Powered By Blogger

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

A Arte de Conhecer a Si Mesmo: Aristóteles afirmava que o objetivo da arte era representar o significado interno das coisas. Hoje, essa forma de expressão é reconhecida como uma via com fins terapêuticos


" Cheguei ao consultório apreensiva. Na escrivaninha da terapeuta, logo avistei os materiais disponíveis. Tintas, pincéis, giz de cera, canetas hidrográficas, papel, água. Dali a pouco minhas emoções comporiam esse cenário. Era dezembro, e então fui orientada a pensar nos acontecimentos mais significativos do ano. Meu desenho deveria representar o todo: o modo como eu me percebia e me sentia. Esbocei uma casa, um bosque, raios de sol e uma hera que avançava sobre as paredes, quase alcançando as nuvens. Já nos primeiros traços, as lágrimas começaram a cair. Sem parar. Pensei em falar sobre essas sensações, mas não consegui. Pouco a pouco, as linhas coloridas foram preenchendo os caminhos do labirinto interno.

Com a ajuda da especialista, visualizei as saídas possíveis. Observando mais atentamente a imagem sobre o papel, ela atentou para o fato de que eu deixara uma faixa branca, na parte inferior da casa. Toda minha representação parecia flutuar. Isso tem algum significado para você? Perguntou a terapeuta. Uma única visita, e enxerguei a completa desconexão com as minhas raízes.
A falta desse suporte era um dos fatores que impediam as mudanças necessárias para viver melhor. Começamos ali o trabalho de reconfiguração desse quadro."
A descrição da experiência vivida pela advogada Cristina Rufino retrata um dos mais relevantes atributos da arte: a capacidade de acessar o caminho mais rápido em direção às próprias emoções. A técnica utiliza qualquer tipo de expressão artística como forma de comunicação, promovendo o bem-estar físico, mental e emocional. O mérito é do processo criativo, que ajuda na resolução de conflitos e problemas, potencializa as capacidades individuais e comportamentais, reduz o estresse e promove o aumento da autoestima e da consciência.
Utilizada por psiquiatras desde o século XIX, a Arteterapia foi inicialmente aplicada em hospitais psiquiátricos. Os trabalhos realizados pelos pacientes auxiliavam na classificação das doenças mentais. Anos depois, o assunto chamou a atenção de Freud, mas foi Carl Jung o primeiro a usar a arte como prática terapêutica. A ideia era estimular a confecção de desenhos livres, como meio de expressão dos sonhos, sentimentos e conflitos. Estabelecia-se, ali, o reconhecimento da criatividade como função psíquica capaz de levar ao equilíbrio.

Rituais de cura
Desenhos são símbolos. E ao longo da história, em todas as culturas, muitas manifestações artísticas - dança, música, esculturas, pinturas corporais ou na areia etc. - têm sido usadas pelo homem em seus rituais de cura. A explicação para isso é que todas essas atividades possibilitam a decodificação das sensações.
Em uma sessão de Arteterapia, esse ritual se repete. A criação acontece de forma espontânea, sem preocupação com padrões estéticos. Entre os instrumentos utilizados estão pintura, colagem, modelagem, fotografia, tecelagem, expressão corporal, teatro, sons, músicas ou criação de personagens. Os resultados são muitos, rápidos e profundos, pois a arte possibilita a cura por meio da expressão das emoções e da ampliação da percepção do mundo subjetivo (consciência). Observando a própria obra, o paciente tem a oportunidade de comentar o que vê e percebe, além de identificar o que pode ser reformulado em sua vida.
Valéria Gestivo, consultora de Arteterapia do departamento de Saúde Mental da Secretaria da Saúde de Palermo, e integrante do corpo docente da Arte Terapeuti Associati, com sede em Milão (Itália), fala que a arte, em si, representa "um veículo de liberação das angústias e do desconforto. Ela expressa a potencialidade e a realidade humana, mas também é um instrumento para compreender a si mesmo e até resolver algumas dificuldades".
Essas formas de se vivenciar as feridas emocionais permitem vislumbrar novas perspectivas. "A imagem em um pedaço de papel é uma mensagem de você para você mesmo. Como a arte é uma metáfora, ela proporciona a descoberta de possibilidades", afirma Selma Ciornai, psicóloga e psicoterapeuta, supervisora e coordenadora acadêmica do curso de Especialização em Arteterapia do Instituto Sedes Sapientiae, em SP.
Sob orientação

