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segunda-feira, 29 de junho de 2015

Psicopatologia: Um desafio à mesa

Anorexia e bulimia são algumas das principais patologias causadas pelos chamados transtornos alimentares, que exigem tratamentos multidisciplinares, reunindo abordagens de Medicina, Psicologia e Psicanálise

ShutterstockAs alterações relacionadas à alimentação se consolidam como um significativo problema, que pode ocorrer em consequência de fatores metabólicos ou psíquicos. Essas disfunções ganham, cada vez mais, relevância na mídia, em função do crescente número de casos de adolescentes que convivem com sérios problemas de saúde, inclusive com registros de mortes. No entanto, os distúrbios podem alcançar outras faixas etárias, transformando-se em um grande desafio para os profissionais de saúde.

Desde há muito venho me interessando pelas diversas patologias que compõem os assim denominados transtornos alimentares. Tanto a condução do tratamento como o seu prognóstico encontram-se em terreno bastante reservado. Sabemos que essas graves patologias possuem um percurso histórico dentro das mais variadas áreas, como Medicina, Psicologia e Psicanálise, entre outras. Assim sendo, pretendemos, sem nos estender demais, fazer uma breve retrospectiva histórica, abarcando as principais visões teóricas a respeito.

Os primeiros estudos parecem datar de 1689, com Richard Morton, o qual publica, em latim, um trabalho intitulado Tisiologia sobre a doença da consunção, situando os seus sintomas mais relevantes, segundo ele: perda do apetite; amenorreia; emagrecimento importante. Para esse autor, as causas deveriam ser buscadas no sistema nervoso. Em 1789, Naudeau, na França, descreveria "uma doença nervosa acompanhada de uma repulsa extraordinária pelos alimentos". Mas, na verdade, é em Pinel, no início do século XIX, que encontraremos uma verdadeira reflexão sobre a conduta alimentar e suas idiossincrasias. Segundo ele, tratava-se de uma "neurose das funções nutritivas", realizando uma referência direta à anorexia e à bulimia.

Um estudo mais amplo das patologias da conduta alimentar revelou uma ligação da anorexia com a bulimia, como dois tempos alternantes de uma mesma patologia

Vale salientar, como item importantíssimo, que, quando nos referimos a patologias alimentares, devemos necessariamente levar em consideração as dimensões social e cultural onde elas ocorrem: a obra, o autor e a sua época.

A título apenas de exemplo, conta-se que no antigo Japão o costume era jejuar, por vezes até a morte, contra o inimigo, no intuito de desonrá-lo.

Um nome extremamente relevante em relação às patologias alimentares é o de Lasègue, na França, o qual inicialmente situa a anorexia no campo da histeria. Obviamente, ao longo da História, sempre houve anoréxicas, mas pode-se dizer que elas só obtiveram relevância pública por intermédio dos trabalhos de Lasègue, os quais foram verdadeiramente um evento no campo da Medicina. Na conduta anoréxica, assistiríamos um prazer ou um gozo como força fundamental na organização psíquica. A anoréxica é toda poderosa em sua anorexia. O que nos leva a tecer algumas reflexões à luz do conceito de narcisismo:

Aquele que se pretende isento de necessidades fisiológicas como todos os mortais, seguramente está pautado, entre outras, na fantasia de ser Deus;

- Na relação existente com a mãe, não se trataria aqui de uma mãe fálica, onde a anoréxica, para existir, teria que capitular do próprio desejo?;
- Como estudiosos da teoria psicanalítica, entendemos que o falo nada conta e sim quem é o seu detentor;
Sabemos também que, além do corpo real, existe o corpo erógeno, detentor das zonas erógenas. Prescindir de qualquer erotização em relação à presença de outro mantém a anoréxica numa posição autoerótica;
- O problema, quanto ao prognóstico em análise, deve-se, em termos kleinianos, à dificuldade de internalização do analista, como um objeto bom, o qual fantasmaticamente também deverá ser excretado num movimento bulímico posterior.


Enfim, chegamos a J.-M. Charcot, o qual inaugura um método de "isolamento terapêutico", objetivando o ganho de peso. É necessário encerrar, conter, conservar no interior.
Freud, no manuscrito G, ressalta a vinculação entre a anorexia e a depressão. A doente perde o apetite alimentar, juntamente com uma perda da libido. Dessa forma, diríamos que o recalque incidiria no erotismo oral. A zona bucolabial, intensamente erotizada, através de uma inversão, transforma- se numa repulsa alimentar.

