Dez mil pessoas tiram a própria vida no Brasil anualmente, segundo dados do
Ministério da Saúde. No mundo, o total chega a 1 milhão, estima a Organização
Mundial da Saúde (OMS). Esse número, de acordo com a Sociedade Brasileira de
Psiquiatria (SBP), é subestimado e pode ser de 20% a 30% maior por várias
razões, inclusive devido a subnotificações em órgãos de saúde e segurança
pública dos municípios. Os coeficientes de mortalidade são três a quatro vezes
maiores entre pessoas do sexo masculino. Muito associado a idosos, nos últimos
30 anos, o ato de atentar contra si ronda também pessoas mais jovens. Dados da
SBP indicam que há dois grupos de risco: pessoas com idade entre 15 e 30 anos e
os idosos, acima de 65.
“Os médicos fora da psiquiatria (e mesmo algumas
equipes da área) não estão preparados para lidar porque existe um tabu, não
falam, não comentam e não estudam o fenômeno do suicídio. Fingem que o problema
não existe e essa atitude gera reflexo na formação acadêmica dos profissionais,
pois o assunto fica relegado a um segundo plano”, aponta o presidente da
Comissão de Prevenção ao Suicídio da SBP, Humberto Correa, também professor
titular de psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas
Gerais.
“Suicídio é todo ato provocado conscientemente pelo indivíduo com
a intenção de provocar a própria morte. Há pessoas que tentam ou têm muito
desejo de se matar, mas não conseguem, e esse ato é erroneamente interpretado
como necessidade de chamar a atenção de alguém. Toda tentativa de tirar a
própria vida deve ser levada a sério”, acrescenta Correa.
Aquele que se
mata, invariavelmente, demonstrou, pelo menos uma vez, ideias de morte,
comunicadas a pessoas próximas, inclusive ao médico que o atendia. Quando a
pessoa diz que pensa em se matar, é um sinal de alerta. “Temos a tendência de
não valorizar esse sinal, achando ser uma forma de a pessoa chamar a atenção. Há
um mito de que, quando a pessoa fala em se matar, é porque não quer fazê-lo.
Daqueles que se suicidaram, entre 70% e 80% comunicaram ou falaram sobre isso a
parentes”, afirma o psiquiatra, para quem o suicídio é algo que pode ser
prevenido.
Segundo Correa, as pessoas tendem a se matar usando o meio de
mais fácil acesso (um policial pode se matar usando a arma de fogo, na zona
rural é comum o uso de pesticidas). “Restringir e controlar métodos letais é
também uma forma de prevenção.”
Depressão
Há algumas circunstâncias
que podem ser observadas. Primeiramente, quase 100% dos que têm tendência
suicida ou de fato se matam sofrem de algum distúrbio psiquiátrico. “Entre essas
circunstâncias, em termos absolutos primeiro vem a depressão, mesmo que em
termos relativos o diagnóstico de paciente bipolar aponte para um maior número
de pessoas que se suicidam”, explica Correa. Transtornos do humor, depressão,
transtorno bipolar, o uso e o abuso de álcool e de outras substâncias, a
esquizofrenia, o transtorno de personalidade também estão associados a altos
níveis de mortalidade por suicídio.
A médica e psicóloga Vera Zavarise
destaca que está aumentando o número de suicídios em função da depressão.
“Pensar em suicídio é inerente a todas as depressões. Pensar e depois executar o
ato se aplica para alguns casos. Aproxi-madamente 10% das pessoas tentam e
conseguem tirar a própria vida.”
Segundo a médica, há algo mais forte
que impede que alguns sintomas se manifestem ou sejam percebidos, que é o
preconceito de precisar de alguma ajuda para algo que é psíquico. “As doenças
psíquicas geralmente são associadas ao cérebro como algo mágico, à alma da
cabeça. Na realidade, ele é um órgão como outro qualquer. Submetido a um
desgaste maior, pode apresentar um certo desequilíbrio de funcionamento. Nesse
caso, há uma área específica, que é o humor”, diz a psicóloga, que aponta também
o preconceito de procurar um psiquiatra como um dificultador. “É visto como algo
que custa caro, e quem está próximo não tem coragem de sugerir a procura de um
especialista. Há outros fatores, como uso de algumas medicações, que acabam
induzindo à depressão. O ansiolítico pode abaixar a ansiedade em um primeiro
momento, mas, quando há o consumo extenso, pode levar à depressão”, explica a
médica.
Cada cultura encara o problema
de uma forma
O autoextermínio sempre existiu em todas as civilizações,
inclusive com evidências de suicídio entre povos pré-históricos. Ao longo da
história muda-se a forma de encará-lo: em algumas, ele era tolerado, em outras
era até estimulado, e em outras, reprimido. Na civilização cristã ocidental, no
início, era valorizado em certos aspectos. Entre os primeiros cristãos, havia
quem se suicidava para chegar mais próximo de Deus. “A partir de Santo
Agostinho, nos séculos 4 e 5, isso começou a mudar. Em particular na Igreja
Católica, o suicídio passou a ser reprimido e, depois, perseguido. A visão
católica tornou-se dominante, sendo anexada aos códigos civis das cidades-estado
que foram surgindo na Europa. Passou-se a punir quem tentava se matar e os
familiares perdiam seus bens. Até o início do século 20, a Igreja Católica não
dava a eles o direito a ritos fúnebres, como missa e cortejo, e eram enterrados
em locais exclusivos. “Isso tudo entranhou nas mentes de forma a se tornar um
tabu e um pecado, o pior de todos. O reflexo disso é que não há campanhas
públicas no Brasil exclusivamente de prevenção ao suicídio, apesar de ser
assunto de saúde pública”, pontua o dirigente da SBP, Humberto Correa.
Fonte: Correio Brasiliense via Associação Brasileira de Psiquiatria
Disponível em: <http://www.abp.org.br/portal/imprensa/clipping-2>. Acesso em: 03 abr. 2013.
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