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quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Relacionamento no ciberespaço: Amores tecnológicos

Entenda as razões que levam cada vez mais pessoas a fazerem uso dos aplicativos de relacionamentos na tentativa de combater a solidão

shutterstockA solidão sempre assombrou os seres humanos. Muito se escreveu sobre essa angustiante sensação. Para a maioria, a profilaxia para essa dor é o encontro de um amor na vida. Se por um lado o senso comum tende a mitificar os desencontros amorosos, também supervaloriza a paixão. Essa última é descrita como um estado de consciência alterado e a origem etimológica da palavra diz muito sobre a sensação que provoca: do latim passio-onis e do grego pathos (doença).
Para Freud, "as neuroses são determinadas pela história de amor do indivíduo". As relações conjugais são, portanto, consequência do famoso e controverso complexo de Édipo e seu respectivo desenlace. Porém, entre as teorias psi que abordam o tema, existe aquela de um psicanalista, também austríaco, que propõe uma hipótese que explica a busca obsessiva por um amor, na qual muitas pessoas se lançam durante a vida.
Relativamente pouco conhecido no Brasil (fora do círculo psicanalítico), Otto Rank foi, dentre os psicanalistas que não possuíam formação médica, provavelmente o mais influente da história. Foi protegido, seguidor e posteriormente dissidente de Freud. O principal motivo do respectivo afastamento entre os dois foi uma tese que retirava do complexo de Édipo o principal determinante pela construção da afetividade e sexualidade humana. Para Rank, o nascimento é o evento propulsor que dá origem a nossa busca por uma companheira ou um companheiro, que, de alguma forma, poderia nos proporcionar a sensação de total aceitação e pertencimento que experimentamos no útero da mãe.
Em sua visão, seria então essa procura a mais angustiante e frustrante das missões humanas, já que a reedição das experiências proporcionadas pelo acolhimento incondicional e tridimensional materno, impressa na nossa memória afetiva, jamais seria reeditada por ninguém. Rank aponta no nascimento também a gênese da angústia primordial de qualquer ser humano: a sensação de rejeição. Segundo ele, ao nascer, somos expulsos do "paraíso" e seria a partir desse evento que estaríamos condenados a uma vida de busca onde apaixonar-se e ser rejeitado seria uma constante.

Respaldo
Curiosamente, a tese de Rank - que foi respaldada por importantes psicanalistas dissidentes de Freud, como Sándor Ferenczi e Michael Balint, entre outros - foi reforçada por outras áreas de estudos do psiquismo. Uma em especial - diga- -se de passagem, bem distante da epistomologia freudiana - surgiu a partir de experiências propostas pelo psiquiatra Stanislav Grof e seus estudos sobre estados alterados da consciência. Considerado um dos nomes mais proeminentes da chamada Psicologia Transpessoal, Grof propôs um exercício conhecido como "respiração holotrópica", onde o indivíduo, ao promover uma hiperventilação do cérebro, geraria uma sensação de retrocognição. Isto é, de maneira subjetiva, seria possível, entre outros eventos, reavivar experiências determinantes da nossa biografia, inclusive as sensações do nascimento. Os relatos sobre o impacto da experiência corroboram a teoria de Rank sobre a angústia do nascer e a gênese da sensação de rejeição e desamparo que afligem todos seres humanos.
Óbvio que como toda teoria psicanalítica, a impossibilidade de se comprovar de maneira científica torna a ideia de Rank mais uma especulação que poderia explicar, de forma apropriada, a busca quase obsessiva por amores para se dividir a experiência do existir. Já por um viés evolucionista, sabemos que impulsionados pelo determinismo biológico a busca por parceiros afetivos/sexuais sempre foi uma das preocupações mais urgentes de qualquer ser humano. Constituir famílias foi a forma de se preservar a espécie. É natural que a angústia gerada pela solidão seja cultuada e mitificada como a grande inimiga a ser combatida a qualquer custo. Mas a que preço? Como se posicionar numa época em que o casamento como instituição se mostra tão vulnerável e frágil? Vivemos uma espécie de pós-modernismo afetivo. Um momento onde um olhar para a alma vai se tornando tão raro quanto a disposição para fugir da superficialidade com que as relações afetivas são acometidas nas últimas décadas.

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A angústia provocada pela solidão é, geralmente, cultuada e mitificada como sendo a grande inimiga a ser combatida
Dualidade

Entramos na era onde modernos aplicativos de relacionamentos permitem que pessoas se conheçam numa alucinante velocidade. Verdade que, se por um lado, esses programas dão aos tímidos a chance de "queimar" a primeira etapa dos jogos de conquistas e aumentar à enésima potência a possibilidade de conhecer pessoas, na mesma proporção expõem os participantes desse "jogo" à temível sensação de rejeição. Esses aplicativos são também a "armadilha" perfeita para os incautos que se apaixonam pela ideia de se apaixonar, buscando um parceiro apenas como coadjuvante para essa fugaz sensação. Nesses casos, encantamentos e desencantamentos se alternam como o trocar de roupa. É necessário estar preparado para esse jogo. Sábias as palavras de Fernando Pessoa quando escreveu: "Enquanto não atravessarmos a dor de nossa própria solidão, continuaremos a nos buscar em outras metades. Para viver a dois, antes, é necessário ser um".
Fernando Savaglia é psicanalista e docente da Sociedade Paulista de Psicanálise.

Fonte: Revista Psique

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