Medicamentos de tarja preta que têm como substância ativa o cloridrato de metilfenidato, estimulante do sistema nervoso central, estão sendo consumidos por estudantes de concursos, conforme relatos de concurseiros e ex-concurseiros ouvidos pelo G1.
O objetivo é contar com a ajuda da substância para passar muitas horas diárias concentrados na preparação para provas. Na medicina, a droga é usada para reduzir impulsividade e hiperatividade de pessoas com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), especialmente crianças.
O tema do uso de medicamentos para suportar a pressão da concorrência e estudar por muitas horas é velado entre os candidatos.
Concurseiros e ex-concurseiros de São Paulo, Brasília e Salvador afirmam, sob a condição de não serem identificados na reportagem, que o uso de remédios com esse princípio ativo é comum entre os colegas que estudam em cursinhos preparatórios para concursos. Na opinião de médicos, no entanto, a substância não resulta em um aumento da concentração e dá uma falsa sensação de aproveitamento do tempo de estudo.
Um funcionário público do Distrito Federal ouvido pela reportagem admite ter usado o remédio Ritalina, fabricado pelo laboratório Novartis, que contém o metilfenidato.
Ele afirma que decidiu tomar o medicamento após uma amiga contar que usava a substância para controlar a hiperatividade e se concentrar melhor no que estava fazendo. Um colega do cursinho também havia dito que conseguia passar mais horas estudando graças ao remédio. Mas sua própria experiência, segundo ele, foi negativa.
Um funcionário público do Distrito Federal ouvido pela reportagem admite ter usado o remédio Ritalina, fabricado pelo laboratório Novartis, que contém o metilfenidato.
Ele afirma que decidiu tomar o medicamento após uma amiga contar que usava a substância para controlar a hiperatividade e se concentrar melhor no que estava fazendo. Um colega do cursinho também havia dito que conseguia passar mais horas estudando graças ao remédio. Mas sua própria experiência, segundo ele, foi negativa.
“Eu queria estudar para concurso também, e o médico me falou que eu era hiperativo e receitou o medicamento para eu experimentar”, relembra. “Particularmente não gostei. O resultado não foi bom, a concentração não melhorou, fiquei mais agitado, me deu falta de ar”, conta.
O servidor passou em um concurso público há 3 anos, mas sem a ajuda da Ritalina, que ele parou de tomar depois de apenas duas semanas. Ele afirma ter parentes com síndrome do pânico e já ter presenciado experiências com falta de ar e, por isso, não quis passar pela mesma situação. “Eu já estava estudando para concurso e não aconteceu nada, não senti diferença, só ficava um pouco mais agitado e mais acelerado. Cada um tem sua escolha, não recrimino. Para muitas pessoas, controla mesmo [a hiperatividade], mas para mim não foi legal.”
Uso é comum entre candidatos
Uma advogada de São Paulo, de 30 anos, relata que seu psiquiatra ofereceu a receita de Ritalina, mas que ela recusou porque já tratava outra doença e não queria misturar os remédios. Entre 2007 e 2009, ela passou por quatro cursinhos na capital paulista e afirma que, em todos, é comum ver candidatos que não resistiram à tentação de usar o atalho do anfetamínico para não se distrair.
“Você passa dez horas por dia de segunda a sábado lá. São cinco horas de aula e seis horas em casa. Eu tinha aula de manhã, ia para casa, almoçava, saía para fazer exercício, voltava, dormia e às 16h30 ia para o cursinho estudar de novo”, conta ela, que acabou passando em um concurso em outra cidade e, depois, decidiu trabalhar no setor privado.
Segundo a advogada, a enorme concorrência, os altos salários, a estabilidade laboral e as provas massacrantes mexem com os candidatos. “São 100 questões com cinco alternativas e 20 linhas em cada uma, é uma página por questão, vocês precisa de alguma coisa pra te fazer aguentar. Não se fala disso entre amigos, o professor entra na sala, dá a aula e sai. As pessoas não falam sobre isso abertamente, mas é normal, é muito comum”, afirma.
Quem convive muito tempo nesta situação consegue perceber quando alguém tem o comportamento alterado pelo uso de estimulantes. “Por mais que você esteja acostumado a estudar e tenha a disciplina, em um dia você rende bem, mas é estranho render bem todos os dias. Você cansa, troca a caneta de mão, vai ao banheiro. O remédio te dá a força para ficar sentado sem se cansar durante quatro horas seguidas”, diz.
Comércio ilegal – A tentação acaba fazendo com que as pessoas sem acesso a psiquiatras recorram ao comércio ilegal de medicamentos. De acordo com o Departamento de Polícia de Proteção à Cidadania do governo estadual paulista, neste ano, a Ritalina apareceu, pela primeira vez, entre os remédios apreendidos nas operações policiais.
