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segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Desvendando os mistérios da esclerose múltipla

A esclerose múltipla atinge o cérebro e a medula espinhal, causando problemas motores, sensoriais e cognitivos. A patologia afeta cerca de 2,5 milhões de pessoas em todo o mundo, das quais metade estará inválida entre 10 e 15 anos após o diagnóstico. De fato, o distúrbio é uma das principais causas de incapacidade, não traumática, em adultos jovens e atinge pessoas entre 15 e 50 anos em média – geralmente a reação inflamatória é identificada por volta dos 30.
Apesar do prognóstico sombrio da doença, uma enxurrada de novos tratamentos tem trazido esperança de qualidade de vida para pacientes que sofrem com o problema. Com base na regulação de respostas imunológicas prejudiciais, essas terapias ajudam a reduzir frequência e gravidade dos sintomas e podem retardar a progressão dos sintomas. Durante os últimos 20 anos, o órgão governamental americano Administração de Drogas e Alimentos (FDA, na sigla em inglês) aprovou nove novos medicamentos e outros dois serão revisados nos próximos meses. A causa ainda é desconhecida. Conforme as pesquisas avançam muitos cientistas tentam entender o que provoca a degeneração progressiva dos neurônios. O objetivo é desenvolver tratamentos para interromper completamente o distúrbio ou até mesmo preveni-lo.
Ao longo dos anos, a causa da esclerose múltipla foi atribuída a diversos fatores, como dieta, infecções, toxinas e até mesmo a memórias reprimidas. Com base nessas teorias, muitos pacientes foram submetidos a numerosos tratamentos, muitos potencialmente prejudiciais. Há relatos de pessoas que tomaram injeção de leite, foram expostas a radiação, colocadas em caixas quentes e infectadas propositalmente com malária. Em 1936, o neurologista americano Richard Brickner publicou uma lista de 29 páginas com 158 diferentes tipos de terapias utilizadas na época para tratar o problema.
Avanços no campo da imunologia no início de 1900 valorizaram o papel do sistema imunológico. Em 1933, pesquisadores produziram um distúrbio do tipo da esclerose múltipla em macacos resos chamado encefalomielite autoimune experimental: injetaram nos animais extrato de cérebro de coelho, o que provocou alterações no sistema imunológico dos símios, desencadeando reações contra o próprio sistema nervoso. Os pesquisadores descobriram que os alvos de ataque foram proteínas da mielina, uma substância repleta de gordura que envolve as longas mechas de neurônios chamadas axônios. A mielina alimenta as células e permite que conduzam os impulsos de forma eficiente. Com base no experimento com macacos, a descoberta reforçou a teoria de que a esclerose múltipla seja essencialmente um distúrbio autoimune. Além disso, ajudou cientistas a compreender melhor a patologia e desenvolver novos tratamentos.

Atualmente, a maioria dos cientistas acredita que as células brancas do sangue atacam as proteínas da mielina. O problema se inicia quando pessoas suscetíveis são expostas a vírus, bactéria ou outro aspecto ambiental que apresente proteínas semelhantes às da mielina. A exposição estimula a produção de células imunitárias que “confundem” a mielina com uma proteína desconhecida. De acordo com o padrão autoimune da esclerose múltipla, inicialmente os danos causados interrompem a transmissão de impulsos nervosos e, em seguida, destroem os próprios nervos. Apesar de décadas de pesquisa, no entanto, os cientistas ainda não descobriram seu desencadeador.
A esclerose múltipla atinge o sistema nervoso central, ou seja, o cérebro, a medula espinhal e os nervos ópticos. As inflamações tendem a mudar de lugar; somem de uma área para então reaparecer em outra após semanas, meses ou até mesmo anos. O paciente pode experimentar diversos sintomas em diferentes regiões do corpo, como dormência, formigamento, sensações de picada de agulha, dores, fraqueza muscular, tremores, além de distúrbios cognitivos, psicológicos e emocionais, em momentos distintos. Uma paralisia facial pode surgir logo após o fim de fraquezas nas pernas, por exemplo. O aumento e a diminuição de sintomas caracterizam a forma mais comum do distúrbio, chamada pelos cientistas de esclerose múltipla recorrente-remitente. Depois da primeira crise, a pessoa pode passar meses e até mesmo anos em remissão antes da recaída.

