada como último recurso terapêutico, esgotadas todas as outras formas e possibilidades terapêuticas prévias e deverá objetivar a mais breve recuperação, em prazo suficiente para determinar a imediata reintegração social da pessoa com transtorno mental ou em uso abusivo de substância psicoativa.
A internação psiquiátrica, nos termos da lei, deverá ser regulada e ter encaminhamento exclusivo dos serviços de emergências psiquiátricas dos prontos-socorros gerais e hospitais regionais e universitários e ocorrer, preferencialmente, em enfermarias de saúde mental em hospitais gerais. Os novos hospitais gerais deverão, obrigatoriamente, ter atendimento especializado para esses pacientes.

Profissionais habilitados 
Além da desospitalização na rede de assistência à saúde mental, neste caso pontualmente em relação a dependentes químicos, o Centro de Referência de Formação Permanente aos Profissionais que Atuam Com Usuários de Crack, outras Drogas e Familiares (CRR), ligado ao Instituto de Saúde Coletiva da UFMT, destaca que a consolidação de uma rede de assistência aos usuários de drogas e seus familiares só será possível na capacitação e educação permanente dos profissionais em serviços, mediante abordagens alternativas, entre elas, a visão de que a dependência química é uma doença crônica na construção coletiva e compartilhada do conhecimento científico.
“Sobretudo, através da experiência do cotidiano desses profissionais junto à população usuária dos serviços de assistência de dependentes químicos, visando a mudanças de comportamento mais saudáveis”, reforça Delma Perpétuo de Souza, coordenadora do CRR.
Cárcere privado e submissão à religião
Em Mato Grosso, comunidades terapêuticas submetem dependentes químicos a condições absurdas, que incluem desde cárcere privado à abstinência sexual e submissão à religião. Os fatos estão descritos no relatório do Conselho Federal de Psicologia, elaborado após vistoria em alguns desses centros de recuperação.
Na Comunidade Terapêutica Raiz de Jessé, localizada na zona urbana de Várzea Grande e coordenada por pastores, as crises de abstinência são encaradas como “frescura”. Os internos são acomodados em um barracão de condições precárias. Não existem atividades de saúde.
Quando alguém apresenta algum tipo de problema de saúde, é levado a uma policlínica. A equipe do Conselho Federal de Psicologia soube que no local existem medicações como diazepan, paracetamol, anti-inflamatórios, que permanecem na direção.Foram encontrados internos com problemas de saúde e sem assistência. As visitas de familiares só ocorrem após três meses de internação, os documentos são retidos e há punição mediante subtração do acesso aos meios de comunicação. Quando as tarefas de limpeza e manutenção não são consideradas a contento, há designação de outra atividade da qual o interno não goste, como cavar um buraco, por exemplo. A mensalidade paga pelas famílias é em média de R$ 250.
No Lar Cristão Ala Feminina, que fica no CPA III, em Cuiabá, também se utiliza da “Palavra de Deus”. Os problemas são resolvidos por pastor da Assembleia de Deus e as internas devem seguir todas as regras baseadas na religião. Quando as regras são desobedecidas, as usuárias ficam sem refeição até o momento em que obedecem. Há apenas uma divisão entre os alojamentos, que ficam abertos somente quando há atividades coletivas. As recém-chegadas ficam em uma ala; as que não aderem às normas, em outra, e há também a ala para as que já estão em sintonia e obedecem as normas da casa. As internas somente podem ouvir uma rádio evangélica, as correspondências são violadas, e elas não podem usar maquiagens, esmaltes ou brincos. Não podem depilar-se e não obrigadas a deixar o cabelo crescer. A família do interno deve pagar R$ 500 por mês além de R$ 70 para a confecção de uniforme na chegada ao local.
A comunidade terapêutica JKR, que também fica na área urbana de Cuiabá, ainda segundo o relatório, ofereceria condições indignas de assistência, usuários afirmam que faltam medicações, conselheiros (ex-internos) usariam força física para apartar conflitos, cárcere privado em um quarto que possui cadeado, é escuro, pouco arejado. O local ainda possui cerca elétrica, trancas e uma academia que é trancada com correntes. As famílias pagam R$ 2 mil por mês pela internação.
Na edição passada do Circuito Mato Grosso, o jornal mostrou as condições precárias do Centro de Recuperação Resgatando Vidas, que não foi incluído na fiscalização do CFP. A equipe de jornalismo encontrou, na chácara da entidade, meia dúzia de homens sem água potável e nem geladeira. Na dispensa, um punhado de alimentos não perecíveis e apenas um pedaço de carcaça para a janta.
O promotor de Justiça Alexandre Guedes já está avaliando o teor da reportagem para ver se abre um processo para investigar a denúncia. Ele já denunciou duas comunidades terapêuticas em 2012 e está investigando outras três.


Fonte: Associação Brasileira de Psiquiatria

Disponível em:<http://abp.org.br/2011/medicos/imprensa/clipping-2>. Acesso em: 04 jun. 2012.

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