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quinta-feira, 21 de julho de 2016

Na corrida contra a demência

Com o aumento da expectativa de vida, chegam também os “males” dos desgastes impostos pelo tempo. A demência, que nos rouba de nós mesmos, talvez seja um dos mais temidos

“Sorte daqueles que não têm de morrer”, diz um provérbio tibetano que volta e meia me vem à cabeça. A frase – ligeiramente irônica, já que a finitude é inevitável – tem como contexto a crença na lei de causas e consequências, segundo a qual teremos de nos haver com as repercussões de nossos atos, intenções e palavras – nesta ou em outras existências. E não porque tenhamos de ser castigados, mas sim porque prevalece a ideia de que nada nos acontece sem que, em algum momento, tenhamos criado as causas para isso. Fazendo uma releitura do ditado oriental, tomo a liberdade de dizer teríamos sorte se não tivéssemos de envelhecer. Esse desfecho não é inevitável, claro, mas a alternativa também não parece nada atraente. Na maioria absoluta, ansiamos pela vida. O problema é que com o aumento dessa expectativa chegam também os “males” dos desgastes impostos pelo tempo. A demência, que nos rouba de nós mesmos, talvez seja um dos mais temidos. 

O mais prevalente desses quadros, é a doença de Alzheimer. A patologia pode ter evoluído concomitantemente com a inteligência humana. Em artigo publicado há algumas semanas no periódico científico bioRxiv, cientistas afirmaram ter encontrado evidências de que há entre 50 mil e 200 mil anos a seleção natural impulsionou mudanças em seis genes envolvidos no desenvolvimento cerebral, o que pode ter contribuído para aumentar a conectividade neuronal, tornando os humanos modernos mais inteligentes à medida que evoluíram de seus ancestrais hominídeos. Essa nova capacidade intelectual, porém, não veio sem custo: os mesmos genes estão implicados no Alzheimer. O geneticista Kun Tang, do Instituto de Ciências Biológicas de Xangai, na China, que liderou a pesquisa, especula que o distúrbio de memória se desenvolveu à medida que cérebros em processo de  envelhecimento lutavam com novas demandas metabólicas impostas pela crescente inteligência. 

Mas essa é só uma parte da história: se a capacidade de aprender e memorizar nos penaliza, é ela também que acena com a possibilidade de afastar a manifestação do Alzheimer, às vezes por vários anos ou até por toda a vida. Nesta edição, o neurocientista David A. Bennett, diretor do Centro Rush da Doença de Alzheimer em Chicago, um dos mais renomados pesquisadores na área, revela uma descoberta surpreendente: pessoas com a mesma condição cerebral podem apresentar estado mental completamente diferente, enquanto uma perde a memória, outra se mostra lúcida e capaz. Ou seja, mais importante do que o estado físico dos tecidos, é o uso que se faz deles, apesar dos danos. 

Para ganhar a corrida contra a demência, duas armas são fundamentais: afeto e exercício intelectual. Apostar no que faz bem, manter pessoas queridas por perto, cultivar relações de intimidade, cuidar de animais e se divertir, movimentar o corpo, passear, falar mais de um idioma e aprender coisas contribui para postergar o surgimento do Alzheimer e diminuir o número de anos que se passa doente no fim da vida. Curiosamente, parece que a prevenção está justamente no que tende a nos tornar mais felizes. Boa leitura! 

Fonte: Scientific American Mente e Cérebro

Riscos reais da pornografia virtual

busca por esse tipo de conteúdo costuma estar associada à violência contra as mulheres, insatisfação com a aparência e dúvidas sobre o valor do relacionamento afetivo estável – o que pode causar prejuízos para as relações da “vida real”

É possível fazer sexo com um computador? Parece que sim. Não no sentido literal, claro, mas é fato que grande número de pessoas tem uma “vida sexual” on-line bastante ativa. E se por um lado a internet se institucionalizou como forma prática de encontrar parceiros – e posteriormente conectar-se a eles “cara a cara”, sem a mediação da rede –, sob muitos aspectos esse meio também oferece respaldo para sintomas psicopatológicos, alguns capazes de prejudicar o próprio internauta e também terceiros. É o que ocorre no caso da pedofilia, que obviamente não está restrita ao mundo virtual, mas é inegável que esse recurso favorece a localização de possíveis vítimas. Pensando em uma situação talvez menos grave, a pessoa pode usar a tecnologia para se esconder, evitando o comprometimento afetivo. Pesquisas recentes sugerem que o excesso de pornografia de forma geral – e pela internet em particular – pode trazer riscos à saúde psíquica. Embora seja hipocrisia atribuir a essa mídia tamanha “responsabilidade”, é indiscutível  que a grande quantidade de material disponível e o aparente conforto do anonimato apresentam facilidades.
A pornografia pela rede é acessível a um custo baixo, o que tornou sua prática um “passatempo popular” e uma das mais lucrativas áreas do comércio eletrônico (e-commerce), movimentando bilhões de dólares em todo o mundo. Uma pesquisa  com estudantes realizada pela psicóloga Chiara Sabina, da Universidade Harrisburg, do Estado da Pensilvânia, revelou que mais de 90% dos homens e 60% das mulheres assistiam a cenas de sexo pela internet antes dos 18 anos. Outro estudo da mesma pesquisadora mostrou que entre pessoas de 40 a 49 anos a taxa de uso tinha menos da metade da frequência. Isso sugere que o consumo de pornografia na internet pode diminuir com a idade – embora seja válido considerar que essa estatística reflete que talvez os mais velhos passem menos horas diante do computador. Outros estudos já haviam mostrado diferenças das atividades sexuais virtuais em relação ao gênero: os homens parecem ser os mais adeptos da pornografia, enquanto as mulheres preferem participar de salas de bate-papo sobre sexo, sugerindo que procuram contextos de interação.
Preço do consumo
Embora a maioria das pessoas que assistem à pornografia pela internet pareça ser apenas apreciadora ocasional, existe uma porcentagem que faz uso abusivo do conteúdo sexual disponível on-line. Em 2008, o pesquisador Alvin Cooper, na época do Centro Marital e da Sexualidade em San Jose, Califórnia, e seus colaboradores realizaram um estudo com mais de 9 mil voluntários que usavam a internet com fins sexuais. Pouco menos da metade deles – a maioria homens casados ou com uma relação estável – dedicava uma hora ou menos por semana a essa atividade. Entre os ocasionais a sites de pornografia e eventuais experiências sexuais on-line estejam participantes da pesquisa, 45% admitiram reservar uma a dez horas por semana; 8% usavam a internet com essa finalidade durante 11 horas ou mais semanalmente; e uma porcentagem pequena, mas significativa, relatou passar mais de 70 horas por semana envolvida nessa prática.

