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segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Filhos de BACO: para compreender o sofrimento dos filhos de alcoólatras, a pesquisadora Eliana Mendonça Vilar evitou o enfoque patológico do modelo biomédico e defende que esses jovens não seriam fatalmente deficitários, como sugere a literatura

Fotos: Amadeu Soares
Interessada em investigar como os filhos de alcoólatras encaram a dependência dos pais, a psicóloga Eliana Mendonça Vilar defendeu a tese de doutorado Filhos de Baco: adolescência e sofrimento psíquico associado ao alcoolismo paterno.

O estudo faz parte do programa de pósgraduação em Psicologia Clínica da Universidade de Brasília (UnB). Segundo Eliana, as famílias de alcoólatras são disfuncionais porque perdem, ao menos de forma provisória, a capacidade de resolução de seus conflitos. São como uma grande dinastia que se organiza em torno da doença alcoolismo - já considerada uma pandemia mundial, associada a um grande desequilíbrio social e familiar do mundo contemporâneo.
De acordo com a especialista, essa doença não é apenas transmissível do ponto de vista genético, mas também está relacionada ao padrão patológico de funcionamento da família, que passa a viver em um clima de grande instabilidade e insegurança, ameaçado constantemente pelo ciclo embriaguez e sobriedade. Tal clima de tensão favorece o aparecimento de múltiplas formas de violência. Nesta entrevista à revista Psique, Eliana afirma ter notado, depois de trabalhar com grupos de ajuda a alcoólatras por 15 anos, que os adolescentes se sentem culpados pela condição dos pais e têm dificuldades de crescer e se tornar adultos independentes - motivo pelo qual eles costumariam repetir o comportamento paterno: enquanto os meninos abusam de substâncias, as meninas acabam se envolvendo com alcoólatras na fase adulta.
Esses jovens precisariam de pelo menos um interlocutor saudável para discutir a sua condição, já que eles também têm de lidar com outros problemas, como a pobreza, a violência urbana e os abusos sexuais. Para compreender o sofrimento dos filhos de alcoólatras, a pesquisadora evitou o enfoque patológico do modelo biomédico. Ela defende que esses jovens não seriam fatalmente deficitários, como sugere a literatura. Pelo contrário, eles possuem criatividade para crescer com as adversidades.
Leia os principais trechos da entrevista a seguir:
Fotos: Amadeu Soares
Filhos de alcoolistas não devem, necessariamente, ser encarados como futuros alcoolistas, já que este enfoque evidencia uma ideologia médica determinista...
Eliana Vilar
- Infelizmente, a literatura médica sofre influência do modelo biológico. As doenças acabam sendo reduzidas a sinais e sintomas. Nesse modelo, filhos de alcoolistas são encarados como pessoas deficitárias e com sintomas psicológicos e psiquiátricos graves que se manifestam na escola, na sociedade e na família. São considerados mais vulneráveis ao fracasso escolar, à gravidez na adolescência e à delinquência. O foco na doença, e não nas pessoas, acaba gerando uma "patologização" dessa dinâmica imatura. Esquecemos de observar as pessoas e passamos a desacreditar nas mudanças e no potencial de superação, principalmente dos jovens. Na verdade, a Psicologia, ainda infelizmente, está mais centrada na patologia do que na saúde. Temos um vocabulário científico enorme para falar de doença e nem tão grande para abordar a saúde. Em minha atuação clínica, encaro essas famílias como grandes parceiras. Geralmente, as mais doentes são as que ensinam mais. O foco na saúde é estratégico e necessário, até porque, sempre aposto no grande potencial criativo do ser humano.

Esses filhos preservam a capacidade de gerir e lidar com desafios da adolescência?
Eliana - Sem dúvida, muitos adolescentes filhos de alcoolistas conseguem manter uma visão positiva de si mesmos, do mundo e do futuro. Conseguem ter uma elaboração crítica. O fato de não culparem o pai está ligado à capacidade de compreensão do caráter patológico do alcoolismo e de seus sintomas graves e progressivos. Um psiquismo mais saudável lhe permite buscar boas referências com outro adulto na família ou na escola. A manutenção de boas relações preserva o sentimento de autoestima e diríamos que muitos acabam por se mostrar bastante maduros, sensíveis e desenvolvidos. Chamamos esses adolescentes de resilientes, porque se tornam pessoas melhores diante das grandes adversidades. Resílio é um conceito da física e significa voltar à forma original. Esses adolescentes conseguem realizar de forma plena todo um potencial.

Você sugere que o sofrimento pode ser útil em termos existenciais e psicológicos, que esses adolescentes possuem uma imensa resiliência. Era isso que você buscava em sua pesquisa?
Eliana - O meu interesse central era compreender os mecanismos e as estratégias saudáveis presentes nesse grupo de adolescentes. A literatura sobre o tema é controversa, ora associa resiliência com algumas características e traços individuais, ora associa resiliência com ambientes e contextos saudáveis. Na verdade, acredito que tanto a inteligência quanto a criatividade de alguns adolescentes, além de algum aspecto da realidade, se unam e integrem, o que possibilita uma resposta mais efetiva e saudável ao sofrimento. O sofrimento pode e deve ser considerado como um valor e uma oportunidade de crescimento. Nesse caso, não precisa ser mascarado e negado. Nossa sociedade acaba por gerar inúmeros mecanismos de medicalização do sofrimento, o que impede o crescimento das pessoas. Não existe poesia sem dor. Temos saúde quando conseguimos integrar em nossa personalidade aspectos negativos da vida. Como diz Viktor Frankl, aprendemos a sofrer além de, é claro, aprendermos a amar e a criar.
 
Fonte: Revista Psique
Leia entrevista na íntegra: http://psiquecienciaevida.uol.com.br/ESPS/Edicoes/69/artigo235478-1.asp

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