Especialistas em transtorno obsessivo-compulsivo brasileiros analisam a maior amostra de pacientes do mundo em busca de novos tratamentos contra o mal. Uma das constatações é de que em mais de 90% dos casos o TOC surge com outros distúrbios psiquiátricos
Lavar as mãos o tempo todo, escovar os dentes incansavelmente, contar
azulejos a cada passo, ser tomado pela mania de limpeza e de organização, ou
desenvolver o vício de colecionar todos os tipos de objetos podem ser rituais
indicativos do transtorno obsessivo-compulsivo, o TOC. Os portadores do
distúrbio são acometidos por um padrão de pensamentos e comportamentos
repetitivos, sem sentido lógico, desagradáveis e extremamente difíceis de
evitar. "O TOC é um transtorno subdiagnosticado porque as pessoas ou ficam com
vergonha de procurar ajuda ou não reconhecem que aquilo é algo patológico",
explica Marcelo Queiroz Hoexter, do Instituto de Psiquiatria da Universidade de
São Paulo (USP).
Em um esforço inédito para a psiquiatria, especialistas em TOC integrantes do
Consórcio Brasileiro de Pesquisa em Transtornos do Espectro Obsessivo-Compulsivo
(C-TOC) reuniram a maior amostra de pacientes com o distúrbio já realizada no
mundo. O levantamento envolve entrevistas minuciosas de duração média de quatro
horas, feitas com 1.001 pessoas com TOC e atendidas em São Paulo, no Rio de
Janeiro, em Pernambuco, na Bahia e no Rio Grande do Sul. O intuito é compreender
melhor a origem do problema e desenvolver formas de tratamento cada vez mais
eficazes. Os resultados iniciais foram publicados na última edição da Revista
Fapesp.
A partir da análise das informações coletadas, os pesquisadores
constataram que o TOC raramente é um problema que aparece sozinho. Segundo a
pesquisa, apenas 8% das pessoas estudadas apresentam exclusivamente sintomas de
obsessão e compulsão. Na maioria dos casos, o problema surge acompanhado de pelo
menos um distúrbio psiquiátrico ao longo da vida. O mais recorrente foi a
depressão, aparecendo em 68% dos participantes. Em segundo lugar apareceram os
transtornos de ansiedade, acometendo 63% dos pacientes. E quase 35% apresentavam
sinais de fobia social.
De acordo com Marcelo Queiroz Hoexter, um dos
pesquisadores do C-TOC, as comorbidades já eram conhecidas, mas essa foi a
primeira vez que foi realizado um levantamento extenso a respeito. As
constatações dão valiosas pistas do por que nem sempre os tratamentos funcionam
em casos mais graves. As duas formas de tratamento internacionalmente
recomendadas para amenizar os sintomas de TOC são a terapia
cognitivo-comportamental e o uso de antidepressivos. Em alguns países, como nos
Estados Unidos, há a alternativa da neurocirurgia para pacientes refratários,
casos em que nenhuma das duas formas mais brandas surtem efeito.
Acompanhamento Uma das linhas de pesquisa que integra os esforços dos
pesquisadores brasileiros está justamente na compreensão das respostas de
intervenções terapêuticas. Ao acompanhar 158 pessoas com TOC por um período de
dois anos, a pesquisadora da USP Roseli Shavitt pôde observar que, para os casos
leves e moderados, o resultado do tratamento com medicação é semelhante ao
efeito da psicoterapia. "Desde que seja um tratamento de primeira linha, o mais
importante não é o tipo escolhido, mas mantê-lo por um prazo mais longo",
defende Shavitt. Inicialmente, os dois tratamentos são igualmente eficazes, mas
precisam de uma continuidade para que o efeito positivo seja observado. Segundo
a pesquisadora, o tratamento para TOC não é imediato, é comum que dure a vida
toda.
Ainda sobre as respostas terapêuticas, Hoexter desenvolveu uma
análise diferente e complementar à conduzida por Shavitt. Seguindo uma linha
neurobiológica do transtorno, o pesquisador usou a técnica de ressonância
magnética estrutural para fotografar e mapear a ação dos antidepressivos e da
terapia cognitivo-comportamental no cérebro. A constatação final é de que os
dois tratamentos modificam não só o funcionamento, mas a estrutura de algumas
regiões cerebrais de pessoas com TOC. "Sabíamos que as duas modalidades de
tratamento têm respostas muito parecidas e são igualmente eficientes, mas não
entendíamos como essas intervenções mudam o cérebro, ou seja, qual é o mecanismo
biológico por trás disso", ressalta Hoexter.
