Nós, que vivemos nossa infância e adolescência nas décadas de 50 ou 60, já dissemos e ouvimos muitas vezes a frase: “Bastava o olhar de meu pai...”. Ou ainda: “Meu pai não precisava nem falar!...” Nessa época, a autoridade paterna e o respeito que os pais impunham aos filhos nem de longe podiam ser questionados. Mesmo aqueles pais identificados como amorosos e próximos impunham um limite que muito dificilmente seria ultrapassado ou sequer questionado pelos filhos.
De lá para cá muitas águas rolaram. As mulheres foram à luta, conquistaram um lugar ao sol e, mais do que isso, mudaram a configuração da família na atualidade. Com os conhecidos acontecimentos das décadas de 60 e 70, os valores da família patriarcal foram, em sua maioria, colocados em cheque. Tudo que lembrasse uma relação de autoridade vertical passou a ser emblema de autoritarismo, portanto, alvo de veemente contestação.
Os jovens que fizeram as “revoluções” de 60 e 70 inauguraram uma geração de pais e mães que se propunham a construir novas relações com seus filhos, estabelecendo-as em outras bases. Idealizaram: “Seremos para nossos filhos o que nossos pais não foram para nós. Mais próximos e mais amigos. Não vamos lhes impor limites muito rígidos. Desta maneira, descobrirão o que é melhor para eles. Diminuiremos os conflitos de gerações e poderemos continuar conversando com nossos filhos aos 40, 50, 60 anos”. Mas, a maioria, empurrados pelos “ïmperativos” de modernização e de consumo, só puderam perseguir esse ideal como prescrição, ao pé da letra.
Substituíram a angústia da construção de um “novo modelo de ser pai e mãe” pela posição confortável de não serem pais, mas amigos. Vestiram-se e dançaram como os filhos, trocaram confidências sobre sexo e compartilharam drogas. Compactuaram com suas pequenas e grandes violências e transgressões. Acreditaram, assim, estar produzindo uma geração livre e responsável e não perceberam que ao se retirarem do lugar de pais, ao se colocarem no lugar de “amigos dos filhos”, não estavam construindo para eles uma alternativa. Ou seja, não construíram novas referências de pais, apenas fizeram com os filhos uma espécie de aliança para contestarem um modelo de pais. Daí os discursos, tão frequentes na atualidade, de que é difícil ser pai e mãe hoje em dia. Não se sabe como cuidar dos filhos. Não se sabe o que fazer com eles.
E assim assistimos perplexos ao surgimento de pais, ora impotentes e descabelados, ora extremamente violentos e desmedidos, buscando nas soluções mais radicais a forma de se relacionarem com os filhos. Quem lida hoje com crianças e adolescentes de todas as classes sociais – nas escolas, consultórios ou outras instituições – sabe que eles estão sendo estuprados, espancados e expulsos de casa.
Está na hora, portanto, de repensar nosso lugar de pais e de adultos responsáveis pelos cuidados e formação de novas gerações, para que não nos reste apenas o ideal impossível de resgatar os encantos, as doçuras e as amarras do “porto seguro” de um pai que bastava olhar. Afinal, não seria justo, nem com nossa geração nem com as gerações futuras, atirar no lixo as conquistas e os ideais de liberdade e de uma sociedade melhor.
Fonte: Revista Mente e Cérebro
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