Powered By Blogger

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Estudo com princesas da Disney mostra que é importante variar a brincadeira


Enquanto Cinderela é uma princesa com direito a fada madrinha, sapatinho de cristal e fica quietinha até ser feliz para sempre com o príncipe, Mulan vai, literalmente, à luta. Finge que é menino; na guerra cai de amores por um capitão e tem um final feliz muito menos explícito. Foi pensando nessas princesas tão diferentes entre si, mas de uma mesma marca tão forte, a Disney, que a antropóloga Michele Escoura, da Universidade de São Paulo (USP), resolveu ir a campo. E seu estudo, com mais de 200 crianças de escolas públicas e particulares de São Paulo, pode oferecer aos pais pistas de como ensinar seus filhos (meninos e meninas) a brincar melhor, tornando-os mais tolerantes, menos consumistas e mais realistas com questões como os ideais de beleza e do amor romântico.
Michele acompanhou o dia a dia das crianças, todas com 5 anos. Viu, em muitos casos, meninos se afastarem de meninas na hora em que elas iam brincar de princesa. O mesmo na hora de os meninos brincarem de carrinho. Ou seja, “o brinquedo sendo, desde cedo, usado para demarcar gênero e também para excluir”, segundo a pesquisadora. Um menino chegou a ser “zoado” por coleguinhas (de ambos os sexos) por usar um óculos preto, de corações.
- Ele se voltou para a professora e disse: “Tia, não entendo porque zombam de mim, meu óculos é preto, se ainda fosse rosa...- conta a antropóloga. - Ou seja, além dos brinquedos, há uma separação do gênero pela cor (preto) e pelo símbolo (coração).
‘Para ser princesa precisa se casar’
Para Michele, as crianças poderiam ser deixadas mais livres para se expressar, ter liberdade para experimentar.
- Acho que a sociedade só teria a ganhar.
Depois, foi a hora de exibir “Cinderela” e “Mulan”, pedindo para que as crianças contassem o que acharam do filme. Entre os elementos captados, estão a necessidade do vínculo conjugal com o príncipe, ou ainda o padrão estético de beleza e de comportamento. Muitas crianças tiveram problemas em identificar Mulan como princesa. Uma razão era o fato de a personagem chinesa não apresentar um padrão estético (de beleza e comportamento) igual ao das princesas clássicas. Ou, mais importante, pelo final do filme não deixar claro se Mulan se casa ou não.
- Uma das crianças foi taxativa: Tia, Mulan não é princesa. Para ser princesa precisa se casar, não é? Senão não vai ser princesa, vai ser solteira! - recorda a antropóloga.
Mulan ainda foi vista como não princesa “porque brigava”, especialmente pelos meninos. Já a Cinderela era princesa porque “era bonita”. Ou seja, as bonitas tendem a se casar. As diferentes, nem tanto. A pesquisa observou muitas meninas alisando e pintando o cabelo de suas bonecas de louro, só para citar um exemplo de comportamento. Esses padrões, segundo Michele, foram semelhantes nas redes pública e privada de ensino. Se na rede privada as crianças, muitas vezes, já viajaram para a Disney e têm bonecas e fantasias oficiais, na rede pública o consumo da marca vem em produtos comumente não licenciados, como itens de papelaria ou vendidos em camelôs. Mas o fato é: as princesas da Disney são consumidas por todas as crianças.
Procurada, a Walt Disney Company não comentou a pesquisa com as princesas. As dez personagens oficiais (a mais antiga é a Branca de Neve, criada em 1937) e as sete princesas não oficiais (como Alice e Sininho) correspondem a uma importante parcela do faturamento da empresa, que foi de US$ 5,7 bilhões em 2012.
Longe de querer que as crianças se afastem completamente deste mundo encantando, a antropóloga da USP só acha que a brincadeira, e principalmente a forma de brincar, é que precisa ser mais diversificada, um alerta para pais, babás e professoras.
- Não criaríamos adultos mais bacanas se, quando crianças, a menina achasse a Mulan incrível por ser guerreira e capaz de transformar seu destino? Ao contrário de uma linda, magra e loura que só faz aparecer bonita e o mundo inteiro a ajuda? Se os meninos brincassem de boneca e as meninas de carrinho? Se elas gostassem de azul e eles de rosa? Se o menino dos óculos de coração pudesse usar o que quisesse? Preconceitos são transferidos às crianças - acredita Michele, que adoraria ver uma “princesa gordinha, mais velha ou deficiente física”.
Mãe de Paola, de 3 anos, e Luiza, de 1, Alessandra Lima Ganimi iniciou o Jolie Folie, um serviço de festa infantil artesanal, justamente por ter se cansado de festas “cheias de frufrus”. Ela diz que não tem jeito: dos 3 aos 5 anos, não têm para ninguém, 80% das meninas só querem saber de festa de princesa.
- É uma mistura do que os pais falam, do que elas veem na escola, e claro, há a questão mercadológica muito forte. Tenho uns amigos que têm filhos que odeiam que os meninos brinquem de boneca. Mas eu não acho nada demais, estimulo minhas filhas a terem o brinquedo que quiserem. Eu mesma chamo meu marido de ogro e não de príncipe - diz Alessandra.
Paola não tem dúvida: indagada se prefere Branca de Neve (sua princesa favorita) ou Batman, ela responde: “Batman”! E por quê? “Porque sim, gosto mais dos super heróis”.
Estímulo à imaginação
Mãe de um casal, Joana, 7 anos amanhã, e Tomás, 2, a economista Flávia Gonçalves acha que as meninas de 5 anos estão mesmo na “idade de sonhar e de fantasiar, e as princesas são uma maneira de estimular sua imaginação, além de fazê-las perceberem o quanto são diferentes mesmo dos meninos”.
- É uma questão biológica. Meu filho nunca pegou a boneca da irmã e fez carinho na cabeça dela, nunca pôs a boneca no colo. E nunca o proibi de fazer isso. Acho que a “vida real” eles experimentam em casa, na relação deles com os pais. Ela sempre se sobrepõe ao mundo da fantasia - acha Flávia.
Professora de psicologia da PUC de São Paulo, Silvana Rabelo concorda que os pais têm um papel muito mais importante do que o das princesas na construção da identidade das crianças. Mas alerta ser justamente nesta fase, a dos 5, 6 anos, que elas começam a se interessar em entender se são meninas ou meninos.
- Depois dos 6 anos isso cai em esquecimento até a adolescência, quando a sexualidade vem com força. Por isso é importante os pais avaliarem como as crianças elaboram a afetividade nesta fase, que influencia a vida adulta.


Fonte: Jornal O Globo 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.