Definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1978, a atenção primária à saúde, também conhecida no País como atenção básica, configura-se como o primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da comunidade com o sistema de saúde, por meio do atendimento feito por equipes em territórios delimitados. Em 2006, o Brasil instituiu, com a Portaria n° 648, normas para a organização da atenção básica para o Programa Saúde da Família (PSF) e, passados seis anos de sua implantação, essa esfera enfrenta novos desafios. Um dos principais, discutido ontem no II Congresso Internacional de Saúde Mental e Reabilitação Psicossocial, promovido pela Ulbra na Capital, é o tratamento dos sofrimentos psíquicos.
De acordo com a presidente do Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul, Vera Lúcia Pasini, 9% da população brasileira sofre com algum tipo de transtorno mental e 6% tem alguma debilidade provinda do uso do álcool e/ou drogas. “Muitas vezes esses problemas não são reconhecidos. A inserção do cuidado mental na saúde primária traria esse suporte psicossocial”, acredita.
Após a reforma psiquiátrica que colocou fim aos antigos manicômios, um conceito de tratamento mais humanizado surgiu focado em proporcionar mais autonomia para as pessoas que sofrem com os transtornos e mais independência, até mesmo na decisão sobre o tratamento.
Pedro Gabriel Delgado, professor do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica que o conceito utilizado de reabilitação psicossocial tem a ver com a saúde mental voltada para o ser humano. O objetivo é melhorar a vida destas pessoas. Esse ganho será, de acordo com professor, conseguido com a ampla base de suporte que a atenção primária pode proporcionar. “Quando falamos nesses níveis de atenção na rede, sempre utilizamos o modelo hierarquizado, mas esses três níveis (atenção primária, secundária e terciária) devem ser flexíveis, pois o tema não pode ser tratado apenas no primeiro nível”, explica Delgado. De acordo com ele, um bom modelo seria a interação entre a saúde básica e os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), pois a entrada para o Sistema Único de Saúde (SUS) deve ser através da atenção primária. Após a análise de cada caso, os profissionais fariam o encaminhamento necessário para as outras esferas. Segundo Delgado, existem estudos que mostram que, a cada mil casos, apenas um precisará ir para a saúde terciária, que seria de alta complexidade. “Um dos grandes equívocos sobre esse tema é dizer que a inserção da saúde mental iria sobrecarregar as equipes. A verdade é que elas já fazem isso, pois os problemas psicológicos estão na maioria dos casos atendidos, mas não existe essa formalização.” Delgado ressalta que, para que esse desafio seja ultrapassado, é necessário que os profissionais recebam formação na área. Além disso, a produção de conhecimento sobre saúde mental, envolvendo a atenção básica, ainda é muito pequena.
Será que os profissionais sabem como lidar com uma pessoa que está sofrendo? Este foi o questionamento feito pelo coordenador de Saúde Mental do Ministério da Saúde, Roberto Tikanory. “A ligação destas esferas tem limitações. A primeira é saber cuidar de uma pessoa que sofre e a segunda é como distribuir esse cuidado. A medicina tradicional lida com eventualidades. Na atenção primária, lida-se com processos. Boa parte dos profissionais sabe lidar com eventos, e não com processos”, diz. Segundo Tikanory, o objeto da saúde primária deve ser o sofrimento, pois, compreendendo como ele funciona, será possível reduzi-lo.
Fonte: Jornal do Commercio via Associação Brasileira de Psiquiatria
Disponível em:<http://www.abp.org.br/
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