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terça-feira, 23 de outubro de 2012

Borderline, Um Transtorno de Personalidade no Limite das Emoções


A psiquiatra e escritora Ana Beatriz Barbosa, em sua casa, fala sobre o transtorno dos afetos
Autora de best-sellers sobre psicopatia, bullying e TOC, a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva se volta para um transtorno ainda pouco conhecido no país: o da personalidade borderline. Em seu novo livro, “Corações descontrolados” (Ed. Fontanar), ela conta como são as pessoas que vivem no limite de suas emoções e também como lidar com elas. E dá exemplos: “A Carminha, de Avenida Brasil, é totalmente border”
O nome do seu livro é "Corações descontrolados. Ciúmes, raiva, impulsividade, o jeito borderline de ser". Que jeito é esse?
Todos nós apresentamos momentos de explosões de raiva, tristeza, impulsividade, teimosia, instabilidade de humor, ciúmes intensos, apego afetivo, desespero, descontrole emocional, medo de rejeição, insatisfação pessoal. E, quase sempre, isso gera transtornos e prejuízos para nós mesmos e/ou para as pessoas ao nosso redor. Porém, quando esses comportamentos se apresentam de forma frequente, intensa e persistente, eles acabam por produzir um padrão existencial marcado por dificuldades de adaptação do indivíduo ao seu ambiente social. Quando isso ocorre, podemos estar diante do transtorno da personalidade borderline. Os borders apresentam hiperatividade emocional, ou seja, é muito sentimento e muita emoção sempre. E costumam lidar muito mal com qualquer tipo de adversidade, especialmente as que envolvem rejeição, desaprovação e/ou abandono. Quando se deparam com uma situação dessas, desencadeiam uma reação de estresse muito mais intensa e abrangente do que o esperado. E chama-se borderline por isso, porque vivem no limite das emoções.
É o transtorno do amor?
É o transtorno dos afetos. Porque o amor deve ser funcional, positivo. O que o border tem é um afeto disfuncional.
Existe uma personalidade borderline e um transtorno de personalidade borderline? Como é isso? Qual a linha divisória?
A personalidade é o jeitão de cada um. É a parte biológica somada ao que aprendemos, à cultura. A junção dessas duas partes vai gerar uma série de comportamentos recorrentes, que caracterizam a personalidade de cada um. A personalidade borderline é marcada pela dificuldade nas relações interpessoais, pela baixa autoestima, instabilidade reativa do humor e impulsividade. Quando essas características se apresentam de forma muito disfuncional, nós a chamamos de transtorno.
Tipos diferentes de personalidades, mesmo com traços aparentemente negativos, podem ser requisitos para determinadas atividades, não? Quer dizer, não é qualquer tipo de pessoa que pode ser, por exemplo, um médico voluntário, trabalhando em meio à fome na África ou ajudando sobreviventes do terremoto no Haiti.
Só é transtorno quando apresenta problemas sérios para a pessoa, quando é tão disfuncional que a pessoa deixa de ser produtiva. Tirando isso, a personalidade border, ou, como dizemos, o traço border, pode ser muito interessante, se a pessoa não tem ataques de fúria, dependência. Grandes causas sociais, como você mencionou, demandam pessoas com grande capacidade de sentir empatia, com grande sensibilidade e que precisam de um alto grau de aceitação. Uma outra característica comum nessas pessoas é a fluidez na autopercepção. Por isso, pessoas com traço border dão grandes atores. Quando tratamos alguém com o transtorno, temos que ter em mente que, antes de mais nada, essa é uma maneira de ser, uma base estabelecida que não muda. O que buscamos no tratamento é transformar o transtorno em traço: ou seja, a pessoa vai continuar a ser sensível, emotiva, mas ela não vai capotar naquilo, vai canalizar para coisas produtivas.
O quanto do transtorno é biológico e o quanto é fruto do meio? No livro, a maior parte das pessoas com o transtorno teve vidas muito duras, marcadas por abuso sexual, agressão física, abandono. Como se pode dizer que isso é biológico?