Acrescentaremos a contribuição de Jacques Lacan, segundo o qual a necessidade visa o objeto e se satisfaz com ele. A dificuldade é que essa necessidade nunca ocorre senão in abstracto, fora de sua formulação através da linguagem. "A demanda é demanda de uma presença ou mesmo de uma ausência. Antes de tudo, trata-se de uma demanda de amor." Um estudo mais amplo das patologias da conduta alimentar revelou uma ligação da anorexia com a bulimia, como dois tempos alternantes de uma mesma patologia. Por enquanto, poderíamos depreender que a bulimia é o gozo ao mesmo tempo desejado e violentamente rejeitado pela anoréxica. Atualmente, a anorexia não mais se encontra vinculada à histeria, existindo como uma problemática autônoma.

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Sigmund Freud foi o primeiro a relacionar a anorexia e a depressão, ressaltando que a doente perde o apetite e, também, a libido, investindo seu recalque no erotismo oral

Freud, no manuscrito G, ressalta a vinculação entre a anorexia e a depressão. A doente perde o apetite alimentar, juntamente com uma perda da libido. Dessa forma, diríamos que o recalque incidiria no erotismo oral. A zona bucolabial, intensamente erotizada, através de uma inversão, transforma- se numa repulsa alimentar.

Acrescentaremos a contribuição de Jacques Lacan, segundo o qual a necessidade visa o objeto e se satisfaz com ele. A dificuldade é que essa necessidade nunca ocorre senão in abstracto, fora de sua formulação através da linguagem. "A demanda é demanda de uma presença ou mesmo de uma ausência. Antes de tudo, trata-se de uma demanda de amor." Um estudo mais amplo das patologias da conduta alimentar revelou uma ligação da anorexia com a bulimia, como dois tempos alternantes de uma mesma patologia. Por enquanto, poderíamos depreender que a bulimia é o gozo ao mesmo tempo desejado e violentamente rejeitado pela anoréxica. Atualmente, a anorexia não mais se encontra vinculada à histeria, existindo como uma problemática autônoma.

Jean Paul Valabrega, em 1967, nos diz que a anorexia se situa no cruzamento entre a ordem neurótica, psicótica, psicossomática e perversa.

Destaca-se, a partir da clínica psicanalítica, no que tange à patologia referente à anorexia, uma dimensão passional da relação da anoréxica com a mãe. B. Brusset a define assim: "A mãe é ao mesmo tempo indispensável e inaceitável". "Ela representa tudo o que me causa horror e, ao mesmo tempo, não posso dispensá-la, cabe a ela responder, compreender, espero tudo dela, que ela seja Deus para mim" (Bidaud, 1998).

Como exemplo, ele cita uma paciente anoréxica referindo-se à mãe: "Ela fica me olhando, ou me ajuda, por exemplo, a esfregar as costas. Também pode tomar banho comigo. A intrusão sedutora, como um 'olho indecente', vem da ausência de limites do olhar materno, que localiza a filha no lugar de um objeto incestuoso".

Éric Bidaud, estudioso dos distúrbios da conduta alimentar, nos diz literalmente: "A anoréxica, por uma recusa obstinada da alimentação, por uma luta sem perdão contra a necessidade, afirma, desprezando a morte, a soberania de seu desejo, desafiando todos os limites, chegando a negar o seu corpo, inclusive. Fugindo de todo prazer carnal, ela aspira ao ser. Tal como uma mística, ela goza numa transgressão sempre relançada na expectativa de se perder, de se abolir como sujeito. Ela oferece ao olhar o espetáculo insuportável de um corpo descarnado, esquelético, que presentifica a morte. Ressalta o parentesco existente com exercícios espirituais da ascese e do jejum, práticas religiosas fundamentadas na exigência de purificação e do apelo ao sagrado".

Bidaud afirma que "o alimento, o corpo e a fertilidade, como elementos fundantes da feminilidade, são personagens centrais de uma guerra travada no interior das mentes

Apenas como citação, trazemos à baila a vigorexia ou transtorno dismórfico muscular. Trata-se de uma patologia psicológica que revela uma insatisfação constante com o próprio corpo, afetando principalmente homens, levando-os à prática excessiva de exercícios físicos. No que tange ao culto ao corpo assemelha-se à anorexia.

