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terça-feira, 5 de novembro de 2013

Sob o efeito de alucinógenos

Pesquisadores acreditam que as semelhanças entre os sintomas relatados por usuários de LSD e por pessoas com psicose aguda apontam para algo em comum: a serotonina

Christof Koch
 
Em 1954, no texto As portas da percepção, o escritor Aldous Huxley descreveu suas experiências com a mescalina, uma substância psicoativa derivada do cacto peiote e tradicionalmente usada pelos índios americanos para fins religiosos. As experiências de Huxley incluíram mudanças profundas no campo visual, cores que induziam à percepção de sons, distorção do entendimento a respeito do tempo e espaço, sensações de despersonalização e também sentimentos de união com todo o universo, bem como de paz e felicidade – estados mais frequentemente associados às vivências. “Um grupo de red hot pokers (planta africana), em pleno florescimento, tinha explodido em meu campo de visão. As flores esticadas para cima, em direção ao céu azul, pareciam desabrochar tão apaixonadamente à beira da enunciação... Eu olhei para as folhas e descobri uma delicada complexidade cavernosa com sombras e luzes verdes, pulsando com mistério indecifrável”, escreve. Essas percepções não estão fundamentadas em maior atividade cerebral, como poderíamos imaginar num primeiro momento: mas acontecem justamente quando há redução dessa atividade, segundo experimento recente.

Mescalina, psilocibina (composto psicoativo natural produzido por cogumelos “mágicos”) e ácido lisérgico dietilamida (LSD ou, simplesmente, ácido), uma droga sintética com poderosos efeitos psicodélicos, tornaram-se muito populares na década de 60 com o movimento contracultura. Vários pesquisadores acreditam que as semelhanças entre os sintomas relatados por usuários de LSD e pessoas com psicose aguda apontam para algo em comum: a serotonina, um composto químico de sinalização ou neurotransmissor liberado por certos grupos de neurônios no tronco cerebral. A substância ajudaria a mediar os dois tipos de experiência. De fato, agora, os cientistas acreditam que os efeitos subjetivos e comportamentais característicos de drogas com efeitos psicodélicos são disparados pela estimulação dos receptores de serotonina 2A (conhecida como 5-HT2A) em neurônios corticais.

Todos esses alucinógenos tornaram-se drogas controladas no final dos anos 60 e início dos 70 devido a diversas questões médicas, políticas e culturais. O uso passou a ser clandestino. Pesquisas sobre seus efeitos psicológicos, fisiológicos e neuronais foram praticamente cessadas. No entanto, com a compreensão dos possíveis benefícios terapêuticos das drogas psicodélicas, como redução da ansiedade e da dor crônica, alguns tabus sociais contra a pesquisa científica neurobiológica têm sido superados. Vários estudos europeus bem controlados têm cuidadosamente explorado a ação de alucinógenos no cérebro de voluntários.
Experimentos com exames de neuroimagem com tomografia por emissão de pósitrons (PET), feitos desde o fim do século passado, demonstraram ativação no lobo frontal de voluntários que tomaram alucinógenos, em particular no córtex pré-frontal, córtex cingulado anterior e córtex da ínsula.

Os resultados se mostraram alinhados com a expectativa de que a intensificação das experiências comuns e a expansão de aspectos da consciência seriam amplamente associadas com psicodélicos e se refletiriam em maior atividade cerebral do que o normal. Agora, um estudo feito pelo psicofarmacologista David Nutt, do Imperial College de Londres, e seus colegas derruba completamente esse ponto de vista.

MENSAGENS FRAGMENTADAS
Os cientistas britânicos trabalharam com um grupo de 30 voluntários: injetaram nas veias de alguns uma inofensiva mistura de água salgada (placebo) e, em outros, 2 miligramas de psilocibina enquanto os participantes permaneciam deitados dentro de um escâner magnético. Como esperado, por um breve período as pessoas experimentaram os efeitos da droga. Durante essa curta “viagem”, o cérebro delas foi escaneado com duas diferentes técnicas de ressonância magnética funcional. Ambos os grupos apresentaram resultados consistentes e muito surpreendentes.

O mais curioso é que a atividade cerebral das pessoas foi amplamente reduzida. Ou seja: as drogas que alteram a consciência dimi-nuí-ram a atividade hemodinâmica, incluindo o fluxo de sangue, em regiões específicas, como o tálamo, o córtex pré-frontal medial, o córtex cingulado anterior e posterior. A atividade cerebral diminuiu em até 20% nessas regiões em comparação ao momento anterior da aplicação da injeção. Ainda mais impressionante, quanto mais profunda foi a redução da atividade no córtex cingulado anterior e córtex pré-frontal medial, mais fortemente o voluntário sentiu os efeitos do alucinógeno. A atividade cerebral não mostrou aumento em nenhuma região. Além disso, a comunicação entre o córtex pré-frontal e regiões corticais na parte posterior do cérebro também foi interrompida. A redução da atividade hemodinâmica em áreas específicas do cérebro é inédita. Obviamente que a atividade cerebral não foi completamente desligada – o que levaria a danos permanentes e morte cerebral em poucos minutos.

A atividade hemodinâmica está intimamente ligada à atividade neuronal, conforme registrado pelo escâner de ressonância magnética. No estudo conduzido por Nutt, o padrão de leitura de dados da RMf demonstrou que expandir a mente com uso de cogumelos mágicos rebaixa muitos circuitos cerebrais em vez de ativá-los. O córtex cingulado anterior e regiões do córtex pré-frontal inibem o sistema límbico e outras estruturas. 
Assim, a regulação negativa ou a redução da resposta poderia permitir que o sistema límbico (responsável pelo processamento de emoção) e talvez o córtex sensorial desempenhassem um papel relativamente mais dominante. A atividade hemodinâmica ou neuronal aprimorada, por si só, não dá lugar à percepção e ao pensamento. Afinal, crises epiléticas são descargas hipersincronizadas que afetam o córtex em uma atividade rítmica maciça e deixam o paciente inconsciente. O padrão de picos em populações heterogêneas de neurônios transmite informações específicas: as mensagens representadas na consciência.

Até agora, porém, tudo isso é pura especulação. Os detalhados mecanismos biofísicos e os efeitos da psilocibina em diferentes neurônios ainda precisam ser melhor investigados. Qualquer descoberta tem necessidade de ser replicada por outros grupos antes de se tornar parte do conhecimento. Além disso, a discrepância em relação às experiências anteriores de PET deve ser explicada. As duas principais diferenças são o modo de tomar o medicamento (por via intravenosa e oralmente) e o tempo de medição (imediatamente e uma hora mais tarde).

O intrigante é que as regiões que apresentam maior redução da atividade cerebral são as mais fortemente interligadas. Essas regiões funcionam como círculos de tráfego ou pontos centrais que ligam regiões díspares. Assim, o cérebro sob o efeito da psilocibina se torna mais desconectado, mais fragmentado, o que pode explicar alguns dos aspectos dissociativos de “viagens” com o uso de ácido. No entanto, a explicação dos efeitos da expansão da mente (motivo principal da valorização desse tipo de droga) é totalmente obscura. O estudo sublinha mais uma vez como nosso conhecimento sobre a engrenagem cerebral permanece escasso e impreciso.
 
Fonte: Scientific American Mente e Cérebro
 

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