Essas evidências sugerem que o uso muito frequente pode estar associado a efeitos prejudiciais no psiquismo e nos relacionamentos. Alguns especialistas ainda argumentam que a pornografia pela internet pode causar dependência, mas o uso do termo nesse contexto é controvertido.

Nenhum estudo confirma que visitas ocasionais a sites de pornografia e eventuais experiências sexuais on-line estejam associadas a problemas comportamentais – mas há uma linha tênue entre o que pode e o que não pode ser considerado prejudicial. Alguns pesquisadores já investigam se mesmo o uso esporádico desse recurso pode causar efeitos negativos ao relacionamento, como tensão entre os parceiros e condutas agressivas contra as mulheres. Pesquisas mostraram associações entre quantidade de exposição à pornografia e aprovação de atitudes como dominar a parceira com violência no momento da relação. Essas vinculações são mais fortes em homens que assistem à pornografia violenta e já têm tendência à impulsividade e ao sadismo.

Outras descobertas aproximam o uso frequente da pornografia a atitudes como atribuir culpa às vítimas de abuso sexual, justificando as ações de perpetradores sexuais e reduzindo a violência do estupro. O interesse desmedido por pornografia geralmente é acompanhado de crueldade contra as mulheres, insatisfação com a aparência e o desempenho sexual do parceiro e dúvidas sobre o valor do relacionamento afetivo estável. Essas atitudes costumam levar à desvalorização da figura feminina e, em alguns casos, podem estar associadas à violência doméstica.

Ainda assim, será possível concluir que assistir à pornografia provoca crenças e atitudes misóginas? A maioria dos estudos mostra apenas uma associação estatística entre o uso da pornografia  e essas características, e não a relação direta entre interesse por esse tipo de conteúdo e desenvolvimento de comportamentos específicos. Por exemplo, embora o hábito frequente de ver pornografia possa realmente provocar atos violentos contra as mulheres, talvez a violência já praticada contra elas possa, por sua vez, induzir ao interesse por pornografia. Além disso, é preciso levar em conta características de personalidade de determinados homens (entre elas imaturidade psicológica e impulsividade) e fatores culturais que favorecem tanto a busca por material pornográfico quanto a inclinação a praticar maus-tratos contra mulheres.

Os pesquisadores também perguntaram às parceiras de frequentadores assíduos de sites de sexo como elas se sentiam em relação aos hábitos deles. A psicóloga Ana Bridges, da Universidade do Arkansas, e seus colegas descobriram que muitas se sentiam ansiosas e desaprovavam a atitude do companheiro. Do total, 42% afirmaram que os parceiros eram homens bastante inseguros; 39% disseram que o hábito produzia efeito negativo no relacionamento; e 32% admitiram que, em períodos em que os homens se voltavam mais à atividade, o relacionamento sexual era claramente prejudicado.

Forma de dependência

Mesmo que a pornografia seja prejudicial aos usuários e em alguns casos a seus parceiros, não é consenso que ela cause dependência. Cientistas discutem a adequação do termo para comportamentos compulsivos como jogar, fazer compras, usar a internet, fazer sexo e assistir à pornografia pela internet. Os que definem esses comportamentos como dependência argumentam que algumas ações exageradas compartilham características centrais com a adição de drogas e álcool, que incluem extrema tolerância e uso continuado, apesar dos efeitos negativos que provocam.

Já os opositores contra-atacam dizendo que, embora as pessoas possam praticar certas atividades em excesso com consequências danosas à própria vida, elas raramente desenvolvem tolerância ou sintomas claros caso reduzam a prática (como no caso da droga) – duas marcas registradas da dependência.

Fonte: Scientific American Mente e Cérebro
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terça-feira, 28 de junho de 2016

O mal da internet

Aproveitando a rapidez da comunicação e escorados no anonimato, haters e trolls proliferam cada vez mais seus atos de crueldade na internet, provocando cyberbullying, com consequências psicológicas dramáticas.

Shutterstock

Se uma pessoa posta uma foto ou um comentário em uma rede social e dez pessoas compartilham para outras dez, já seriam 100 pessoas; se compartilhassem cada uma delas para outras dez, seriam 1.000 pessoas; e 10.000, 100.000, 1.000.000 e assim por diante, se cada pessoa que compartilha compartilhasse para outras dez pessoas. E esse é um resultado que pode acontecer em poucas horas.
A internet, com seus blogs, redes sociais, sites de relacionamento, lojas virtuais, moeda própria etc. é um campo totalmente novo para aqueles que nasceram antes da última década, quando computadores e celulares computadores não se faziam acessíveis, ainda engatinhavam em sua tecnologia, longe de se mostrarem viáveis para utilização de massa. E, sendo assim, essa nova forma de comunicação surge com um paradigma muito diferente, e os padrões de quem viveu os velhos tempos se perdem no contexto de uma velocidade de comunicação extremamente rápida, como acontece na internet.
Outra diferença importante do contexto virtual é que nos velhos tempos a realidade objetiva e a realidade psíquica interagiam diretamente nas relações, ou seja, havia a garantia de que uma pessoa real interagia com outra pessoa real. Na internet não é necessariamente assim.