Atualmente, podemos verificar toda uma pressão das mídias em busca do corpo considerado perfeito. Importante ressaltar que isso deve ser obtido a qualquer preço. Verifica-se, como ouvi certa vez, no dizer de uma crítica de moda, que as modelos não passam de "cabides para as roupas". Sabemos que, ao longo da História, os padrões físicos e de sensualidade têm mudado de acordo com a época vigente.

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Charles Lasègue
Nascido em Paris, na França, em 1816, Charles Lasègue se formou em Psiquiatria sob a orientação de Jean-Pierre Falret. Era conhecido pela precisão de suas análises clínicas. Foi autor de De l'Anorexie Hystérique, em 1873, publicação que se mostrou um dos marcos fundamentais do conhecimento psicopatológico a respeito da anorexia mental. Também foi responsável por importantes trabalhos sobre alcoolismo.

PARA SABER MAIS
EFEITOS E CONSEQUÊNCIAS DA ANOREXIA
Uma das patologias mais relevantes relacionadas aos distúrbios de alimentação é a anorexia nervosa. Ela causa inúmeros efeitos e consequências à saúde e se torna mais prevalente e grave com o passar dos anos. Existem alguns indicadores que confirmam o diagnóstico. Entre eles estão os seguintes: há ocorrência de alterações no equilíbrio hormonal nas mulheres de todas as idades. Para as que não chegaram à menopausa, a anorexia tem a capacidade de interromper completamente o ciclo menstrual normal.

As consequências da doença são inúmeras. Muitas pessoas anoréxicas ficam estressadas com facilidade, resultado da nutrição inadequada, o que faz com que o cérebro e o restante do corpo lutem pra obter energia. E se uma pessoa estiver em jejum, o fato vai afetar sobremaneira seus níveis de energia, pois as calorias dos alimentos fornecem combustível para as células funcionarem de maneira correta.

A ansiedade também pode surgir nesses casos, pois quem sofre do problema, geralmente, pensa em evitar determinadas situações de sociabilização, como aquelas em que existam reuniões que tenham qualquer relação com comida, ou seja, jantares, casamentos, encontros em bares etc. Outras consequências no organismo são osteoporose, redução do ritmo cardíaco, baixa pressão arterial, ritmos cardíacos irregulares e insuficiência cardíaca severa. A anorexia também pode surgir em conjunto com outros problemas psiquiátricos.

Para Bidaud, anorexias e bulimias são perturbações paradoxais da alimentação que se revezam no                                          psiquismo,especialmente de jovens do sexo feminino

Éric Bidaud compreende as anorexias e bulimias como se constituindo em perturbações paradoxais da alimentação que, de modo incoerente e mórbido, se revezam no psiquismo, especialmente de jovens do sexo feminino. Os atos de comer e não comer ficam tensionados, pois os alimentos recusados, temidos e expurgados, constituem-se como objeto da paixão dessas jovens, "derivando uma relação apaixonada entre elas e o alimento" (Bidaud, 1998). No mesmo ano, Bidaud afirma que "o alimento, o corpo e a fertilidade, como elementos fundantes da feminilidade, são personagens centrais de uma guerra travada no interior de mentes de mães e filhas assustadas e perplexas diante do inominável que eclode de emoções impactantes, ambivalentes e antagônicas que permeiam esses quadros o tempo todo. Mãe e filha vivendo uma grande paixão se tornam dependentes e paradoxalmente sentem um horror a essa dependência que nutre a relação, aprisionadas em um corpo-cárcere, ambas buscando eternamente uma completude para um vazio que sentem nunca ser eficientemente preenchido, tomadas por uma sensação de constante débito, uma tristeza sem nome, uma vida que beira a morte".

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A vigorexia, conhecida como transtorno dismórfico muscular, afeta principalmente os homens, fazendo com que eles pratiquem exercícios em exagero

Dores crônicas

Penso ser interessante, aqui, realizarmos uma pequena pausa no intuito de citarmos aquelas pessoas que se queixam de dores crônicas, muitas vezes denominadas de fibromialgias. Sabemos que existem em várias instituições ligadas à saúde, departamentos específicos e voltados para a assim denominada dor crônica. Na própria Universidade de São Paulo - USP existe o núcleo APOIAR, que faz a triagem bem como o encaminhamento de pacientes oriundos da Odontologia, dentre outras especialidades, para a Psicoterapia. 

