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terça-feira, 28 de junho de 2016

O homem das cavernas e a mulher telepata

Ele se recolhe e se isola; ela tenta compensar o déficit de palavras adivinhando o que seu parceiro quer dizer

Psicanalistas e psicólogos que atendem casais ou que se dedicam a mitigar o sofrimento conjugal estão acostumados a enfrentar aquela situação na qual um se retira silenciosamente da discussão, ainda que permaneça de corpo presente, e o outro desliza suas queixas e demandas para uma espécie de monólogo sermonístico, por meio da qual suas razões são continuamente reforçadas e autoconfirmadas. Esse circuito discursivo dá origem a dois tipos subclínicos em ascensão na cultura contemporânea da judicialização das narrativas de sofrimento: o homem das cavernas e a mulher telepata. 

O homem das cavernas caracteriza-se pelo recolhimento e isolamento, particularmente diante de uma decisão ou escolha difícil. Como se ele tivesse que ter a resposta completa e acabada do problema, antes de apresentá-la para seu parceiro ou parceira. Tudo se passa como se ele se recolhesse ao gabinete para meditar e saísse de lá apenas com o comunicado oficial em mãos. Ele sofre, portanto, com a dificuldade de enfrentar a contingência conversacional, na qual motivos, causas e razões são compartilhados com o interlocutor diante de uma troca cuja conclusão não está prédefinida.
A mulher telepata tipicamente tenta compensar esse déficit de palavras e manifestações, adivinhando o que seu parceiro quer dizer. Ela coloca palavras e antecipa juízos, caminhando da convicção constituída sobre quem é o outro e o que ele quer, para uma espécie de narração imaginária sobre o conteúdo mental de seu interlocutor. Ela sofre, portanto, com a impossibilidade de situar-se na conversa uma vez que seu interlocutor fechou-se em si mesmo. Isso dificulta a construção comum de um horizonte para a conversa, que redunda na tentação da telepatia, trazendo para a fala palavras e ilações que efetivamente não foram ditas, ou foram pronunciadas em outros contextos.
Assim posto, o tratamento para esse estereótipo parece simples. Trazer à luz o homem das cavernas, ainda que platonicamente ele prefira as sombras de seu próprio desejo ao excesso de luz da realidade do desejo do outro. Por outro lado, trata-se de reduzir a força dos raios telepáticos, ainda que para renunciar, dolorosamente, a toda a verdade sobre o desejo do outro. Verdade pela qual estamos possuídos e que nos protege do enunciado insuportável sobre o que desejamos, mais além do desejo do outro. Estamos falando de estereótipos, ou seja, do grego “estéreo typos” impressão sólida – ou, a partir de 1798, a placa móvel com a qual se imprime livros. Os estereótipos não são só imagens de pessoas, reduzidas a tipos imóveis, sobre os quais nossa telepatia pode operar livremente. Eles são também discursos estereotipados que nos fazem sofrer por sua monotonia e nos constrange a deixarmos nossa palavra plena dentro da caverna de si.
O casamento patológico entre a louca que fala sozinha com seu desejo, e o covarde silencioso que fala sozinho com seus pensamentos, é ainda um casamento. É uma maneira de fazer a relação sexual existir, de tentar emparceirar demandas e proporcionalizar os sexos. O “estere-óptico” discursivo da relação entre este homem e esta mulher, ainda que aliado de uma distribuição específica de poder, é uma maneira de localizar o conflito, de saber do que ele é feito, mas também de esquecer que ele é insolúvel, e de praticar este esquecimento a dois.  

Fonte: Scientific American Mente e Cérbero

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