Segundo Paulo Alberto Mendes Pereira, delegado-assistente da 2ª Delegacia de Saúde Pública da capital, uma operação de 5 meses, que monitorou conversas telefônicas e emails, culminou, em maio passado, com a prisão de 7 pessoas acusadas de vender medicamentos com comércio proibido ou controlado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
“Nós identificamos pessoas que compraram o medicamento de forma clandestina e já ouvimos alguns que disseram que era para o filho. Mas recebemos essa informação com reserva, porque a pessoa que vai comprar um produto controlado, para o filho, faz isso de maneira legal, com receituário”, diz o policial.
Comprar um medicamento que exige receita de forma clandestina pode configurar porte de entorpecente para uso próprio, alerta Pereira.
Rendimento intelectual reduzido
De uso controlado, as substâncias causam dependência e não podem ser utilizadas sem orientação médica. Os efeitos colaterais são graves, segundo Silveira, e incluem crise de pânico, de ansiedade, depressão e até sintomas psicóticos. “O candidato pode ficar paranoico, ouvir vozes e passar a interpretar a realidade de forma errônea. Alguns não conseguem mais dormir.” Estimulantes e anfetaminas são indicados para pacientes com problemas neurológicos, como narcolepsia (sono incontrolável durante o dia), casos de perda de capacidade de concentração ou obesidade mórbida.
Médicos ouvidos pelo G1 garantem que, apesar de as substâncias estimulantes afastarem o sono, o rendimento intelectual é reduzido e a retenção de informação de quem as utiliza também fica prejudicada. “A pessoa fica sem sono para poder estudar mais, por mais tempo. Mas, apesar de ficar acordada, o rendimento intelectual não é o adequado”, diz o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, coordenador do Programa de Orientação e Atendimento ao Dependente (Proad) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “O remédio prejudica a concentração, a memória e sua capacidade de reter informação vão ficar diminuídas.” Segundo ele, há mais de 20 fórmulas, manipuladas ou não, disponíveis no mercado.
Ronaldo Laranjeira, professor de psiquiatria da Unifesp, afirma que o mecanismo de ação das anfetaminas é parecido com o da cocaína, com efeito estimulante intenso. “Na hora que usa, a pessoa se sente mais ativa, mais alerta, mas nem sempre significa concentração melhor. A performance não melhora.” A consequência do uso contínuo das anfetaminas, segundo Laranjeira, é o que os médicos chamam de “efeito rebote”, que, além da dependência, provoca depressão.
Efeitos colaterais
Segundo relatório da Anvisa, o metilfenidato pode apresentar como efeitos colaterais a redução de apetite, insônia, dor abdominal e cefaleia. Em nota, a Novartis esclarece que “o medicamento metilfenidato – comercializado pela Novartis com o nome comercial de Ritalina – somente deve ser utilizado conforme as indicações em bula, devidamente aprovadas pelas autoridades sanitárias, e mediante a prescrição de um médico.
A empresa repudia veementemente o uso indevido do medicamento que, no Brasil, só pode ser vendido mediante a apresentação e retenção de receita do tipo A (amarelo), que é a mais restritiva entre todas, sendo, inclusive, monitorada pela Polícia Federal. O metilfenidato é a terapia mais estudada do mundo para o tratamento do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e tem eficácia comprovada em mais de 200 estudos científicos publicados”.
O TDAH é reconhecido majoritariamente em crianças, principalmente por causa do desempenho escolar. A doença não é diagnosticada por meio de exames clínicos, e sim pela observação do comportamento das pessoas, o que faz com que parte da classe médica afirme que ela não exista de fato.
O remédio, no entanto, vem sendo cada vez mais usado por adultos em situações estressantes. Entre 2000 e 2009, o Brasil saltou para a segunda posição no ranking mundial de consumo da substância, atrás apenas dos Estdos Unidos. Nesse período, a venda de caixas subiu de 70 mil para dois milhões.
Segundo a Anvisa, o metilfenidato é um medicamento de uso controlado, e as drogarias precisam registrar no sistema a venda de cada caixa. Ainda de acordo com a Anvisa, em 2009, o Brasil consumiu quase 175 quilos do cloridato de metilfenidato, usado na fabricação da Ritalina, pelo laboratório Novartis, e do Concerta, pelo laboratório Janssen Cilag. Entre 2002 e 2006, a produção da substância no Brasil cresceu 465%.
A agência monitora sites com venda ilegal de produtos controlados e propaganda enganosa, mas a assessoria de imprensa da Anvisa afirma que a agência não mantém estatísticas específicas sobre o mercado irregular de uma substância específica. Os concurseiros afirmam que é comum a compra do medicamento pela internet.
Fonte: Jornal Tribuna da Bahia
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