Sabemos é que 50% são biológicos e 50% estão relacionados à criação, ao meio, à cultura. Quando a pessoa tem a biologia, mas vive num meio normal, o transtorno vai se apresentar de uma forma muito mais branda ou como traço. A estrutura genética não muda, mas é possível moldar a forma como se apresenta.
Como é a vida de quem tem o transtorno?
A pessoa tem uma dificuldade muito grande nos relacionamentos. Ela tem a autoestima destruída. Se vê muito pior do que é, de maneira depreciativa, e acha que a solução está no outro; é na dependência afetiva do outro que ela busca segurança e legitimidade. E é muito impulsiva. Mas essa impulsividade se manifesta de uma forma muito específica: ela está relacionada a explosões de raiva e ira. O border, como dizemos, é aquela pessoa que, literalmente, fica cega de raiva. Todo mundo que já viveu uma paixão alucinada sabe como é ser border: esse é o jeito border de ser. O estado da paixão, de acordo com a ciência, dura de dois meses a dois anos justamente porque, se durar mais, ninguém aguenta. Mas o border vive assim.
Trata-se de um transtorno que acomete muito mais mulheres do que homens. A neurociência explica por quê?
Sabemos que 75% dos pacientes são mulheres. Não sabemos exatamente por quê, mas não chega a ser uma grande surpresa se pensarmos que o transtorno está relacionado a uma hiperatividade do sistema límbico, que é o nosso verdadeiro coração, a região do cérebro que regula as emoções. No border, o sistema funciona demais, no extremo das emoções. Nos momentos de maior impulsividade, é como se houvesse uma pane total no sistema, um curto-circuito. Como a questão das emoções já é naturalmente mais marcada para as mulheres, é de se esperar que elas sejam a maior parte dos pacientes. Por outro lado, os homens, com cérebros mais racionais, são a maioria dos que sofrem de transtorno de psicopatia — em que o sistema límbico não funciona ou funciona muito pouco, o que os torna incapazes de ter empatia, de se sensibilizar com o sofrimento dos outros.
A adolescência é uma época em que as emoções já são muito mais intensas. Como é o transtorno nessa fase da vida?
O transtorno surge pela primeira vez nessa fase que é, em geral, quando ocorre o primeiro rompimento ou afeto não correspondido. Essa rejeição desencadeia o curto-circuito. A adolescência é a época das paixões, da impulsividade, da sexualidade, do comportamento de risco. Tudo isso faz parte, o adolescente tem que arriscar para aprender. É uma erupção emocional. No border, no entanto, é uma hemorragia. A automutilação é um comportamento recorrente. E se você perguntar por que ele fez aquilo, vai dizer que é para aliviar a angústia, o vazio.
E alivia mesmo? Por quê?
Sim. Ele se sente muito melhor porque deixa de sentir angústia. Quando há uma ameaça física ao corpo, o sistema de defesa e estresse é acionado. A substância liberada para tamponar a agressão é a endorfina, que é um anestésico. Por isso, um tratamento ótimo é a atividade física intensa, que libera endorfina.
A Carminha, de Avenida Brasil, é border?
Totalmente. Basta ver aquelas explosões de fúria, de ódio, sua instabilidade emocional. E, ao mesmo tempo, o grande pavor que tem da rejeição. Aquela família é seu alicerce, ela jamais se separaria, embora diga o contrário.
Existe tratamento?
É possível diminuir a hiperatividade do sistema límbico com medicações específicas em doses específicas — muitas vezes mínimas. Com isso, você reduz muito os ataques de fúria, os atos destrutivos, as agressões; baixa a bola do sistema mesmo. Mas, paralelamente, é preciso terapia, uma terapia muito específica, mais direcionada para o presente do que para o passado, que vai treinar a pessoa a viver com menos intensidade, a sangrar menos. A não morrer de hemorragia.

Fonte: Jornal O Globo
 

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