Quase todos os tratamentos atuais têm como objetivo reverter o ataque do sistema imunológico. Na década de 60, pacientes tomavam o hormônio adrenocorticotrófico, que estimula as glândulas adrenais a produzir cortisol, um poderoso supressor imunológico. Corticosteroides sintéticos, como metilprednisolona, ainda são utilizados em caso de surtos, mas, devido aos graves efeitos colaterais, como diabetes, osteoporose, maior risco de infecção ou eclosão de psicose, o uso das substâncias não pode ser prescrito por longo prazo.
Compreender melhor o papel do sistema imunológico ajudou os cientistas a desenvolver tratamentos mais refinados. Fármacos recentes podem direcionar aspectos específicos do ataque imunológico, o que resulta em menos efeitos colaterais do que os de corticosteroides, tornando possível sua administração de forma contínua, e não apenas quando os sintomas pioram. O ajuste é importante porque agora sabemos que apenas cerca de uma em cada dez crises inflamatórias provoca sintomas. Esses ataques silenciosos, porém, podem causar danos progressivos. Estudos realizados nos últimos anos mostram que o tratamento contínuo não só reduz frequência e severidade das recaídas como também parece retardar prejuízos que levam à invalidez.

Além de atenuar os sintomas da esclerose múltipla, alguns dos tratamentos mais recentes agem em classes de células do sistema imunológico relacionadas ao distúrbio. Outros medicamentos agem de maneira mais sutil. Reações imunológicas decorrentes da patologia provocam, por exemplo, alterações na barreira hematoencefálica, uma rede de células agrupadas nos capilares cerebrais. Geralmente este filtro impede que substâncias como as células brancas do sangue “escorreguem” para dentro do cérebro ou da medula espinhal. A barreira hematoencefálica, porém, se torna mais porosa em pacientes com o distúrbio, o que abre caminho para células imunes atravessarem para o sistema nervoso central. Uma nova droga, o natalizumab, um tipo de anticorpo (proteína do sistema imunológico), bloqueia receptores nas paredes dos vasos sanguíneos, aos quais células brancas se agarram e usam para atravessar a barreia hematoencefálica e chegar ao cérebro ou à medula espinhal. Desativar esses “ajudantes” moleculares ajuda a impedir a passagem de células do sistema imunológico para o sistema nervoso central, onde podem causar graves prejuízos.

Em outra abordagem, o fármaco fingolimod impede os glóbulos brancos, chamados pelos cientistas de linfócitos, de deixar os gânglios linfáticos entrar na circulação, não permitindo que cheguem ao cérebro ou à medula espinhal. A droga, porém, não destrói as células, que ainda podem realizar imunização adequadamente, aumentando a resistência de pacientes contra infecções comuns. Outro agente oral, o teriflunomida, aprovado no final de 2012, inibe a rápida divisão de células do sistema imunológico envolvidas na esclerose múltipla, amenizando o ataque contra organismos que se multiplicam mais lentamente mas são importantes para a resistência normal do corpo. Medicamentos recentes são desenvolvidos para inibir determinados processos bioquímicos relacionados à esclerose múltipla e são mais seguros do que tratamentos que suprimem o sistema imunitário de forma mais ampla.
A FDA deve aprovar, ainda em breve, o BG-12 (ácido fumárico dimetil), atualmente utilizado para tratar doenças de pele como psoríase. A droga provoca efeitos anti-inflamatórios e antioxidantes que os cientistas acreditam ajudar a proteger os neurônios e auxiliar na modulação da função imune celular para reduzir a inflamação. Em um estudo em grande escala publicado em 2012, o neurologista Robert J. Fox e seus colegas da Clínica Cleveland descobriram que pacientes com esclerose múltipla recorrente-remitente que tomaram BG-12 por dois anos demonstraram menos surtos e progressão mais lenta de danos e lesões, de acordo com exames de ressonância magnética, em comparação com participantes do estudo que tomaram placebo. 

Fonte: Scientific American Mente cérebro
 

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