Na ultima novela de Gloria Perez, Caminho das Índias, exibida pela Rede Globo, a autora nos permite num deslocamento do nosso olhar, nos deparar com questões diversas que nos provocam. Uma delas diz respeito à responsabilidade moral. Vou descrever uma das cenas. Um dos personagens, Tarso, em pleno surto esquizofrênico, tinha uma arma nas mãos e atirou em outra pessoa. A mãe de Tarso, Melissa Cadore assumiu a culpa pelo filho. O desfecho da trama não 'e relevante. A questão surge neste momento: Tarso, portador de esquizofrenia, poderia ser responsabilizado por ter atirado, nesta circunstância específica?
Parece que fica claro que não, pois o personagem, naquele momento, não tinha consciência do ato. Não dispunha livremente da sua vontade, por não poder dispor da sua razão, uma vez que se encontrava preso à autoreferencialidade da loucura. Sabe-se que, para se imputar responsabilidade por um ato a outrem, é necessário examinar se ao praticar tal ato ao agente foi possível optar livremente por sua execução. No caso de Tarso, sabemos que ele não dispunha de tal condição.
Os pais de Tarso, por serem negligentes com o tratamento e não assumirem a doença do filho, poderiam ser responsabilizados moralmente pelo desatino praticado pelo filho em momento de loucura? Parece-me que sim. Uma vez que escolhem ignorar o fato de ser o filho portador de transtorno mental e por isso não lhe providenciam o adequado tratamento. Ao optarem pela ignorância, assumem a responsabilidade pelo ato de insanidade praticado por Tarso. É conveniente sublinhar que os pais de Tarso escolhem pelo não saber e que poderiam, e deveriam, em tese, ter o conhecimento da afecção psíquica que acomete o filho e do tratamento possível. Todavia, se Tarso não tivesse ainda desencadeado a esquizofrenia e o seu ato fosse de todo inesperado, não poderiam ser responsabilizados, pois ignorariam verdadeiramente a predisposição psíquica do mesmo. Nesse caso, a ignorância os eximiria da responsabilidade moral.
Suponhamos, ainda, que os pais de Tarso não tivessem acesso à informação e nem aos meios de procurar obtê-la, e devido a isso não pudessem perceber a doença do filho e tampouco mensurar sua gravidade. Seriam responsáveis, nesse caso, pelos atos insanos praticados por ele? Não, pois não disporiam das condições de saber e, consequentemente, ignorariam realmente, sem opção de escolha.
Leiamos Sánchez Vásquez: "A ignorância das circunstâncias, da natureza ou das consequências dos atos humanos autoriza a eximir um indivíduo da sua responsabilidade pessoal, mas essa isenção estará justificada somente quando, por sua vez, o indivíduo em questão não for responsável pela sua ignorância; ou seja, quando se encontra na impossibilidade subjetiva ou objetiva (por motivos históricos e sociais) de ser consciente de seu ato."
Neste artigo, refletimos sobre o motivo de uma pessoa portadora de transtorno psíquico não ser responsável por seus atos praticados em momento de loucura e descobrimos que falta a ela, nesse momento, a possibilidade de pensar no registro simbólico, pois se encontra emaranhada na autoreferencialidade do imaginário, e devido a isso perde a possibilidade de optar livremente por agir ou não. Sendo coagida internamente à ação é irresponsável, nesse momento, por seu ato. Mas torna-se responsável àquele que sabendo da possibilidade da loucura em tal sujeito a ignora, impedindo-o de tratar-se adequadamente.
Gostaria, para finalizar este artigo, de lembrar que o portador do transtorno mental não se reduz à psicopatologia a qual está sujeito. Ele é pessoa e como pessoa o transtorno mental é uma possibilidade sua. Mas existem outras. Lembremo-nos de Arthur Bispo do Rosário, John Nash, Florbela Espanca, Robert Schuman, entre incontáveis outros, cujo legado de genialidade e beleza os tornam inesquecíveis e a nós todos mais ricos e humanizados por intermédio de suas obras!
