A escolha do título do VI ENAPOL[1]: "Falar com seu corpo" indica uma
inquietação e corresponde a um fato. As palavras e os corpos se separam
na disposição atual do Outro da civilização. O subtítulo "a crise das
normas e a agitação do real" remete-nos a uma dupla série causal. Por um
lado, as normas nem sempre conseguem fazer com que os corpos, por sua
inscrição forçada, se insiram em usos padronizados, nessa máquina
infernal na qual o significante-mestre instala suas disciplinas de fazer
marcas identificatórias (marquage)e de educação. Os corpos são
muito mais deixados por sua própria conta, marcando-se febrilmente com
signos que não chegam a lhes dar consistência. Por outro lado, a
agitação do real pode ser lida como uma das consequências da "ascensão
ao zênite" do objeto a. A apresentação da exigência de gozo em
primeiro plano submete os corpos a uma "lei de ferro"[2] cujas
consequências é preciso acompanhar.
Os corpos parecem ocupar-se deles mesmos. Se alguma coisa parece se
apoderar deles, é a linguagem da biologia. Ela opera sobre o corpo,
recortando-o em suas próprias mensagens, suas mensagens sem equívoco,
diversas daquelas da língua. Produz corpos operados, terapeutizados,
geneticamente terapeutizados ou geneticamente modificados (em pouco
tempo, todos seremos organismos geneticamente modificados), alvos de uma
operação cosmética que segue a mesma via desses recortes – real cuja
efetividade foi sublinhada por Jacques-Alain Miller em seu pequeno
tratado sobre a "biologia lacaniana".
A psicanálise apreendeu a junção das palavras com os corpos por um
viés preciso, o do sintoma. Freud, baseado no espetáculo clínico de
Charcot, extrai o rébus da formação do sintoma histérico. Lacan pode
dizer: "Freud chegou em uma época na qual apreendeu que não havia nada
mais que o sintoma pelo qual cada um se interessava", que tudo aquilo
que havia sido sabedoria, modo de fazer, e mesmo, justamente,
representação sob um olhar divino, tudo isso se distanciava; restava o
sintoma na medida em que ele interroga cada um sobre o que vem
incomodar-lhe o corpo. Esse sintoma, por ser presença do significante do
Outro em si, é marca identificatória (marquage), corte. Nesse
lugar, o surgimento traumático do gozo se dá. Baseado no sintoma
histérico, Freud reconhece a via na qual se impõe o incômodo do corpo
que vem, pelas palavras, recortar mais uma vez, marcar as vias pelas
quais o gozo advém. O que constitui o eixo em torno do qual gira a
constituição do sintoma histérico é o amor ao pai. Trata-se do que faz
com que o corpo histérico esteja sempre prestes a se desfazer, o que faz
dele a ferramenta[3], segundo a expressão de Lacan. É
precisamente isso que está em questão em nossa época. Por isso,
precisamos conceber o sintoma não com base na crença no Nome-do-Pai, mas
baseado na efetividade da prática psicanalítica. Essa prática obtém,
através do seu manejo da verdade, alguma coisa que toca o real... A
partir do simbólico, alguma coisa ressoa no corpo, e faz com que o
sintoma responda.
O que se colocará para nós como questão é como "falam os corpos" para
além do sintoma histérico, que supõe no horizonte o amor ao pai.
Leia na integra: http://www.enapol.com/pt/template.php?file=Argumento/Hablar-con-el-propio-sintoma_Eric-Laurent.html
Fonte:VI ENAPOL
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