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segunda-feira, 6 de abril de 2015

34 anos da morte de Jacques Lacan

Não havia nada que escapasse à sua crítica e à lucidez de seu espírito de esclarecimento
                                                                    

ONZE CABEÇAS, ÓLEO SOBRE TELA, 1934-1935, PAVEL FILONOV, 1883-1941, RUSSIAN MUSEUM, SÃO PETERSBURGO

Há 34 anos morria o psicanalista Jacques Lacan (1901-1981). Ele tornou-se conhecido fora dos círculos psicanalíticos só depois de publicar seu primeiro livro aos 65 anos de idade. Ao final de sua vida ele fez algumas poucas viagens ao Japão, Estados Unidos e Venezuela para apresentar suas ideias a um público que distinguia com dificuldade sua posição dentro do pós-estruturalismo francês e menos ainda compreendia sua importância dentro da história do movimento psicanalítico. Em 1989, quando comecei a me interessar por seu pensamento e pela clínica que nele se inspirava, ainda ouvia, com frequência, que o “fenômeno Lacan” seria esquecido em dez anos. Segundo a profecia, as contendas institucionais e a dificuldade de entender seu estilo barroco-matemático não teriam a menor chance de sobreviver em uma época movida pela praticidade e eficiência. Sua forma de tratamento seria refutada pelos fatos. Sua idiossincrasia francesa não resistiria ao mundo globalizado. 

Para surpresa geral hoje a psicanálise lacaniana se expandiu pelo mundo, ainda que pulverizada em uma miríade de grupos, atravessada por querelas teóricas e animada pela cizânia universitária. Olhando para trás parece que o que há de distintivo em Lacan foi a sua capacidade de trazer o que havia de melhor fora da psicanálise, ou seja, seu caráter cultural onívoro, sua maneira não endogâmica de pensar a psicanálise e sua capacidade de inventar novas formas clínicas, “no horizonte da subjetividade de sua época”. Foi assim desde seu contato com os psiquiatras e surrealistas nos anos 1930, com a ciência e a epistemologia dos anos 1940, com a filosofia de Hegel e Heidegger nos anos 1950, com a linguística e a antropologia de Saussure e Lévy-Strauss, nos anos 1960, até a topologia e as novas formas de escrita chinesa e poesia de vanguarda, dos anos 1970. Não havia nada que fosse indiferente ou estranho ao universalismo teórico de Lacan e sua tentativa de reunir a análise erudita de textos freudianos e as últimas descobertas da ciência. Não havia nada que escapasse à sua crítica e à lucidez de seu espírito de esclarecimento, nem mesmo as verdades consagradas pela tradição psicanalítica. 

Se Freud considerava-se um Aníbal, o general cartaginês que vingaria seu pai derrotado pelos romanos vencendo o reino do subterrâneo (Aqueronta Movebo), Lacan estava mais para um laborioso monge copista, siderado pelo uso do telescópio moderno, tentando ser fiel a uma verdade ainda que indeterminada. Sua ligação com Freud não era pessoal, mas textual. No dia em que Freud vem a Paris, rumo a seu refúgio final em Londres, Lacan prefere escutar Joyce ler os originais de Ulisses a encontrar o autor da Interpretação dos Sonhos na casa da Princesa Bonaparte. Talvez tenha sido esta a lição legada por seu ensino, e que o tornou universal.

Fonte: Scientific American Mente Cérebro

Disponível em: http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/34_anos_da_morte_de_jacques_lacan.html. Acesso: 6 abr. 2015

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