Fonte: Revista Psique
Fonte: http://psiquecienciaevida.uol.com.br/ESCV/edicoes/0/Artigo155520-1.asp. Acesso em: 15 jun. 2011
Parece que fica claro que não, pois o personagem, naquele momento, não tinha consciência do ato. Não dispunha livremente da sua vontade, por não poder dispor da sua razão, uma vez que se encontrava preso à autoreferencialidade da loucura. Sabe-se que, para se imputar responsabilidade por um ato a outrem, é necessário examinar se ao praticar tal ato ao agente foi possível optar livremente por sua execução. No caso de Tarso, sabemos que ele não dispunha de tal condição.
Os pais de Tarso, por serem negligentes com o tratamento e não assumirem a doença do filho, poderiam ser responsabilizados moralmente pelo desatino praticado pelo filho em momento de loucura? Parece-me que sim. Uma vez que escolhem ignorar o fato de ser o filho portador de transtorno mental e por isso não lhe providenciam o adequado tratamento. Ao optarem pela ignorância, assumem a responsabilidade pelo ato de insanidade praticado por Tarso. É conveniente sublinhar que os pais de Tarso escolhem pelo não saber e que poderiam, e deveriam, em tese, ter o conhecimento da afecção psíquica que acomete o filho e do tratamento possível. Todavia, se Tarso não tivesse ainda desencadeado a esquizofrenia e o seu ato fosse de todo inesperado, não poderiam ser responsabilizados, pois ignorariam verdadeiramente a predisposição psíquica do mesmo. Nesse caso, a ignorância os eximiria da responsabilidade moral.
Suponhamos, ainda, que os pais de Tarso não tivessem acesso à informação e nem aos meios de procurar obtê-la, e devido a isso não pudessem perceber a doença do filho e tampouco mensurar sua gravidade. Seriam responsáveis, nesse caso, pelos atos insanos praticados por ele? Não, pois não disporiam das condições de saber e, consequentemente, ignorariam realmente, sem opção de escolha.
Leiamos Sánchez Vásquez: "A ignorância das circunstâncias, da natureza ou das consequências dos atos humanos autoriza a eximir um indivíduo da sua responsabilidade pessoal, mas essa isenção estará justificada somente quando, por sua vez, o indivíduo em questão não for responsável pela sua ignorância; ou seja, quando se encontra na impossibilidade subjetiva ou objetiva (por motivos históricos e sociais) de ser consciente de seu ato."
Neste artigo, refletimos sobre o motivo de uma pessoa portadora de transtorno psíquico não ser responsável por seus atos praticados em momento de loucura e descobrimos que falta a ela, nesse momento, a possibilidade de pensar no registro simbólico, pois se encontra emaranhada na autoreferencialidade do imaginário, e devido a isso perde a possibilidade de optar livremente por agir ou não. Sendo coagida internamente à ação é irresponsável, nesse momento, por seu ato. Mas torna-se responsável àquele que sabendo da possibilidade da loucura em tal sujeito a ignora, impedindo-o de tratar-se adequadamente.
Gostaria, para finalizar este artigo, de lembrar que o portador do transtorno mental não se reduz à psicopatologia a qual está sujeito. Ele é pessoa e como pessoa o transtorno mental é uma possibilidade sua. Mas existem outras. Lembremo-nos de Arthur Bispo do Rosário, John Nash, Florbela Espanca, Robert Schuman, entre incontáveis outros, cujo legado de genialidade e beleza os tornam inesquecíveis e a nós todos mais ricos e humanizados por intermédio de suas obras!
Fonte: Revista Psique
Fonte: http://psiquecienciaevida.uol.com.br/ESCV/edicoes/0/Artigo155520-1.asp. Acesso em: 15 jun. 2011
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