Fonte: Revista Psique

O homem das cavernas e a mulher telepata

Ele se recolhe e se isola; ela tenta compensar o déficit de palavras adivinhando o que seu parceiro quer dizer

Psicanalistas e psicólogos que atendem casais ou que se dedicam a mitigar o sofrimento conjugal estão acostumados a enfrentar aquela situação na qual um se retira silenciosamente da discussão, ainda que permaneça de corpo presente, e o outro desliza suas queixas e demandas para uma espécie de monólogo sermonístico, por meio da qual suas razões são continuamente reforçadas e autoconfirmadas. Esse circuito discursivo dá origem a dois tipos subclínicos em ascensão na cultura contemporânea da judicialização das narrativas de sofrimento: o homem das cavernas e a mulher telepata. 

O homem das cavernas caracteriza-se pelo recolhimento e isolamento, particularmente diante de uma decisão ou escolha difícil. Como se ele tivesse que ter a resposta completa e acabada do problema, antes de apresentá-la para seu parceiro ou parceira. Tudo se passa como se ele se recolhesse ao gabinete para meditar e saísse de lá apenas com o comunicado oficial em mãos. Ele sofre, portanto, com a dificuldade de enfrentar a contingência conversacional, na qual motivos, causas e razões são compartilhados com o interlocutor diante de uma troca cuja conclusão não está prédefinida.
A mulher telepata tipicamente tenta compensar esse déficit de palavras e manifestações, adivinhando o que seu parceiro quer dizer. Ela coloca palavras e antecipa juízos, caminhando da convicção constituída sobre quem é o outro e o que ele quer, para uma espécie de narração imaginária sobre o conteúdo mental de seu interlocutor. Ela sofre, portanto, com a impossibilidade de situar-se na conversa uma vez que seu interlocutor fechou-se em si mesmo. Isso dificulta a construção comum de um horizonte para a conversa, que redunda na tentação da telepatia, trazendo para a fala palavras e ilações que efetivamente não foram ditas, ou foram pronunciadas em outros contextos.
Assim posto, o tratamento para esse estereótipo parece simples. Trazer à luz o homem das cavernas, ainda que platonicamente ele prefira as sombras de seu próprio desejo ao excesso de luz da realidade do desejo do outro. Por outro lado, trata-se de reduzir a força dos raios telepáticos, ainda que para renunciar, dolorosamente, a toda a verdade sobre o desejo do outro. Verdade pela qual estamos possuídos e que nos protege do enunciado insuportável sobre o que desejamos, mais além do desejo do outro. Estamos falando de estereótipos, ou seja, do grego “estéreo typos” impressão sólida – ou, a partir de 1798, a placa móvel com a qual se imprime livros. Os estereótipos não são só imagens de pessoas, reduzidas a tipos imóveis, sobre os quais nossa telepatia pode operar livremente. Eles são também discursos estereotipados que nos fazem sofrer por sua monotonia e nos constrange a deixarmos nossa palavra plena dentro da caverna de si.
O casamento patológico entre a louca que fala sozinha com seu desejo, e o covarde silencioso que fala sozinho com seus pensamentos, é ainda um casamento. É uma maneira de fazer a relação sexual existir, de tentar emparceirar demandas e proporcionalizar os sexos. O “estere-óptico” discursivo da relação entre este homem e esta mulher, ainda que aliado de uma distribuição específica de poder, é uma maneira de localizar o conflito, de saber do que ele é feito, mas também de esquecer que ele é insolúvel, e de praticar este esquecimento a dois.  

Fonte: Scientific American Mente e Cérbero

Efeitos do neurofeedback são devidos ao efeito placebo?

Efeito do neurofeedback são devidos ao efeito placebo?
O neurofeedback mostra os registros da atividade cerebral do paciente em tempo real, para que ele aprenda a controlar essa atividade.
Neurofeedback
Tratamentos de neurofeedback - ou retroinformação neurológica - usando eletroencefalografia já conquistaram milhares de praticantes, que utilizam a técnica para melhorar a função normal do cérebro e aliviar uma grande variedade de transtornos mentais, da ansiedade ao alcoolismo.
Contudo, depois de examinar a literatura científica e consultar especialistas na Europa e nos EUA, os pesquisadores Robert Thibault e Amir Raz, da Universidade McGill (EUA), afirmam que a alegada melhora clínica dessa terapia cada vez mais popular é devida ao efeito placebo.
"O neurofeedback simulado gerou tantas melhoras quanto o neurofeedback verdadeiro com eletroencefalografia. Os pacientes gastam milhares de dólares e dedicam até seis meses treinando seu cérebro com neurofeedback. No entanto, eles estão lapidando processos elusivos do cérebro," escreve a dupla na revista científica Lancet Psychiatry.
Influências psicológicas e sociais
Os pesquisadores recomendam que as futuras pesquisas sobre o tema devem ter como foco as influências psicológicas e sociais que são responsáveis pela melhora clínica observada durante esses tratamentos.
Ou seja, eles reconhecem que o processo gera melhoras; contudo, como não puderam explicar essas melhoras pelo uso da técnica, eles consideram que deve haver outros fatores que as estejam gerando.
Também é necessário, segundo eles, estudar como aplicar esses elementos "de uma forma que seja ao mesmo tempo cientificamente criteriosa e eticamente aceitável".
Mas eles fazem uma ressalva: ao contrário do neurofeedback com eletroencefalografia, os estudos que usaram a técnica de ressonância magnética funcional "parecem abrir uma rota promissora, ainda que frágil [com base nas evidências atuais]" para o cobiçado "cérebro auto-regulado".
Fonte: Diário da Saúde

sexta-feira, 13 de maio de 2016

Dislexia: um problema da escola?