Para usufruir dos benefícios dessa terapia, não basta a prática de alguma atividade criativa. Segundo as especialistas, esse tipo de exercício é sempre relaxante e saudável, mas não significa que funcionará como Arteterapia. "Para que essa atividade cumpra seus fins, ela deve ser praticada sob o olhar cuidadoso de um profissional. É essa presença ativa do terapeuta que facilitará o processo de perceber e lidar com os próprios problemas e recursos", diz Selma.
"A proposta é trabalhar com o indivíduo de forma holística. Por isso, o que se espera dos terapeutas é que eles sejam hábeis na comunicação das palavras e das imagens", acrescenta Valéria. "No final do tratamento, o paciente deve ser capaz de ver as coisas belas que produziu como algo vindo do 'seu eu profundo', nascido dele, e com o qual poderá abrir sua própria janela para o mundo", completa.
 
E não se trata, apenas, da necessidade de uma orientação técnica que guie o paciente na reflexão sobre os problemas e na busca da superação das dificuldades. Para Selma, "a arte é a linguagem da alma, por excelência. Porém, o que existe de mais terapêutico é a presença amorosa do outro, que ajuda a identificar as áreas complexas que dificultam o caminhar. O poder da relação é que é extremamente curador - porque, na companhia do outro, é mais fácil transcender a dor".
Para o corpo e a alma
Indicada para pessoas de todas as idades, esse tipo de terapia não possui contraindicações. As sessões têm duração variável (1, 2, ou até 4 horas) e podem ser eficazes no trabalho individual, entre casais, famílias ou em grupo. Útil para combater os males psicológicos e psiquiátricos, ela é, também, coadjuvante do tratamento de disfunções cerebrais. Escolas, centros de reabilitação e de idosos, hospitais e institutos correcionais são alguns dos exemplos onde a Arteterapia pode ser aplicada com sucesso.
Em São Paulo, a Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) mantém um ateliê de arte-reabilitação, coordenado pela Arteterapeuta Ana Alice Francisquetti. A união entre arte e reabilitação tem como objetivo promover a melhora da saúde de portadores de paralisia cerebral, acidente vascular cerebral (AVC), traumatismo cranioencefálico etc. Para esse grupo, a Arteterapia é a porta de entrada para o convívio familiar e social, o desenvolvimento motor, psíquico, emocional e cognitivo, auxiliando na reorganização funcional do cérebro.

E não é só. Um recente estudo realizado pela psiquiatra Hanne Stubbe Teglbaerg, da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Aarhus (Dinamarca), confirmou que a Arteterapia reduz a ansiedade e eleva a capacidade da pessoa de resolver problemas. Entretanto, o maior benefício para os praticantes é o fortalecimento do ego. Segundo a pesquisa, o envolvimento pessoal no processo artístico e suas reflexões estéticas estimulam o aprimoramento das competências sociais, permitindo o relacionamento com outras pessoas. Esses resultados garantiram notável melhora na qualidade de vida de pessoas com esquizofrenia que participaram do estudo.
Criatividade e inconsciente
Como as artes plásticas são a base da Arteterapia, algumas pessoas podem se sentir inaptas. Mas as especialistas lembram que é natural cada um ter suas preferências e, felizmente, há várias opções para escolher: música, dança, escrita criativa etc.. "Seja lá qual for a preferência, o que importa é que o processo criativo é terapêutico.
Ele representa a possibilidade de desafiar o velho, permitindo a crença de que criar algo novo, na vida, é possível. E a arte é esse objeto intermediário", fala Selma Ciornai.
E mesmo que alguém esteja impossibilitado de desenhar ou pintar, a observação das obras de arte também pode ser estimulante. "A arte tem poder. E ela pode mover as pessoas de várias formas, desde que aconteça uma conexão de ordem pessoal", diz Neil Springham, chefe do departamento de Arteterapia do Serviço Nacional de Saúde (SNH) da Grã-Bretanha.

Fonte: Revista Viva Saúde

Disponível em:<http://revistavivasaude.uol.com.br/saude-nutricao/82/artigo161064-1.asp%3E.Acesso em: 13 fev. 2012.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.