Faltam médicos psiquiatras no mercado. Em função dos baixos rendimentos das consultas, a procura pela residência na especialidade teve queda de 43% nos últimos três anos. Pouco mais de 20 médicos fazem parte do quadro atual de profissionais em Bauru, que somente na esfera pública, deveria ser superior a 30.
Resultado: quem possui convênio, precisa agendar com meses de antecedência ou desembolsar os custos com atendimento particular, que também não é garantia de rapidez. No atendimento oferecido pelo município, a espera seria um pouco menor, mas o paciente precisa passar por uma triagem.
“As especialidades clínicas de um modo geral estão sofrendo um desinteresse progressivo. No setor público os médicos são mal remunerados e no setor privado, na medicina suplementar, os honorários estão cada vez mais achatados. Para quem vive só de consulta não é interessante”, ressalta Carlos Alberto Monte Gobbo, membro do Conselho Regional de Medicina (CRM).
Depressão, síndrome do pânico, distúrbio da ansiedade, transtorno obsessivo compulsivo (TOC), dependência química, hiperatividade e déficit de atenção, anorexia, bulimia, esquizofrenia, a lista de transtornos mentais é variada e cada vez mais comum.
Segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), os transtornos psiquiátricos são a segunda maior causa dos atendimentos de urgência no país. Em algum momento da vida, ao menos 20% da população mundial é acometida por alguma enfermidade deste tipo.
Considerada uma especialidade mal remunerada por ter a consulta como principal fonte do rendimento, a psiquiatria evoluiu e obteve crescimento no número de pacientes nos últimos anos. Em outras áreas, os médicos contam com cirurgias ou procedimentos específicos que ajudam no orçamento mensal.
Em números
Em Bauru, conforme o site do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, apenas 16 médicos psiquiatras seriam cadastrados. Apesar da falta de um número concreto, estima-se que o quadro de profissionais na cidade chegue a pouco mais de 20.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), seriam necessários nove psiquiatras no sistema público para cada 100 mil habitantes, o que revela que o quadro de profissionais em Bauru (344 mil habitantes, pelo Censo) deveria ser superior a 30.
De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, seis psiquiatras atendem as necessidades da Divisão de Saúde Mental, contando com o efetivo do Centro de Atenção Psicossocial (Caps).
Na rede municipal, não há lista de espera para atendimento, segundo informou a coordenação da divisão de saúde, mas a consulta com o psiquiatra é agendada somente após um acolhimento, espécie de triagem realizada no Caps.
“Na psiquiatria é comum o profissional submeter-se a jornada dupla ou até tripla entre as consultas conveniadas com planos de saúde e os plantões, nas unidades de emergência”, salienta Gobbo.
“Vivemos um momento da medicina em que o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Sistema Suplementar de Saúde estão em alerta por conta dos poucos atrativos oferecidos ao médico. Se somarmos as despesas, o valor pago pelas consultas é muito baixo e ainda inclui o retorno do paciente.”, completa o conselheiro do CRM.
Relato de uma crise
“Me lembro como se fosse ontem. Dependendo do lugar em que estava, eu me sentia sufocada. Sentia uma vontade imensa de sair correndo, mas ao mesmo tempo não conseguia me mover. Era como se eu fosse morrer a qualquer momento. Em nenhum lugar me sentia bem e a crise não tinha hora para acontecer. A mão formigava, eu suava frio, tinha falta de ar e tremedeira. Um sensação horrível e de impotência total. As crises só melhoraram depois que eu consegui atendimento médico. Antes eu gostava de beber, mas hoje não posso mais por causa do remédio. Apesar do esforço, tudo vale a pena. Não quero sentir aquela sensação nunca mais”, relata a universitária Maria (nome fictício).
“Hoje, os médicos preferem dar plantões, ou prestam concursos públicos para ter a carteira assinada. Não é possível ficar à mercê da profissão liberal”, enfatiza o médico e conselheiro do CRM Carlos Alberto Monte Gobbo. O salário de um psiquiatra em atendimento ambulatorial com carga de 4 horas diárias, por exemplo, atingiria uma média de R$ 7 mil. No Centro de Atenção Psicossocial (Caps) dos municípios da região, o salário para a mesma carga horária não atingiria R$ 4 mil.
Já em relação aos planos de saúde, um dos melhores convênios pagaria cerca de R$ 60,00 por consulta o que, segundo Gobbo, seria pouco se comparado ao preço do atendimento particular e das despesas com consultório.
Sobre o assunto, o Conselho Regional de Medicina realiza uma campanha para que seja aprovado um projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional. A proposta transforma o serviço médico em uma carreira essencial do Estado, assim como já acontece com a justiça e a segurança pública.
Amparo trabalhista
Conforme apurado pela reportagem, alguns convênios oferecem ao profissional cooperado segurança trabalhista, no caso do médico precisar de afastamento ou licença. Por um período de seis meses, ele recebe um salário baseado em sua média de produção mensal.
