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quarta-feira, 6 de junho de 2012

A Genética da Origem: a capacidade infinita de fornecer significado para a realidade faz com que os marcos iniciais sejam lugares sagrados da humanidade, aos quais sempre se retorna em busca insaciável de explicações


A origem é uma ideia que obseda os seres humanos. E quando digo obseda, creio que o leitor sinta aquele misto de estupor, graça e incômodo que toda palavra anacrônica revela. E o faz não por ela ser nova, mas justamente por ela ser antiga a perder de vista – original. Eis o óbice da questão. Blaise Pascal (1623-1662) dizia que se formos rastrear a origem de nossas ideias, teríamos que o fazer ao infinito. E ao fim deste percurso infinito, para a frustração dos obsequiosos e tenazes leitores, como o próprio truísmo da frase indica, não chegaríamos a uma eventual ideia original. Chegaríamos tão somente ao Nada. É por isso que o grande filósofo, não por acaso também matemático, vai criticar esse modo de raciocínio demonstrativo, que ele chama de modo geométrico, próprio ao esprit géométrique, oposto ao esprit de finesse (espírito de fineza), cujas raízes estão fincadas nas movediças areias do deserto teológico, ou seja, naquele fundamento imponderável de nossa condição, opaco à razão e aos conceitos. 

Porém, não só de geometria vive a origem. Ela está incrustada onde menos esperamos. À espreita, onde sequer sonhamos. De tocaia, aguardando nosso primeiro cochilo para dar o bote. Pois vivemos constantemente em busca de origens: nossa condição atual, o desarranjo familiar, a decadência do casamento, a situação do país, um tumor, um problema respiratório, uma desilusão. Onde é que começou tudo isso que eu nem percebi? Sim. É essa incapacidade de perceber os começos que torna a origem mais misteriosa. Somos sensíveis ao fim. Sentimos o fim com a potência de um recém-nascido capturando em seus pulmões hesitantes a sua primeira parcela de ar. Mas o fazemos justamente porque não percebemos algo essencial: a origem do fim. Quando vimos: ei-lo. O fim chegou. Instalou-se. Consumou. Deu cabo, como se costuma dizer. A uma fase. A um sentimento. A um projeto. A uma vida. Como diria Santo Agostinho (354-430) em relação ao tempo: se não me perguntam o que é, sei. Se me perguntam, deixo de saber. O que passou, deixou de ser. O que não veio, ainda não é. O que é então o tempo? De onde vem a origem? 

PASCAL DIZIA QUE PARA RASTREAR A ORIGEM DE NOSSAS IDEIAS, TERÍAMOS QUE O FAZER AO INFINITO. E AO FIM DESTE PERCURSO, NÃO CHEGARÍAMOS A UMA EVENTUAL IDEIA ORIGINAL

Por conta dessas sutilezas incômodas, a origem deu alguns excelentes assuntos filosóficos e científicos: origem do totalitarismo (Hannah Arendt), origem das línguas (Rousseau), origem da propriedade privada (Karl Marx e Friedrich Engels), origem das espécies (Charles Darwin). O nosso clássico Raízes do Brasil não faz nada mais do que mas carar uma romântica defesa das origens, cuja origem (para prosseguir o truísmo), como demonstrou o historiador João Kennedy Eugênio, remonta à Filosofia organicista e vitalista alemã, sobretudo a de Ludwig Klages (1872-1956) e Max Scheler (1874-1928), sob um termo ainda mais comprometedor: raiz. Essa malícia cordial de Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) se chama: varrer a origem para debaixo do matinho. Mas não adianta. A origem volta. Sempre. A origem é indefectível. Indeclinável. 
  
Leia reportagen na integra: http://filosofiacienciaevida.uol.com.br/ESFI/Edicoes/69/a-genetica-da-origem-a-capacidade-infinita-de-fornecer-256320-1.asp

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