A dificuldade de apreensão de informações pelos métodos tradicionais não compromete a capacidade intelectual e requer apenas adequações na forma de ensinar e aprender

A dislexia foi registrada pela primeira vez em 1890, quando um paciente foi até o oftalmologista porque não conseguia ler, mas o médico avaliou que sua visão estava perfeitamente normal. Por esse motivo, por algum tempo foi chamada de cegueira verbal. Posteriormente, foram encontradas algumas evidências biológicas para o transtorno. A primeira delas veio a partir de estudos de anatomia que mostram que, nos disléxicos, ocorre frequentemente uma migração diferenciada dos neurônios no desenvolvimento do feto. Isso faz com que os hemisférios tenham um desenvolvimento igual, como acontece nos canhotos, em vez de diferente e com a dominância de um deles, como é o mais comum.

Imagens de ressonância magnética funcional, feitas enquanto o paciente está lendo, mostram que vias diferentes das normais são usadas por essas pessoas. Vários profissionais trabalham com a hipótese de que a dislexia seja determinada pela predisposição genética. “A probabilidade de dislexia se o pai ou a mãe tem a doença é de 50%; se ambos, 75%”, afirma Maria Inez de Luca, neuropsicóloga e membro da equipe de avaliação para diagnóstico da Associação Brasileira de Dislexia (ABD).
Questões sobre o tema, entretanto, não são consensuais entre especialistas. “A dislexia não tem uma causa orgânica, é um problema de aprendizado e, portanto, deve ser tratada dentro da escola”, acredita a pediatra Maria Aparecida Moysés, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “A hipótese mais comum para o aluno com dificuldade é que ele tenha problemas familiares ou alguma deficiência. Geralmente, o universo escolar não é considerado. Em geral, são as precariedades da escola que geram um grande número de alunos com dificuldades no aprendizado”, diz Beatriz de Paula Souza, psicóloga e coordenadora do serviço de orientação à queixa escolar do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP). Aparentemente, no entanto, a dislexia não é uma exclusividade das escolas fracas. “A dislexia aparece também em famílias instruídas e em escolas de qualidade”, diz o neurologista Abam Topczewski. (Da redação)

Fonte: Scientific American Mente Cérebro

Vale a pena viver sem estresse?

Todos nascemos com um nível de tensão esperado; sua falta é percebida de forma negativa

Estresse em excesso faz mal, ninguém duvida. Mas seria possível – ou conveniente – viver sem ele? Seria possível considerar, por exemplo, que entre as causas do definhamento das pessoas mais idosas está a falta de novidades e de solicitações externas?


A hipótese foi proposta pelo pesquisador Enrico Alleva, etólogo do Instituto Superior de Saúde, na Itália, onde estuda os mecanismos biológicos que estão na origem dos comportamentos animais.
Ele ressalta que há uma fase ontológica na vida da espécie e uma na do indivíduo em que se estabelece o nível de estresse que dele se espera, certo número de solicitações de que terá necessidade durante toda a vida. O sistema nervoso dos animais superiores é plástico e sujeito a modificações. Em alguns períodos do desenvolvimento há, porém, uma maior ou menor sensibilidade a essas mudanças. É estimulada então a produção de hormônios – por exemplo, a oxitocina ou o hormônio do crescimento – e são esses que marcam o cérebro e dão forma aos circuitos de reações aos estímulos que orientarão o comportamento do adulto.

Um adolescente que cresceu em um ambiente estimulante, rico de acontecimentos e emoções, tenderá a procurar essa mesma vivacidade quando adulto. A vida social, em particular, está associada às relações com a mãe e com o grupo primário; o adulto carregará a marca dessas relações até a velhice.
“Essa é a razão pela qual o estresse é fator importante para a qualidade de vida dos idosos”, explica Alleva. “A pessoa que vive sob certo nível de estresse ligado à presença de outras pessoas na casa, a atividades profissionais ou a uma vida social intensa sofre uma espécie de involução quando fica sozinha e sem obrigações.”
O médico Hans Selye foi o primeiro a usar, em 1936, a palavra “estresse” para indicar a “síndrome produzida por vários fatores nocivos”, em trabalho publicado na revista Nature. Poucos anos antes, entre 1910 e 1920, Walter Cannon havia introduzido o termo em fisiologia, transportando-o do jargão da engenharia. Stress, em inglês, significa “esforço, tensão”, e era usado principalmente por engenheiros para indicar a capacidade de resistência de uma ponte. Essa imagem se adaptava bem ao significado de estresse como resposta a mudanças: passagem de um ponto a outro, como através de um caminho mais ou menos resistente.
Não é de espantar, portanto, que os ingleses já usassem o termo no século 14. Mas a origem da palavra começa muito antes, no latim. No jargão popular, ditrictia significava aperto, angústia ou aflição. Os franceses a transformaram em détresse (também usado como sinônimo de angústia) e os italianos receberam de volta o neologismo que tem suas raízes no verbo strizzare. Na linguagem comum é sinônimo de cansaço, fadiga, ansiedade e preocupação, significados que acabam por trocar a causa pelo efeito. Esse equívoco não é raro em medicina.
O mesmo ocorreu, por exemplo, com o termo colesterol, entendido como algo nocivo e sintoma de doença, antes de ser reconhecido como um dos componentes indispensáveis das células e do metabolismo. O fato é que sem colesterol, assim como sem nenhum tipo de estresse, certamente nenhum de nós estaria aqui. 

