O atual modelo de saúde mental privilegia excessivamente o uso de medicamentos. No entanto, um novo paradigma na Psiquiatria pode trazer mais benefícios para a sociedade com uso eficaz do conhecimento científico sobre nutrição e o funcionamento do cérebro
Em um artigo recentemente publicado na revista Lancet Psychiatry, os acadêmicos da Sociedade Internacional para Pesquisa em Psiquiatria Nutricional descrevem o estado atual do modelo de saúde mental como sendo focado essencialmente na Psicofarmacologia. Segundo o artigo, esse modelo obteve somente modestos benefícios na melhora das condições globais de saúde mental. Essa publicação tem um papel importante, pois é assinada conjuntamente por dezenas de pesquisadores do mundo todo, que se uniram na defesa de um novo paradigma na Psiquiatria. Os autores apontam que crescem a cada dia as evidências de que a nutrição é um fator crucial, tão importante para a Psiquiatria como é para a cardiologia ou endocrinologia.
Segundo esse consórcio internacional de pesquisadores, as abordagens farmacológicas têm conquistado uma redução apenas moderada na escalada mundial de problemas mentais. No entanto, estimativas apontam que a expansão de doenças relacionadas aos transtornos mentais continuará a crescer nas próximas décadas, em especial às desordens relacionadas a quadros de depressão e ansiedade, que são altamente incapacitantes. Entre outras causas, podemos listar uma rápida urbanização, que levou a uma transição para estilos de vida diferentes dos tradicionais. O meio urbano leva à piora nos padrões de dieta, de atividade física e altera dramaticamente o tecido das estruturas sociais, fatores que têm sido associados à depressão e outros problemas mentais.
Por outro lado, as evidências que sustentam o papel da nutrição na saúde mental cada vez se acumulam mais. No mundo atual, as populações, tanto em países desenvolvidos como nos emergentes, consomem preferencialmente comida processada, que é rica em poluentes e pobre em nutrientes. Estamos em uma situação singular na história, onde a maior parte da humanidade está, ao mesmo tempo, superalimentada, mas desnutrida. Mesmo nos países ricos, muitos indivíduos têm consumo cada vez mais elevado de calorias, mas sem atingir os níveis recomendados de ingestão de nutrientes essenciais para o cérebro, como vitaminas do complexo B, zinco e magnésio. Vivemos em uma era de epidemia de doenças mentais e físicas, em grande parte agravadas pelo sedentarismo, uso de álcool e drogas, consumo de cigarros e dieta pobre em nutrientes. O custo estimado pela Organização Mundial da Saúde, relacionado às doenças físicas e mentais, é de 47 trilhões de dólares até o ano 2020, caso ações efetivas e substanciais não sejam feitas.
Uma dieta tradicional consistindo em alta ingestão de vegetais, frutas, frutos do mar, grãos integrais, nozes e legumes, evitando comida processada, aumenta a probabilidade de prover os nutrientes que permitem resiliência contra a psicopatologia. Com base nesse cenário, os acadêmicos da Sociedade Internacional para Pesquisa em Psiquiatria Nutricional propõem uma mudança de paradigma na Psiquiatria, com forte impacto na Psicologia, consolidando uma nova estrutura de conceitos que considera os fatores nutricionais como fundamentais. Afinal, o cérebro trabalha em uma taxa metabólica muito alta, e usa uma porção substancial da energia total e da ingestão de nutrientes. Na estrutura e na função, o cérebro depende de aminoácidos, gorduras, vitaminas e minerais, tanto na comunicação intracelular como intercelular.
Os hábitos alimentares modulam o funcionamento do sistema imune, que é moderador para o risco de ocorrência depressão. Os hábitos alimentares afetam a plasticidade neural e mecanismos de reparo ao longo do desenvolvimento humano. Novos estudos epidemiológicos demonstraram associações robustas entre nutrição saudável e baixa prevalência, bem como risco reduzido, de depressão e suicídio. Nutrição materna e no início da vida emerge como determinante de saúde mental futura em crianças.
Uma revolução nutricional abala os alicerces da Psiquiatria e impacta a Psicologia, levando a um novo entendimento dos conceitos de saúde e de doença
Por outro lado, deficiências de macronutrientes, durante períodos cruciais do desenvolvimento, têm sido implicadas na patogênese de psicoses e transtornos depressivos. O estudo europeu de grande porte denominado PREDIMED indicou aleatoriamente sujeitos para diferentes tipos de dieta, e aqueles que receberam a dieta do Mediterrâneo tiveram forte proteção para depressão. Outro ensaio clínico mostrou que o aconselhamento nutricional foi tão efetivo como a Psicoterapia na prevenção de depressão em pessoas da terceira idade.
Essas evidências trazem implicações importantes, pois a nutrição não pode ser ignorada e negligenciada por um profissional de saúde mental. Mesmo um psicólogo clínico, que não atua em intervenções diretas no plano farmacológico ou psicobiológico, tem um papel importante na psicoeducação dos seus pacientes, trabalhando durante a Psicoterapia na reestruturação de crenças sobre hábitos alimentares, atuando em equipes multiprofissionais com médicos nutrólogos, psiquiatras ou nutricionistas, e mesmo recomendando busca de informações e de acompanhamento profissional. A Psicoterapia é muitas vezes a impulsionadora de mudanças importantes nos hábitos negativos e no estímulo aos positivos, como sono, exercício e, por que não, nutrição. A formação do médico e do psicólogo deve incluir treinamento que foque no papel da nutrição na função cerebral e na saúde mental. E esses profissionais devem exercer pressão na esfera governamental para desenvolvimento de políticas públicas que promovam melhoria de hábitos alimentares e estilo de vida mais saudável.
Marco Callegaro é psicólogo, mestre em Neurociências e Comportamento, diretor do Instituto Catarinense de Terapia Cognitiva (ICTC) e do Instituto Paranaense de Terapia Cognitiva (IPTC). Autor do livro premiado O Novo Inconsciente: Como a Terapia Cognitiva e as Neurociências revolucionaram o modelo do processamento mental (Artmed, 2011)
Para saber mais:
Sarris et al. Nutricional Medicine as Mainstream in Psychiatry. Lancet Psychiatry, v. 2, n. 3, p. 271-274, mar. 2015.
Sánchez-Villegas et al. Mediterranean Dietary Pattern and Depression: the PREDIMED Randomized Trial. BMC Medicine, n. 11, p. 208, 2013.
Fonte: Revista Psique
Disponível em: <http://portalcienciaevida. uol.com.br/esps/Edicoes/112/ artigo350008-1.asp>. Acesso em: 25 jun. 2015
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