Entretanto, a realidade não se estende à maioria dos profissionais, que segundo o CRM, atuaria de modo autônomo e sem nenhuma garantia.
Para o médico Carlos Alberto Monte Gobbo, é preciso que haja uma padronização dos vínculos trabalhistas nas contratações e legislações trabalhistas que resguardem os direitos dos médicos.
“Trabalhamos com nossa produção. Se eu não for conveniado e tiver que me afastar por causa de um acidente, por exemplo, não recebo. Como o Estado não realiza mais concursos, acaba contratando os psiquiatras como pessoa jurídica e a situação se repete, pois o médico não é empregado”, aponta.
Mesmo com convênio, conseguir vaga pode demorar até 60 dias
Conforme a reportagem apurou, grande parte dos psiquiatras em Bauru atuaria de maneira particular e estariam com as agendas lotadas. Se o caso não for urgente, para garantir a consulta o paciente que possui convênio, por exemplo, deve agendar com um ou dois meses de antecedência.
Para ter atendimento particular, é preciso entrar em uma lista e aguardar as desistências, que também podem demorar um mês ou mais, dependendo do médico. O preço das consultas gira em torno de R$ 200,00 a R$ 400,00.
No dia 21 de março, o Jornal da Cidade publicou uma carta da Tribuna do Leitor de um bauruense indignado com a situação do atendimento psiquiátrico na cidade. Intitulada “Psiquiatria nas Nuvens”, a crítica relacionava a falta de profissionais e o alto custo das consultas particulares.
Portadora da síndrome do pânico, a universitária Maria (nome fictício) a cada quatro meses precisa consultar um psiquiatra para garantir o acesso à medicação. Ela conta que em 2011 precisou desembolsar R$ 200,00 por uma consulta particular para conseguir atendimento e, mesmo assim, a espera chegou a um mês.
“Eu tive uma crise de síndrome do pânico e fui ao Pronto-Socorro Central (PSC), onde fiquei internada o dia todo. O médico me passou o nome de um psiquiatra e eu precisei arcar com o preço da consulta. No atendimento público, lembro que a espera era gigantesca e, no meu caso, a situação era um pouco mais urgente”, conta a estudante.
Segundo Maria, a dificuldade seria sentida por todos os pacientes que ela conhece, inclusive pelas pessoas que possuem convênios médicos. “Neste ano, uma amiga minha, que também precisou de psiquiatra e tem plano de saúde, teve que esperar mais de um mês para conseguir a consulta”, revela. “De tempos em tempos eu vou ao psiquiatra. Pago pela consulta particular para não ter que esperar muito, mas, mesmo assim, a fila é grande. Então, deixo marcado com meses de antecedência”, completa.
Consulta, só particular!
Há 37 anos atuando na psiquiatria em Bauru, o médico Wilson Siqueira faz parte do quadro de profissionais que atendem somente de modo particular.
Para ele, a psiquiatria, assim como as áreas da medicina que sobrevivem somente com as consultas, deveria ter um honorário diferenciado para não ficar sujeita a redução da procura pelos profissionais formados.
“Eu já tenho uma grande carteira de clientes, por isso, atendendo só particular. Mas acredito que os profissionais mais novos estejam com dificuldades. Afinal, os honorários oferecidos por convênios e saúde pública são massacrantes e a corrida contra o tempo facilita os erros. A remuneração deveria ser o dobro”, contesta o médico.
Segundo Siqueira, além de não ser atrativa aos profissionais, a área também enfrentaria uma resistência por conta do preconceito da sociedade em relação às doenças psiquiátricas.
Residência registra queda de 43%
“Se o profissional não se especializar e não se diferenciar partindo para a área de psicanálise, por exemplo, terá muita dificuldade de mercado. Não é pela demanda, mas pela rentabilidade. Os médicos formados estão migrando para outras especialidades que permitem maior número de procedimentos”, afirma Carlos Alberto Monte Gobbo.
O contexto é confirmado pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Botucatu. A procura pela Residência em Psiquiatria na Faculdade de Medicina registrou queda de 43% nos últimos três anos. Neste ano, 16 pessoas se inscreveram para concorrer às vagas do curso, enquanto em 2010 o número de inscritos atingia quase o dobro, 28.
De acordo com o conselheiro do CRM, o desinteresse dos profissionais pela área teve início com a política de não internação dos pacientes, regulamentada pela Constituição brasileira de 1988, extinguindo os chamados manicômios. Após a mudança, a especialidade a sofreu consequente redução do campo de trabalho.
Fonte: Associação Brasileira de Psiquiatria
Disponível em:<http://abp.org.br/2011/ medicos/imprensa/clipping-2>. Acesso em:10 abr. 2012.
Disponível em:<http://abp.org.br/2011/
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