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quinta-feira, 16 de abril de 2015

O cérebro solitário

A solidão não é, apenas, a ausência de companhia; é uma percepção de isolamento que tem enormes implicações para a saúde, levando A depressão, dependência química ou transtornos alimentares

             

A percepção de que estamos conectados aos outros é algo vital para um ser humano, uma vez que, em nosso passado evolutivo, estar segregado do grupo significava menos acesso a fontes de alimento e a chances de acasalamento, e ainda levava a uma grande vulnerabilidade aos predadores. Estudos de antropólogos com sociedades caçador- -coletoras de pigmeus na África, por exemplo, demonstraram que os membros que são expulsos da comunidade passam a vagar solitariamente e têm grande probabilidade de morrer. Ou seja, ser solitário, no passado evolutivo de nossa pré-história, era uma condenação à morte e a não deixar descendentes.
Hoje, não temos mais os terríveis predadores do período Paleolítico superior, mas, de qualquer forma, a solidão torna muito improvável que se ache um parceiro. Para nosso cérebro que evoluiu na pré-história, a solidão é algo a ser evitado. A fome indica falta de nutrientes vitais, a dor física sugere alguma lesão nos tecidos, e, por essa razão, sentimos um conjunto de sensações desagradáveis que nos impulsiona a buscar algo para comer ou retirar a parte do corpo da situação que machuca. De modo semelhante, a solidão produz ansiedade e dor emocional que nos pressiona para buscar conexão com o grupo, algo essencial para nós humanos. Não é à toa que os biólogos colocam a espécie humana na categoria de ultrassociais, pois temos sociedades complexas onde dezenas de indivíduos cooperam em empreendimentos coletivos, assim como abelhas, formigas e cupins.
Mas o que acontece no cérebro solitário? Em nosso cérebro, existe uma região chamada Área Tegmentar Ventral, ou VT A, como é denominada em inglês, que está conectada com o núcleo accumbens, uma espécie de centro de prazer. Quando a VT A libera dopamina no núcleo accumbens, temos a sensação de prazer. Estudos recentes mostram que a VT A monitora a satisfação de necessidades vitais, como alimentação, acasalamento e laços sociais. Esse monitoramento é baseado em pistas fisiológicas do corpo e do cérebro. Por exemplo, liberamos bastante dopamina com sexo e orgasmo, mesmo usando camisinha. Isso acontece porque os sinais hormonais que são acionados fazem o cérebro interpretar que estamos aumentando a chance de deixar descendentes. Nesse caso, é uma sorte que nosso cérebro possa se enganar, mas, no caso da solidão, o engano do cérebro pode levar a inúmeras consequências negativas. A percepção de solidão aciona a ancestral reação de lutar ou fugir, pois é interpretada pelo cérebro como uma forte ameaça à sobrevivência e à reprodução.

Algumas pessoas são mais resistentes e não percebem o isolamento de forma estressante, possivelmente porque são descendentes de linhagens humanas de exploradores

Existe uma ampla gama de diversidade de reações individualizadas na percepção de solidão. Algumas pessoas são mais resistentes e não percebem o isolamento de forma estressante, possivelmente porque são descendentes de linhagens humanas de exploradores. Os exploradores, personalidades com intensa busca de novidades e pouco medo do desconhecido, foram figuras importantes nos grupos sociais do passado.
Numerosos estudos têm mostrado que a solidão é responsável por um leque de problemas de saúde, contribuindo para a doença de Alzheimer, transtornos do sono, aumenta o risco de demência e morte prematura, e é uma das principais causas de depressão. Um estudo revelou que a solidão causa uma expressão exagerada nos genes em células cardíacas, e estas produzem uma reação inflamatória que lesiona o tecido do coração. Quando falamos que a solidão pode partir o coração, não é apenas uma metáfora.
Neurocientistas descobriram que a percepção de exclusão usa a mesma rede da dor física no cérebro. Ou seja, a solidão dói, literalmente. O importante neurotransmissor serotonina é reduzido quando a pessoa sente solidão, dificultando o controle de pensamentos, emoções e impulsos. Isso diminui as funções executivas e aumenta a dificuldade de inibir impulsos de prazer imediato, como comer em excesso, beber ou usar drogas. Segundo John Cacioppo, neurocientista da Universidade de Chicago, a solidão encoraja o consumo de mais gordura e açúcar na dieta, alcoolismo, sedentarismo e uso de drogas. Isso faz sentido se pensarmos que a solidão dói e que as pessoas tendem a fazer coisas que aliviam essa dor, como lançar mão de estratégias mais imediatistas para se sentir melhor. Para um cérebro imediatista que precisa desesperadamente de dopamina, a decisão de comer mais uma fatia de torta pode acabar se tornando a mais atrativa naquele momento. Portanto, a solidão pode impulsionar uma espiral descendente de comportamentos que aliviam a dor do isolamento no primeiro momento, mas que, em um segundo estágio, aumentam, mais ainda, a solidão.
É comum que as pessoas que sentem solidão não tenham falta de atratividade ou de habilidades sociais, pois é a percepção de isolamento e os pensamentos e crenças, muitas vezes distorcidos, que realmente geram a sensação de estar desconectado. Nosso cérebro social faz comparações e pode interpretar que se está isolado e em uma posição inferior na hierarquia social, mesmo que, de fato, a pessoa esteja muito bem posicionada. Uma olhada no Facebook e alguns pensamentos distorcidos e chega-se à conclusão de que se está de fora, enquanto as pessoas estão integradas, postando fotos perfeitas, com vidas sociais intensas. O cérebro emocional e social não faz distinções finas e incorpora a percepção de isolamento, sem considerar que estamos vendo uma montagem de melhores momentos. Paradoxalmente, uma rede social pode contribuir para a solidão, ao induzir uma percepção exagerada da socialização dos outros e um sentimento de estar à parte da festa da vida.

Para saber mais:
Cacioppo, J. T.; S. Cacioppo. Social Relationships and Health: the Toxic Effects of Perceived Social Isolation. Soc Personal Psychol Compass, v. 8, n. 2, p. 58-72, 2014.

                         
Marco Callegaro é psicólogo, mestre em Neurociências e Comportamento, diretor do Instituto Catarinense de Terapia Cognitiva (ICTC) e do Instituto Paranaense de Terapia Cognitiva (IPTC). Autor do livro premiado O Novo Inconsciente: Como a Terapia Cognitiva e as Neurociências revolucionaram o modelo do processamento mental (Artmed, 2011)

Fonte: Revista Psique

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