Fim de férias é tempo de liquidações: as lojas, em época de substituição de coleções, têm um súbito “ataque de bondade” e criam aquelas ofertas imperdíveis – e caímos como patinhos, correndo para comprar coisas de que afinal não precisamos tanto assim, mas por esse preço... O maior exemplo de insanidade coletiva que já vi foi um boxing day (“queima de estoque”, em tradução livre) na Austrália, moda que ainda não chegou aqui: no dia seguinte ao Natal todas as lojas abrem com descontos maciços – e as filas chegam a dobrar os quarteirões.
Por que perder o controle nessas horas é tão fácil? Decisões de comprar ou não envolvem considerações complexas sobre o produto, seu custo, a necessidade real de obtê-lo, as preferências pessoais do consumidor e a noção de oportunidade. Uma teoria supõe que essas decisões refletem simplesmente a antecipação de ganhos com a compra em questão. A teoria que tem o apoio da neurociência, no entanto, é outra: decidir comprar depende de uma competição entre os circuitos cerebrais que representam o prazer imediato de adquirir um objeto e os que representam a dor imediata de pagar por ele. Quem falar mais alto no cérebro – o prazer de comprar ou a dor de pagar – conquista a decisão.
Diante da oferta de algo do seu interesse, seu sistema de recompensa, que antecipa prazeres, representa, de acordo com suas preferências pessoais, o tamanho do benefício a ser conquistado com a compra. Ou seja: o quanto você gosta do produto. Ao considerar o preço, o córtex da ínsula faz a tarefa complementar: representa o custo do que você está considerando fazer, organizando reações emocionais negativas como desgosto e ansiedade, que em princípio podem servir como um freio que mantém a carteira fechada. Ao mesmo tempo, a porção medial do córtex pré-frontal sinaliza oportunidades, por exemplo ao detectar um custo menor do que o habitual, ou do que o limite do consumidor. Para completar, a parte mais frontal do cérebro, o córtex orbitofrontal, avalia a situação do ponto de vista de possíveis arrependimentos: o quanto você lamentaria não ter comprado o produto?
Se o processo normal parece razoavelmente equilibrado, a liquidação torce as probabilidades deslealmente a favor da decisão da compra – sobretudo se o valor é parcelado a perder de vista, dividido em pagamentos pequenos que minimizam a dor do pagamento. Face aos preços reduzidos, o estriado ventral diz “eu gosto disso”, o córtex pré-frontal medial diz “puxa, custa menos do que eu aceitaria pagar normalmente”, a ínsula não se opõe – e o córtex orbitofrontal ainda diz “compra, compra!”. Por isso o cérebro humano é um prato feito para a liquidação da sua loja favorita – e a chance de sair da loja mais endividado do que você gostaria é grande. A concorrência fica ainda mais desleal quando o método de pagamento é um pedaço de plástico que deixa o dinheiro na carteira e cria a ilusão de que não se gastou nada. Assim tem-se o drama do consumidor que se descobre endividado ao chegar em casa.
Como resistir, então? A dica da neurociência é não se deixar enganar pelas parcelas pequenininhas, e pensar sempre no preço total; e, na hora da liquidação, deixar o cartão em casa e fazer somente compras à vista, de preferência em dinheiro, para que seu cérebro considere o custo real e imediato da compra. Assim você só compra o que realmente valer o custo. Com o risco, claro, de perder aquela oportunidade incrível...
Fonte: Revista Mente e Cérebro
Disponível em:<http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/para_sobreviver_a_liquidacao.html>. Acesso em: 03 fev. 2012.
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