Fonte: Scientific American Mente Cérebro

Veja como a expressão não verbal mostra sinais da depressão

Expressão não verbal ajuda a diagnosticar a depressão
Nem todos os quadros de depressão são tão visíveis. Assim, medições objetivas da linguagem corporal podem ajudar no diagnóstico.
Diagnóstico da depressão
Pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo) desenvolveram uma nova técnica para ajudar a diagnosticar a depressão.
"Geralmente, o diagnóstico da depressão e a avaliação dos resultados do tratamento são feitos mediante a aplicação de questionários-padrão. Esse tipo de instrumento tem a vantagem de estabelecer uma linguagem comum, universal.
"Mas depende essencialmente daquilo que a pessoa fala. E negligencia um outro aspecto, o da comunicação não verbal, que é exatamente aquilo que a pessoa não fala. Nossa pesquisa teve por foco esse outro aspecto," explica Clarice Gorenstein, que desenvolveu a nova metodologia com sua colega Juliana Teixeira Fiquer.
Expressão não verbal
A expressão não verbal, que diz "aquilo que a pessoa não fala", é definida por um amplo conjunto de parâmetros corporais, como postura de ombros e cabeça; movimentos de cabeça, gerais ou de concordância/discordância; curvatura da boca; sorriso (simétrico ou assimétrico), movimentações de sobrancelhas (testa franzida; levantar de sobrancelhas); contato ocular; corpo inclinado na direção do entrevistador, silêncio, choro, entre outros.
"Esses parâmetros podem ser observados de maneira genérica ou de modo sistemático. Nossa pesquisa buscou exatamente definir uma metodologia de observação sistemática - algo sobre o qual havia muito pouco estudo, principalmente no Brasil", explicou a pesquisadora.
A diferenciação entre as pessoas com e sem depressão foi claramente percebida quando os parâmetros corporais foram medidos de maneira objetiva.
"Considerando apenas alguns exemplos, em uma escala de pontuação de 0 a 10, foram obtidos os seguintes resultados: sorrisos, 2,3 para o grupo-controle e 1,0 para o grupo-depressão; contato ocular, 8,4 e 6,8. Já os escores do grupo-depressão foram maiores do que os do grupo-controle em relação às variáveis choro (0,8 e 0) e cabeça curvada para baixo (1,8 e 0,7)", contou Clarice.
Comportamentos sugestivos de interesse social e afetos positivos
Comportamentos sugestivos de desinteresse social, isolamento, afetos negativos
Corpo para frente (na direção do entrevistador)
Ombro baixo/encolhido
Cabeça Inclinada para a lateral
Cabeça curvada para baixo
Cabeça inclinada para cima
Braço cruzado
Movimento afirmativo de cabeça (Fazer "sim" com a cabeça)
Movimento negativo de cabeça (Fazer "não" com a cabeça)
Gestos ilustradores - movimentos com as mãos para ilustrar o que é dito
Gestos adaptadores - Movimentos com as mãos de automanipulação ou manipulação de objetos, sem função clara.
Contato ocular com o entrevistador
Boca curvada para baixo
Continuidade da conversação -vocalizações de interesse e concordância mediante a fala do entrevistador (ex."hum – hum")
Boca apertada/achatada
Sorriso simétrico, considerado associado a emoções positivas genuínas
Sorriso com a boca "torta" (assimétrico), considerado ambivalente, associado a emoções também negativas, como "estar sem graça".
Rir/ dar gargalhada
Chorar
Levantar sobrancelhas
Franzir a testa
Falar
Ficar em silêncio
Resposta automática
Além disso, as comparações entre voluntários com e sem depressão permitiu mostrar que a expressão não verbal pode confirmar ou desmentir a expressão verbal, o que reforça o interesse em incorporá-la ao processo de diagnóstico e avaliação.
"A comunicação não verbal é uma resposta reflexa. E, a menos que haja da parte do entrevistado uma determinação e uma capacidade muito fortes de controlar a linguagem do corpo, esta tenderá a expressar aquilo que não é exposto na fala, que não passa pelo crivo da fala.
"Principalmente no contexto clínico, a pessoa pode querer mostrar uma melhora, que efetivamente não teve, ou pode tentar esconder uma melhora, com medo de perder o atendimento. A comunicação não verbal ajudará o avaliador a formar um quadro mais realista", concluiu a pesquisadora.
Fonte: Diário da Saúde

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Relacionamento no ciberespaço: Amores tecnológicos

Entenda as razões que levam cada vez mais pessoas a fazerem uso dos aplicativos de relacionamentos na tentativa de combater a solidão

shutterstockA solidão sempre assombrou os seres humanos. Muito se escreveu sobre essa angustiante sensação. Para a maioria, a profilaxia para essa dor é o encontro de um amor na vida. Se por um lado o senso comum tende a mitificar os desencontros amorosos, também supervaloriza a paixão. Essa última é descrita como um estado de consciência alterado e a origem etimológica da palavra diz muito sobre a sensação que provoca: do latim passio-onis e do grego pathos (doença).
Para Freud, "as neuroses são determinadas pela história de amor do indivíduo". As relações conjugais são, portanto, consequência do famoso e controverso complexo de Édipo e seu respectivo desenlace. Porém, entre as teorias psi que abordam o tema, existe aquela de um psicanalista, também austríaco, que propõe uma hipótese que explica a busca obsessiva por um amor, na qual muitas pessoas se lançam durante a vida.
Relativamente pouco conhecido no Brasil (fora do círculo psicanalítico), Otto Rank foi, dentre os psicanalistas que não possuíam formação médica, provavelmente o mais influente da história. Foi protegido, seguidor e posteriormente dissidente de Freud. O principal motivo do respectivo afastamento entre os dois foi uma tese que retirava do complexo de Édipo o principal determinante pela construção da afetividade e sexualidade humana. Para Rank, o nascimento é o evento propulsor que dá origem a nossa busca por uma companheira ou um companheiro, que, de alguma forma, poderia nos proporcionar a sensação de total aceitação e pertencimento que experimentamos no útero da mãe.
Em sua visão, seria então essa procura a mais angustiante e frustrante das missões humanas, já que a reedição das experiências proporcionadas pelo acolhimento incondicional e tridimensional materno, impressa na nossa memória afetiva, jamais seria reeditada por ninguém. Rank aponta no nascimento também a gênese da angústia primordial de qualquer ser humano: a sensação de rejeição. Segundo ele, ao nascer, somos expulsos do "paraíso" e seria a partir desse evento que estaríamos condenados a uma vida de busca onde apaixonar-se e ser rejeitado seria uma constante.

