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terça-feira, 30 de abril de 2013

Falar com seu sintoma, falar com seu corpo

A escolha do título do VI ENAPOL[1]: "Falar com seu corpo" indica uma inquietação e corresponde a um fato. As palavras e os corpos se separam na disposição atual do Outro da civilização. O subtítulo "a crise das normas e a agitação do real" remete-nos a uma dupla série causal. Por um lado, as normas nem sempre conseguem fazer com que os corpos, por sua inscrição forçada, se insiram em usos padronizados, nessa máquina infernal na qual o significante-mestre instala suas disciplinas de fazer marcas identificatórias (marquage)e de educação. Os corpos são muito mais deixados por sua própria conta, marcando-se febrilmente com signos que não chegam a lhes dar consistência. Por outro lado, a agitação do real pode ser lida como uma das consequências da "ascensão ao zênite" do objeto a. A apresentação da exigência de gozo em primeiro plano submete os corpos a uma "lei de ferro"[2] cujas consequências é preciso acompanhar.
Os corpos parecem ocupar-se deles mesmos. Se alguma coisa parece se apoderar deles, é a linguagem da biologia. Ela opera sobre o corpo, recortando-o em suas próprias mensagens, suas mensagens sem equívoco, diversas daquelas da língua. Produz corpos operados, terapeutizados, geneticamente terapeutizados ou geneticamente modificados (em pouco tempo, todos seremos organismos geneticamente modificados), alvos de uma operação cosmética que segue a mesma via desses recortes – real cuja efetividade foi sublinhada por Jacques-Alain Miller em seu pequeno tratado sobre a "biologia lacaniana".
A psicanálise apreendeu a junção das palavras com os corpos por um viés preciso, o do sintoma. Freud, baseado no espetáculo clínico de Charcot, extrai o rébus da formação do sintoma histérico. Lacan pode dizer: "Freud chegou em uma época na qual apreendeu que não havia nada mais que o sintoma pelo qual cada um se interessava", que tudo aquilo que havia sido sabedoria, modo de fazer, e mesmo, justamente, representação sob um olhar divino, tudo isso se distanciava; restava o sintoma na medida em que ele interroga cada um sobre o que vem incomodar-lhe o corpo. Esse sintoma, por ser presença do significante do Outro em si, é marca identificatória (marquage), corte. Nesse lugar, o surgimento traumático do gozo se dá. Baseado no sintoma histérico, Freud reconhece a via na qual se impõe o incômodo do corpo que vem, pelas palavras, recortar mais uma vez, marcar as vias pelas quais o gozo advém. O que constitui o eixo em torno do qual gira a constituição do sintoma histérico é o amor ao pai. Trata-se do que faz com que o corpo histérico esteja sempre prestes a se desfazer, o que faz dele a ferramenta[3], segundo a expressão de Lacan. É precisamente isso que está em questão em nossa época. Por isso, precisamos conceber o sintoma não com base na crença no Nome-do-Pai, mas baseado na efetividade da prática psicanalítica. Essa prática obtém, através do seu manejo da verdade, alguma coisa que toca o real... A partir do simbólico, alguma coisa ressoa no corpo, e faz com que o sintoma responda.
O que se colocará para nós como questão é como "falam os corpos" para além do sintoma histérico, que supõe no horizonte o amor ao pai.


Fonte:VI ENAPOL

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