Em minha experiência como supervisor de colegas que atendem esses pacientes, posso notar claramente a dificuldade que encontram na condução do tratamento, seja psicoterápico ou mesmo psicanalítico. À guisa de ilustração, uma paciente que procura o psicoterapeuta em virtude de uma dor crônica bucomaxilar, por exemplo, tem uma extremada dificuldade de representar essa dor em termos psíquicos, ou seja, apresenta uma enorme dificuldade de psicologizar o seu sintoma. Assim, o único problema na vida dessa paciente e seu único objetivo é livrar-se dessa dor crônica que muitas vezes a acompanha por anos a fio. A dificuldade de se "despregar" do mal que lhe atinge o corpo, uma vez que trata a dor dentro de um aspecto de concretude, impossibilitando qualquer tipo de simbolização.

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É comum encontrar garotas com transtornos alimentares no universo das modelos, consideradas, com frequência, apenas "cabides para as roupas"

No caso das anoréxicas, geralmente o afeto é vivido na mãe, e a pessoa não o sente como sendo dela própria, mas como sendo da mãe

Aqui ficam explicadas as enormes dificuldades, desde Freud nos seus Estudos sobre a Histeria, em relação aos problemas referentes às dimensões corporais de seus pacientes, sobretudo nas pacientes histéricas. Num simples, mas clinicamente complexo caso atendido por Freud, ele nos conta que a paciente lhe dizia que "não fosse a dor no joelho, local da queixa, a paciente não expressava nenhuma indicação de quem sente dor, mas sim, contrariamente, desenhava-se no seu rosto uma expressão quase de prazer. Nos Estudos sobre a Histeria, o fenômeno descrito justificava-se pelo mecanismo da conversão, onde uma conflitiva psíquica encontrava caminho de descarga no corpo da paciente".

Nas patologias referentes aos transtornos alimentares, a questão do corpo é de fundamental relevância. Tratar-se-ia de conflitos de ordem psíquica, que encontram algum tipo de expressividade por intermédio do corpo. Freud, ao notar o fenômeno exposto acima, referia-se à "transformação de zonas erógenas em zonas denominadas como histerógenas".

Freud propunha pensar o fenômeno da histeria em termos da existência de "forças opostas, ou seja, do desejo inconsciente sexual e à proibição à sua concretização". Por meio de suas pesquisas, Freud empreendeu uma mudança da técnica hipnótica para a técnica da cura pela fala, a assim denominada talking cure. Esse foi inauguralmente o método da associação livre.

Cássia A. Nuevo B. Bruno, organizadora do livro Transtornos Alimentares, quando se refere à simbiose, diz que "para que o pensamento aconteça, faz-se necessária a ausência do objeto representado, a substituição do afeto pela representação. A dificuldade da mente mais regredida é exatamente esta - o distanciamento e a diferenciação entre eu-outro -, pois é daí que surge o medo do aniquilamento, da desintegração, a necessidade do não afeto e a necessidade de viver o afeto no outro.

Interioridade

No caso das anoréxicas, geralmente, o afeto é vivido na mãe, e a pessoa não o sente como sendo dela própria, mas como sendo da mãe. Contrariamente, também pode ocorrer que a mãe viva o afeto na filha quando a filha é vista como sendo a própria mãe, ou como uma parte importante de si e não como o outro, como a filha que tem uma existência própria. Nestas circunstâncias ocorre uma invasão total da interioridade da filha".

Diremos que entre a anoréxica e o alimento existe uma relação de paixão, o que, em última instância, quer dizer que o que está no centro da experiência anoréxica é a importância da tensão entre a necessidade e a insistente recusa em apaziguá-la. Continuando a nos apoiar nos estudos de Éric Bidaud, entendemos que a relação da anoréxica com o objeto alimento define um objeto ao mesmo tempo idolatrado e odiado, puro e impuro. A tensão torna ainda o objeto mais presente, sendo que o objeto alimento se torna a causa de tudo para a anoréxica, a qual se encontra presa nessa relação de paixão. Na luta ativa contra a vontade, aumentada pela privação, encontramos os dados principais de um clima de tentação, que se equipara à tentação do sujeito religioso. H. Brunch faz uma observação bastante ilustrativa: "Ela estava num terrível estado de excitação a propósito da ideia de comer que a obcecava e que aparecia sob todas as formas, todas as espécies e todos os tamanhos". Nos dizeres da paciente anoréxica, teríamos: "Às vezes escuto vozes ou sinto coisas em minha cabeça, e às vezes tenho visões estranhas e assustadoras..." As vozes pareciam estar em conflito, umas dizendo "Coma!, coma!" e as outras dizendo "Não coma!, não coma!". Quando a anoréxica cede aos seus desejos irreprimíveis de comer, o faz com vergonha e terror.