Respaldo
Curiosamente, a tese de Rank - que foi respaldada por importantes psicanalistas dissidentes de Freud, como Sándor Ferenczi e Michael Balint, entre outros - foi reforçada por outras áreas de estudos do psiquismo. Uma em especial - diga- -se de passagem, bem distante da epistomologia freudiana - surgiu a partir de experiências propostas pelo psiquiatra Stanislav Grof e seus estudos sobre estados alterados da consciência. Considerado um dos nomes mais proeminentes da chamada Psicologia Transpessoal, Grof propôs um exercício conhecido como "respiração holotrópica", onde o indivíduo, ao promover uma hiperventilação do cérebro, geraria uma sensação de retrocognição. Isto é, de maneira subjetiva, seria possível, entre outros eventos, reavivar experiências determinantes da nossa biografia, inclusive as sensações do nascimento. Os relatos sobre o impacto da experiência corroboram a teoria de Rank sobre a angústia do nascer e a gênese da sensação de rejeição e desamparo que afligem todos seres humanos.
Óbvio que como toda teoria psicanalítica, a impossibilidade de se comprovar de maneira científica torna a ideia de Rank mais uma especulação que poderia explicar, de forma apropriada, a busca quase obsessiva por amores para se dividir a experiência do existir. Já por um viés evolucionista, sabemos que impulsionados pelo determinismo biológico a busca por parceiros afetivos/sexuais sempre foi uma das preocupações mais urgentes de qualquer ser humano. Constituir famílias foi a forma de se preservar a espécie. É natural que a angústia gerada pela solidão seja cultuada e mitificada como a grande inimiga a ser combatida a qualquer custo. Mas a que preço? Como se posicionar numa época em que o casamento como instituição se mostra tão vulnerável e frágil? Vivemos uma espécie de pós-modernismo afetivo. Um momento onde um olhar para a alma vai se tornando tão raro quanto a disposição para fugir da superficialidade com que as relações afetivas são acometidas nas últimas décadas.

shutterstock
A angústia provocada pela solidão é, geralmente, cultuada e mitificada como sendo a grande inimiga a ser combatida
Dualidade

Entramos na era onde modernos aplicativos de relacionamentos permitem que pessoas se conheçam numa alucinante velocidade. Verdade que, se por um lado, esses programas dão aos tímidos a chance de "queimar" a primeira etapa dos jogos de conquistas e aumentar à enésima potência a possibilidade de conhecer pessoas, na mesma proporção expõem os participantes desse "jogo" à temível sensação de rejeição. Esses aplicativos são também a "armadilha" perfeita para os incautos que se apaixonam pela ideia de se apaixonar, buscando um parceiro apenas como coadjuvante para essa fugaz sensação. Nesses casos, encantamentos e desencantamentos se alternam como o trocar de roupa. É necessário estar preparado para esse jogo. Sábias as palavras de Fernando Pessoa quando escreveu: "Enquanto não atravessarmos a dor de nossa própria solidão, continuaremos a nos buscar em outras metades. Para viver a dois, antes, é necessário ser um".
Fernando Savaglia é psicanalista e docente da Sociedade Paulista de Psicanálise.

Fonte: Revista Psique

Não existe uma pílula para cada problema da vida

Líder da equipe que elaborou o manual usado ao redor do mundo para diagnosticar transtornos neurológios (DSM-IV), o psiquiatra americano Allen Frances questiona o que chama de "epidemia de TDAH"

Donna Manning
O psiquiatra Allen Frances afirma que a natureza humana é bastante estável, mas os sistemas de diagnósticos não são
Qualquer mudança no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), referência mundial da Psiquiatria, pode tirar milhões de pessoas do campo da normalidade. Consciente disso, o psiquiatra americano Allen Frances, líder da equipe que elaborou a redação da quarta e mais importante revisão da publicação, o DSM-IV, recusou praticamente todas as sugestões de transtornos a serem incluídos no manual. Mas com relação ao déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), achou pertinente afrouxar um pouco os critérios para facilitar sua identificação entre as meninas.
Com as mudanças nos critérios do diagnóstico, em 1994, Frances calculava que a incidência de casos fosse aumentar de forma muito discreta, mantendo-se dentro dos 2% a 3% da população infantil. Mas os ajustes na definição somaram-se a uma combinação de fatores sociais e culturais que as garras oportunistas da indústria farmacêutica não deixaram escapar. E o índice de diagnósticos do transtorno disparou no mundo todo, chegando a quadruplicar nos Estados Unidos.
Frances não nega sua parcela de culpa. Por isso foi incapaz de observar passivamente o fenômeno do hiperdiagnóstico - do qual o TDAH é um bom exemplo, mas não o único.
Abandonou a tranquilidade da aposentadoria para sair em defesa da normalidade. Lançou-se a um trabalho de conscientização da necessidade de repensarmos os limites que separam o normal do patológico. Limites que ficaram ainda menos nítidos com o lançamento da quinta revisão do manual (DSM-5), em 2013, trazendo uma série de novos distúrbios e, no caso do TD

Donna Manning
Os idosos costumam fazer uso excessivo das benzodiazepinas, que causam confusão mental e problemas de memória

Como a indústria farmacêutica estimula a venda de medicações psicotrópicas em países onde a propaganda direta ao consumidor é proibida, como no Brasil?

Allen Frances: Não sei se isso vale para o Brasil, mas nos Estados Unidos a indústria ainda gasta uma fortuna com marketing dirigido a psiquiatras, pediatras, clínicos gerais, além de pais e professores. E os problemas que criamos nos EUA geralmente são rapidamente espalhados ao redor do mundo.


Em Saving Normal, com lançamento no Brasil previsto para março do ano que vem, Frances faz um apelo pela busca da normalidade perdida: questiona o fato de estarmos transformando problemas sociais em distúrbios psiquiátricos tratados com pílulas

Você acredita que a popularidade da teoria do "desequilíbrio químico", reforçando a falta de uma substância no cérebro, que só pode ser "reposta" com medicação, afasta as pessoas de soluções que dependem mais de suas próprias capacidades de cura?

Frances: A indústria farmacêutica gasta bilhões divulgando sua teoria do desequilíbrio químico e lançando uma pílula para cada padrão de problema. Mas não há um orçamento para o marketing da resiliência humana.