Segundo o pesquisador, pelos exames de neuroimagem, também foi possível perceber
que o TOC induz a um aumento de consumo de energia em uma região do
córtex-frontal. Após a administração de antidepressivos nos pacientes ou
submetê-los à terapia cognitivo-comportamental, os médicos constataram a
diminuição da hiperatividade dessa região do cérebro. Entretanto, faltavam ainda
estudos que avaliassem e comparassem o tamanho das estruturas cerebrais antes e
depois do tratamento. Foi o que a equipe de Hoexter se propôs a fazer. "Pegamos
uma amostra de pacientes com TOC que nunca tinham sido submetidos a nenhum
tratamento e fizemos um exame de ressonância magnética do crânio antes de
iniciar os procedimentos. Medimos uma série de volumes de diversas estruturas
cerebrais", conta o pesquisador.
Os cientistas, então, dividiram
aleatoriamente os pacientes. Uma parte recebeu o antidepressivo fluoxetina e a
outra foi submetida à terapia cognitivo-comportamental. Depois de 12 semanas, os
voluntários passaram novamente pelo exame de ressonância magnética. Os
cientistas compararam as medidas cerebrais antes e depois do tratamento. "A
gente observou que tanto os pacientes que tomaram a fluoxetina quanto os que
foram para a terapia apresentaram melhora muito similar do sintoma, a diferença
é que aqueles que tomaram antidepressivo apresentaram um aumento do volume do
putâmen, uma estrutura cerebral profunda que está muito implicada na patologia
do TOC."
Com isso, surge a hipótese de que a administração do medicamento
provoca um aumento da plasticidade da região, que passa a ser mais eficiente na
comunicação com o restante do cérebro, apresentando aumento das conexões dos
neurônios. Já os pacientes submetidos à terapia não mudaram a estrutura
cerebral, apesar de terem melhorado os sintomas. "O resultado sugere que, apesar
de os dois (tratamentos) serem eficazes, o mecanismo de ação no cérebro é
diferente. Provavelmente, a terapia mexe em outras áreas que não fomos capazes
de detectar ainda", pondera Hoexter.
Depoimento
Excessos já na infância
Tinha 27 anos quando um episódio me
marcou tanto que resolvi pedir ajuda. Estava dirigindo, voltando para casa de um
churrasco no sábado. Durante o percurso, achei que tinha atropelado uma pessoa.
Aquilo me deu uma ansiedade muito grande, eu caí na dúvida, na culpa e comecei a
voltar pelos lugares por onde tinha passado. Olhava o carro e não tinha marca.
Fiquei quase uma semana sem dormir. Ia de carro para o trabalho, mas pegava um
farol amarelo e já era motivo de muita tensão. Toda vez que saía de carro era
muito estressante. Tinha várias outras manias, mas não me incomodavam muito.
Depois de três meses desse episódio, estava passando de carro em uma ponte em
São Paulo e fiquei durante três horas subindo e descendo a ponte. Foi quando
falei para mim mesmo que estava ficando maluco e precisava de ajuda.
Fui atrás de uma terapeuta e descobri que esse problema vinha desde a infância.
Os meus primeiros TOCs eram ligados à organização e à higiene. Escovava os
dentes de 20 a 25 vezes por dia porque tinha a impressão de que ia ter cárie.
Tinha o hábito de acumular jornais, moedas, relógios, caixas de cigarro. Era
acumulador, não conseguia me desfazer de nada. Quando fui diagnosticado, em
2007, logo depois conheci a Associação Brasileira de Síndrome de Tourette,
Tiques e Transtorno Obsessivo-Compulsivo (Astoc ) e descobri que não estava
sozinho. A minha primeira melhora foi próxima ao Natal: cheguei em casa e me
desfiz de todas as coisas que tinha guardado durante anos. Tive síndrome do
pânico em 2001 e passei por uma depressão em 2002, só que o TOC me ocupava e eu
não tinha noção disso. O TOC é uma doença silenciosa, você sofre, mas não a
compartilha com ninguém. Hoje, digo que estou superbem, faço terapia, tomo
antidepressivo e sempre vou aos grupos de apoio. O ser humano é curado pela
fala, faz bem para mim dar depoimento para o jornal. As pessoas se escondem, é
difícil assumir, mas faz bem. (MU)
Caio Wilmers Manço, de 35 anos, morador
de São Paulo.
Fonte: Estado de Minas via Associação Brasilieira de Psiquiatria
Disponível em: <http://www.abp.org.br/portal/imprensa/clipping-2>. Acesso em: 23 abr. 2013.
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