Os autores do experimento ainda precisam investigar se o efeito é benéfico ou maléfico, mas acreditam que a descoberta vai ajudar no combate a doenças psiquiátricas
Ao envelhecer, o corpo humano tem os mecanismos de defesa enfraquecidos, facilitando o surgimento de doenças e distúrbios. Uma dúvida que intriga cientistas é se seria possível, ao resgatar o estado jovem do organismo, corrigir ou retardar essas complicações. Um experimento desenvolvido por pesquisadores do Japão com ratos indica que sim. O sucesso dos testes é resultado dos efeitos da fluoxetina. Princípio ativo de antidepressivos, a substância foi capaz de reativar o lado juvenil do cérebro dos animais. A primeira aplicação clínica cogitada pelos cientistas é o desenvolvimento de medicamentos que recuperem o humor de pessoas depressivas. “A imaturidade de neurônios no cérebro adulto não tinha sido descoberta. O nosso grupo pode ter sido o primeiro a encontrar tais fenômenos marcantes”, comemora Koji Ohira, professor da Universidade de Saúde de Fujita e um dos autores do trabalho.
No experimento, foi aplicada a fluoxetina em ratos de laboratório e observado como ela agia no cérebro das cobaias. Os animais mostraram uma expressão reduzida de parvalbumina e redes perineuronais — marcadores moleculares que indicam a maturação em neurônios maduros em adultos e o aumento da expressão de um marcador imaturo, que normalmente aparece no desenvolvimento de cérebros juvenis, no córtex pré-frontal, definido por eles como estado juvenil induzido, ou Iyouth. “Notamos o estado juvenil induzido em uma proporção substancial de neurônios no córtex. Embora não tenhamos nenhuma evidência direta do efeito de Iyouth para doenças psiquiátrica, como depressão e ansiedade, o seu efeito em transtornos psiquiátricos pode ser maior do que a nossa imaginação”, explica o pesquisador.
Segundo Ohira, ainda não é possível dizer ser o efeito rejuvenescedor provocado pela fluoxetina trará malefícios para o corpo humano. “Alguns aspectos de Iyouth podem desempenhar papéis em certos efeitos colaterais, como agressão, violência e psicose. Temos de investigar questões como os mecanismos celulares e moleculares subjacentes e as diferenças deles em relação à juventude atual e a induzida”, complementa. O pesquisador também acredita que mais estudos poderão ajudar a entender como o remédio age na mente humana, recuperando, por exemplo, o humor de pessoas com depressão. “Estamos confiantes de que esses estudos evoluirão e contribuirão para o prevenção e o tratamento de várias desordens neuropsiquiátricas”, aposta.
Cuidado ao ingerir
Na opinião de Patrícia Medeiros de Sousa, professora de farmacologia da Universidade de Brasília (UnB), a pesquisa foca na ação de uma substância que tem sido consumida em excesso. Além de antidepressiva, a fluoxetina é usada, por exemplo, por pessoas que querem emagrecer, em razão da capacidade de inibir o apetite; e em tratamentos contra a fibromialgia, síndrome caracterizada pela dor crônica e generalizada. “Cada vez mais, as ações dessa substância são exploradas na área médica, o que requer muito cuidado e atenção pois, se for ingerida em grandes quantidades, ela pode acarretar problemas sérios de saúde”, alerta. “Entender a fundo como essa substância age, como relatado no estudo, é de extrema importância para que possamos saber em que tratamentos e com que dosagens corretas ela pode ser estabelecida.”
Professor do Centro de Neuropsiquiatria da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), João Ricardo Oliveira acredita que o estudo japonês mostra um lado novo da ação da fluoxetina, mas que a exploração dessa propriedade ainda precisa ser muito avaliada. Outros estudos seguem nesse sentido, usando a substância como auxiliar no tratamento de outras doenças. “Acredito que há pontos positivos e negativos. Descobrir esse efeito de rejuvenescimento pode auxiliar na criação de remédios para o tratamento do Alzheimer, por exemplo. Nesse caso, ela animaria os pacientes que ficam abatidos ao decorrer dos efeitos da doença. Porém, precisamos ter cuidado para que as pessoas não achem que é possível usar o remédio de forma indiscriminada”, pondera.
Oliveira também ressalta que a realização de mais estudos sobre a ação desse medicamento poderá ajudar a explicar quais reações colaterais podem ser geradas com a exploração desse novo efeito provocado pela fluoxetina e a decidir se a indução ao estado de juventude cerebral é benéfica. “Testes clínicos iniciais feitos com cobaias animais são bastante interessantes e nos ajudam a entender como o corpo reage, mas precisamos de exames com humanos. Neles, com o uso de eletroencefalogramas, por exemplo, poderemos ver se esse efeito também acontece na nossa espécie e se devemos ter cuidado ao ingerir essa substância”, destaca.
Lançamento revolucionário
A fluoxetina foi sintetizada e comercializada primeiramente pela companhia farmacêutica Eli Lilly com o nome Prozac. A patente do remédio que revolucionou o tratamento contra a depressão expirou em 2001, permitindo a produção por outros laboratórios. Quando lançada, a substância chamou a atenção por reduzir os efeitos colaterais provocados por antidepressivos antigos, como a queda da pressão arterial, o ganho de peso e a tontura. Ela aumenta o nível de serotonina — um dos neurotransmissores do cérebro que atuam na comunicação dos neurônios. Com a comunicação entre as células nervosas cerebrais facilitada, os efeitos da depressão são aliviados.
Fonte: Associação Brasielira de Psiquiatria - ABP
Disponível em: <http://www.abp.org.br/portal/
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