Quando publicou o livro O Erro de Descartes (1994) para defender o papel da emoção dentro da racionalidade, o português Antônio Damásio marcava um ponto até então fora dos estudos de neurociência. Hoje, parte significativa da área se curva às questões apresentadas por ele. As pesquisas sobre cérebro abriram-se para os aspectos biológicos das decisões morais e deram origem a disciplinas que lidam com os vieses irracionais da nossa mente, como neuroeconomia, neuromarketing e economia comportamental. O papel da emoção nas decisões nunca foi tão considerado.
Em passagem pelo Brasil para fazer uma palestra no evento Fronteiras do Pensamento, o cientista falou a GALILEU sobre o risco do nosso atual consumo veroz informação: ele poderia estar deixando respostas emocionais em descompasso no cérebro. “Não há nenhum sinal de que consigamos despachar emoções na mesma velocidade que se despacham ideias.” Confira a seguir a íntegra da entrevista, em que o pesquisador também fala sobre diferenças entre emoção e sentimento, como cultura e biologia se alimentam simultaneamente e opina sobre os rumos da neurociência.
Há 20 anos você discute o papel das emoções no cérebro. O que se descobriu desde então?
A possibilidade de compreender o mundo afetivo junto com o intelectual. A neurociência antes tinha sido dominada por uma tentativa de compreender aspectos intelectuais da mente: linguagem, raciocínio. Pensava-se que isso era o que importava, mas a racionalidade não se pode separar do afetivo. Conseguimos nesses 20 anos fazer grandes avanços, perceber o mundo extraordinariamente largo das emoções e começar a compreender uma coisa que está ligada à emoção: o sentimento. Um recente artigo nosso trata do aspecto celular dos sentimentos, que estamos a investigar.
Qual a diferença entre emoção e sentimento?
A emoção é um programa de ações sucessivas, uma espécie de concerto de ações. É disputada pela mente, mas acontecem dentro do corpo, nos músculos, nos pulmões, nas reações endócrinas. Já os sentimentos são a experiência mental que temos daquilo que está a passar no corpo. As emoções pode-se ver por aquilo que se passa na minha cara, nos movimentos que faço. Os sentimentos você não pode ver. Se você sente uma profunda tristeza e quer se comportar como se estivesse alegre, vai me enganar porque eu não posso ler aquilo que se está a passar na sua cabeça. É uma diferença fundamental entre aquilo que é mental e aquilo que é comportamental.
Há esse componente biológico mesmo em emoções com valor moral, como a compaixão?
Emoções como admiração e compaixão possuem um componente biológico, um grande valor adaptativo. Na ligação entre a mãe e a criança: se não houvesse uma extrema ligação afetiva, em circunstâncias de compaixão imediata, não haveria sobrevivência possível. Já a admiração tem muito a ver com ligações de poder. É como se numa relação de poder um indivíduo acabasse por respeitar extraordinariamente outro que é mais forte. Isso acontece entre seres humanos, e também nas relações de dominância e subserviência entre primatas. O mais forte é o que berra mais, que pula e que os outros acabam por se submeterem. Como por exemplo a admiração que temos a uma pessoa que é moralmente superior, a uma pessoa que é mais habilidosa, como um músico, um grande escritor, é uma relação de subserviência intelectual.
Leia entrevista completa: http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,EMI340411-17770,00-A+INSENSIBILIDADE+DA+TECNOLOGIA.html
Fonte: Revista Galileu
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