Você acredita que o estilo de vida moderno é, de alguma forma, responsável pelo aumento nas taxas de doenças mentais?

Frances: A vida sempre foi difícil e nós sempre respondemos às diferentes dificuldades com resiliência. A natureza humana é bastante estável, mas os sistemas de diagnósticos não são. Pequenas mudanças em como distúrbios mentais são definidos resultam em grandes mudanças nos índices - que na verdade não significam nada.


Sobre o DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), você já mencionou que "o livro como foi escrito é diferente do livro como é interpretado". Esse mau uso do manual pode ser considerado como a principal causa da inflação diagnóstica ou a expectativa dos pacientes também mudou e eles hoje pressionam mais os médicos a prescrever psicotrópicos?

Frances: A indústria farmacêutica é a maior responsável pela inflação dos diagnósticos. Ela transforma doença em marketing, vende problemas mentais e pressiona o consumo de pílulas até para situações que não respondem a tratamentos fármacos. Os médicos com frequência prescrevem medicamentos rapidamente e displicentemente para tratar problemas que eles não compreendem em pacientes que mal conhecem. E, sim, os pacientes realmente querem uma solução rápida para tudo. Mas não existe uma pílula para cada problema da vida.

Há 25 anos, a indústria de tabaco estava na mesma posição que hoje está a indústria farmacêutica - exercia grande influência sobre autoridades e ficou iludindo a sociedade durante décadas


O grupo etário que mais consome medicamentos psicotrópicos é o da terceira idade, certo? Poderia explicar o que está por trás desse fato?
Frances: As pessoas dessa faixa etária fazem uso excessivo das benzodiazepinas (ansiolíticos normalmente usados para ajudar no sono) que causam, entre outros problemas, quedas, confusão mental e problemas de memória. E muitos também recebem antipsicóticos, que reduzem a expectativa de vida. Na maioria dos casos, as drogas que são receitadas como forma de acalmar a agitação poderiam ser evitadas se mais tempo fosse dedicado a eles e com mais contato humano.

Gostaria de abordar o impacto do efeito placebo no tratamento psiquiátrico. Qual o papel da expectativa do paciente na sua recuperação?
Frances: O placebo é a melhor medicação que já existiu, com o maior e mais favorável custo-benefício. É o que melhor funciona em problemas mais leves. O paradoxo é que, enquanto a maioria das pessoas acredita que precisa de medicação sem na verdade precisar, aqueles com problemas mais severos, que, de fato, se beneficiariam dos remédios, não são tratados.

O índice de adolescentes e pré-adolescentes medicados com antidepressivos é muito alto. Esse tratamento é seguro e eficaz nessa fase?
Frances: Na maioria das vezes eles não são eficazes na infância e adolescência e podem causar agitação e irritabilidade, aumentando o risco de suicídio e violência.

Que alternativa a esses tratamentos você recomendaria a adolescentes com alto nível de ansiedade?
Frances: A Psicoterapia está sendo muito pouco usada e pode ser muito eficaz. Exercício físico e envolvimento em esportes também trazem ótimos resultados.

Muitas escolas exigem um diagnóstico psiquiátrico para fornecer adaptações às necessidades das crianças com dificuldade. Essa sistematização no lugar da diferenciação contribui para o exagero dos 
diagnósticos? 

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A indústria farmacêutica gasta bilhões divulgando sua teoria do desequilíbrio químico e lançando uma pílula para cada padrão de problema. Mas não há um orçamento para o marketing da resiliência humana

Frances: É um fator importante, mas não a causa primária da epidemia de falsos TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade). Ao invés de encarar problemas no sistema educacional causados por salas de aula com muitos alunos e pouca atividade física, a sociedade está rotulando indevidamente crianças ativas e com frequência tratando-as com estimulantes. O melhor preditor do diagnóstico de TDAH é o mês do aniversário: o mais novo da sala tem uma chance muito maior de ser rotulado que o mais velho. É ridículo tornar a imaturidade na infância uma doença e medicá-la. Nos Estados Unidos, nós gastamos quase U$ 10 bilhões ao ano com drogas para TDAH - recurso que seria muito mais bem gasto se fosse investido em melhorias nas escolas.

Na avaliação de Frances, os grandes fabricantes de medicamentos são os maiores responsáveis pela inflação dos diagnósticos
Os fabricantes dos estimulantes conhecem os efeitos de longo prazo do uso da medicação na infância?

Frances: Ninguém sabe os efeitos, em longo prazo, de mergulhar cérebros ainda imaturos em estimulantes poderosos por vários anos. Sem querer e de forma irresponsável, estamos fazendo uma experiência mundial descontrolada com as crianças, usando-as como ratos de laboratório sem seu consentimento e sem que seus pais sejam devidamente informados antes de concordar. E como você disse, estimulantes são usados quase como doces. Eu defendo uma avaliação lenta e muito cautelosa do TDAH e o uso do tratamento farmacológico apenas como último recurso.

É comum a prescrição de estimulantes por clínicos gerais ou pediatras?
Frances: Nos Estados Unidos, 60% das drogas para tratar TDAH são prescritas por médicos de "cuidados primários", que geralmente têm pouco tempo e pouco conhecimento em relação a transtornos psiquiátricos. Não fazem o acompanhamento sistemático e são frequentemente influenciados pelos representantes das marcas de medicamentos.