Nas patologias referentes aos transtornos alimentares, a questão do corpo é de fundamental relevância. Tratar-se-ia de conflitos de ordem psíquica

Se nos perguntarmos em termos psicanalíticos, sobretudo numa orientação teórica lacaniana, como poderíamos situar o "gozo da anoréxica"? Aqui, diremos que o abandono e o afastamento progressivo do objeto alimento fomentam um "masoquismo mortífero", o qual deverá ser entendido somente em termos de um paradoxo: a diminuição do investimento no objeto é sempre acompanhada por um "refluxo narcísico", ocasionando a exclusividade de uma preocupação consigo mesma por parte da paciente anoréxica. Fenomenologicamente, na clínica, temos a mais nítida impressão de que a anoréxica ameaça a sua própria vida, mas isso não ocorre por falta de interesse pela sua conservação, mas sim, ao contrário, porque ela só faz ocupar-se disso e se vê na total impossibilidade de estabelecer qualquer interesse por qualquer outra coisa. Dessa forma, podemos dizer que o paradoxo da anorexia encontra-se ligado a essa preocupação exclusiva com o objeto da necessidade. Daí decorre o caráter enigmático dessa patologia: "o investimento masoquista da excitação e o abandono da satisfação objetal provocam o prazer de uma dor, buscada e mantida indefinidamente".

Quando nos encontramos frente a frente com a paciente anoréxica, ela nos passa a nítida sensação de que nem os sofrimentos do corpo nem mesmo a própria morte surgem para ela como limites ou mesmo como sinais de alarme em relação à própria vida. Nessa cena, parece que se alguém está preocupado com a subsistência da paciente, este será o médico, o psicanalista, o psiquiatra etc.

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Jean-Martin Charcot

Neurologista natural de Paris, na França, Jean-Martin Charcot se tornou professor de Anatomia Patológica em 1860. Dois anos depois, fundou uma clínica, tendo como aluno Sigmund Freud. Durante seus estudos, foi o primeiro a descrever os sintomas da histeria, mal que tentou curar por intermédio da hipnose. A partir das pesquisas de Charcot, Freud passou a investigar as causas patológicas da histeria.

Caso emblemático

Tive a oportunidade de presenciar, na clínica, alguns casos de pacientes portadores de transtornos alimentares. Especificamente naquele que agora me ocorre, além da bulimia, também havia como um sintoma predominante a presença da amenorreia. Tratava-se de uma mulher de 35 anos, muito culta e bem posicionada profissionalmente. Vale salientar que na sua relação com a mãe, esta parecia se negar a perceber que a filha havia crescido, tratando-a desde sempre como a uma menininha que deveria responder as suas ordens. 

Essa paciente não menstruava há anos a fio e fazia alguns tratamentos médicos sem nenhum sucesso. Por intermédio da análise, enquanto trabalhávamos insistentemente a sua relação com a mãe, mostrando-lhe como ela mesma fazia o contraponto, aceitando se manter como a menininha da mamãe, me ocorreu dizer-lhe que para mim fazia todo o sentido a sua ausência de menstruação, já que menininhas não menstruam! Ajudando- a a crescer, com o tempo ela pôde olhar para essa mãe não mais como uma adulta e uma criança, mas sim como duas adultas, ou melhor, como duas mulheres. Uma vez mulher, ela pôde voltar a menstruar.
Desse modo, ressalto que os ditos transtornos alimentares, na verdade, são quadros psicopatológicos de cunho multifatorial e que seu tratamento jamais pode prescindir de um enfoque multidisciplinar. Diríamos que é no extremo sofrimento que poderemos notar que o indivíduo se perde, mas que, ao mesmo tempo, se encontra.


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A anoréxica sofre e por mais paradoxal que pareça tem uma relação de paixão com o alimento, criando uma tensão entre a necessidade e a negação em atendê-la

REFERÊNCIAS
BIDAUD, E. Anorexia. Tradução: Dulce Duque Estrada. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 1998. 
BRUNO, C. A. N. B. (Org.). Distúrbios Alimentares. Uma Contribuição da Psicanálise. Rio de Janeiro: Imago Editora, 2010.
FREUD, S. Estudos sobre a Histeria. In: Obras Completas, v. II. Buenos Aires: Amorrortu Editores, 1895b/1970.


Fonte: Revista Psique

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