FEITO POR QUEM JÁ ESTEVE DO OUTRO LADO
Lançado em 2013 nos Estados Unidos, Saving Normal ("salvando o normal", em tradução livre) é o que o autor Allen Frances define de uma revolta contra o descontrole dos diagnósticos psiquiátricos, o DSM-5, a indústria farmacêutica e a medicalização da vida cotidiana. Não se trata de um desabafo qualquer. É feito por quem já esteve do outro lado - fez parte da construção do sistema de diagnóstico, ao assumir a frente da redação do DSM-IV - e acompanhou de perto as investidas da indústria para conquistar e até comprar médicos e enganar pacientes.
Um dos mais respeitados nomes da Psiquiatria no mundo todo, Frances, que também comandou o Departamento de Psiquiatria da Universidade de Medicina de Duke, mostrou que não deve nada a ninguém ao expor alguns absurdos dos bastidores da Medicina. Ao relatar as falhas do sistema de diagnóstico, que acabam favorecendo a ação da indústria em fazer todos acreditar que estão doentes, ele mostra o que está por trás da explosão de diagnósticos de diversos transtornos psiquiátricos.
Ainda antes da publicação da quinta revisão do DSM, ele sabia que a sociedade estava sob o risco de se expor ainda mais à medicação desnecessária, pois já havia vivenciado essa experiência, que ele chama de "dolorosa". "Apesar dos nossos esforços para evitar a exuberância de diagnósticos, o DSM-IV vem desde então sendo usado de forma errada, estourando a bolha dos diagnósticos. Mesmo tendo sido modestos em nossos objetivos, meticulosamente obsessivos em nossos métodos, e rigidamente conservadores com nosso produto, nós falhamos em prever e prevenir três novas falsas epidemias de transtornos em crianças - autismo, déficit de atenção e hiperatividade e bipolaridade", narra em seu livro. Como consequência desse descontrole, diz, as pessoas estão confiando, e dependendo de forma excessiva, em antidepressivos, antipsicóticos, ansiolíticos e remédios para dormir. "Estamos nos tornando uma sociedade de viciados em comprimidos. Um em cada cinco americanos consome pelo menos uma droga para problemas psiquiátricos", completa.
Saving Normal já foi traduzido para 12 idiomas e será lançado em português pela Versal Editores. A previsão de lançamento é março do ano que vem.

Os médicos com frequência prescrevem medicamentos rapidamente e displicentemente para tratar problemas que eles não compreendem em pacientes que mal conhecem. E os pacientes realmente querem uma solução rápida para tudo

De que forma o DSM -IV contribuiu para o aumento dos diagnósticos de TDAH e qual era a real intenção da sua equipe?

Frances: Afrouxamos um pouco os critérios para facilitar o diagnóstico entre as meninas, que geralmente apresentam mais problemas de desatenção sem a hiperatividade. Uma pesquisa de campo muito cuidadosa previu o aumento de cerca de 15% na quantidade de diagnósticos. Mas a incidência quadriplicou, especialmente por causa do marketing da indústria farmacêutica. Em 1997, três anos após a publicação do DSM-IV, as companhias surgiram com novas drogas caras e patenteadas e coincidentemente também ganharam o direito de fazer propaganda diretamente ao consumidor (nos Estados Unidos). Isso deu à indústria os meios e métodos para vender o TDAH como doença, para que pudesse divulgar suas pílulas de estimulantes.


Depois da publicação do DSM -5, em 2013, podemos dizer que as mudanças nos critérios de diagnóstico do TDAH favoreceram o aumento ainda maior da incidência?

Frances: Os critérios foram afrouxados ainda mais, facilitando particularmente o diagnóstico indevido em adultos. Isso é inacreditavelmente estúpido e leva ao abuso massivo de diagnóstico como um meio de se conseguirem drogas estimulantes para uso recreativo ou aumento de performance.


Inúmeros problemas psiquiátricos podem piorar com o uso de estimulantes, como ansiedade, psicose e problemas do sono
Você defende que a prevalência real de TDAH flutua entre 2% e 3%. Já que não existe comprovação biológica do distúrbio, o que deveria ser levado em consideração para se certificar de que a criança pertence a esse pequeno grupo? E para esses, a medicação é sempre necessária?
Frances: Severidade, cronicidade, início precoce, prejuízos, histórico familiar. Ainda assim, apenas uma parte dos que se encaixam nessa categoria severa e clássica pode se beneficiar do estimulante. Para essas crianças não existe uma regra geral sobre quanto tempo deve ser mantida a medicação - depende da severidade dos sintomas. Mas deve-se testar a retirada do estimulante de tempos em tempos.


Que tipos de problemas psiquiátricos podem piorar com o uso de estimulantes?

Frances: Transtornos de humor, ansiedade, psicoses, problemas do sono e desordens relacionadas ao uso de substância.

Os antipsicóticos também estão ficando muito populares entre crianças e adultos com diferentes diagnósticos. Existem estudos suficientes sobre a eficácia e segurança dessas drogas?

Frances: Antipsicóticos devem ser usados apenas em casos psiquiátricos seveseveros. Ao invés disso, eles são prescritos com frequência e sem muito critério, sendo que, além de reduzir a expectativa de vida, podem causar aumento de peso e diabetes.


O placebo é a melhor medicação que já existiu, com o maior e mais favorável custo-benefício. É o que melhor funciona em problemas mais leves

Como podemos saber quando confiar nos dados de uma pesquisa relacionada a saúde mental e tratamento farmacológico?

Frances: O melhor é ficar cético com relação aos dados de todas as pesquisas. A maioria não se confirma. Apenas aquelas que atestam a eficácia dos medicamentos - as positivas - são publicadas. E os estudos promovidos pela indústria valem menos do que nada.


Sobre o uso excessivo de psicotrópicos, você enxerga alguma mudança nesse cenário em curto prazo?

Frances: Há 25 anos, a indústria de tabaco estava na mesma posição que hoje está a indústria farmacêutica - exercia grande influência sobre autoridades e ficou iludindo a sociedade durante décadas. Mas a consciência do público levou a grandes e rápidas mudanças. Acredito que o mesmo pode acontecer em relação aos fármacos. Como disse Abraão Lincoln, "você pode enganar todas as pessoas por algum tempo e algumas pessoas por muito tempo, mas não pode enganar todas as pessoas por muito tempo".


Você está planejando o lançamento de seu próximo livro?

Frances: Sim. Será sobre a felicidade e seu lado sombrio.


Fonte: Revista Psique