Trata-se de uma parafilia que causa sofrimento e prejuízo ao indivíduo e geralmente se inicia na adolescência, dando certa satisfação quando há danos ou risco para o outro
Os transtornos parafílicos, assim denominados pelo Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais na sua 5ª edição (DSM - 5), são caracterizados por comportamentos, fantasias e/ou pensamentos sexuais recorrentes, intensos e sexualmente excitantes, por um período igual ou superior a seis meses e que envolvam: objetos; pessoa viva, não adulta; pessoa que não tenha consentido participar do ato sexual; sofrimento ou humilhação a si e/ou ao outro. São condições crônicas que podem ocasionar limitações e angústia em outras áreas da vida como o relacionamento conjugal, familiar e social. Geralmente se iniciam na adolescência e persistem ao longo da vida. São mais prevalentes em homens que em mulheres e entre os mais jovens.
O DSM-5 distingue “parafilias” de “transtornos parafílicos”. Indivíduos que têm interesses sexuais atípicos (comportamentos parafílicos consensuais), por si só, não são portadores de transtorno mental.
Pela 10ª edição da Classificação Internacional de Doenças (CID -10), as parafilias são designadas como transtornos da preferência sexual e se dividem em:
Fetichismo: o fetichista gratifica-se sexualmente com o uso de objetos ou alguma parte do vestuário que estejam intimamente associados com o corpo humano.
Transvestismo fetichista: o ato de vestir ou estar vestido com peças de roupas do outro gênero provoca excitação sexual, seguida usualmente de masturbação.
Exibicionismo: é uma tendência persistente a expor a genitália a estranhos (usualmente para mulheres) em lugares públicos, sem convite ou pretensão de contato mais íntimo.
Voyeurismo: as fantasias sexuais estão associadas com a excitação provocada em assistir práticas sexuais ou pessoas se despindo.
Pedofilia: é uma preferência sexual por pessoas de até treze anos de idade. Alguns pedófilos são atraídos apenas por meninas, outros somente por meninos e outros ainda se interessam por ambos os gêneros.
Sadomasoquismo: envolve fantasias, impulsos e/ou práticas sexuais que provoquem dor ou humilhação à parceira ou a si próprio.
Transtornos múltiplos da preferência sexual: dois ou mais deles podem estar associados.
Outros transtornos da preferência sexual como, por exemplo, zoofilia (fantasias e/ou práticas sexuais com animais).
É comum a associação dos transtornos parafílicos com outros distúrbios sexuais e psiquiátricos como disfunção erétil, ejaculação rápida, transtornos do humor, transtornos de ansiedade, transtorno dos impulsos e abuso de substâncias psicoativas
Apesar das causas que levam à parafilia serem desconhecidas, vários estudos sugerem a presença de anormalidades neurobiofisiológicas associadas ao comportamento parafílico. Além disso, vivências emocionais durante o processo de maturação psicossexual, como sentimentos de repressão sexual adquiridos no desenvolvimento pessoal, superproteção ou desorganização familiar e história de abuso sexual e/ou emocional na infância são elementos recorrentes e que contribuem para a compreensão dessa condição. Assim sendo, as primeiras experiências ou fantasias sexuais, sejam elas gratificantes ou não, podem influenciar comportamentos futuros.
Determinados fetichistas referem, na anamnese, a utilização de algum objeto para a obtenção de gratificação sexual em suas primeiras fantasias ou práticas sexuais, e é comum observar no relato de vários parafílicos, principalmente pedófilos, histórias de abuso sexual e /ou emocional na infância.
O poder que a família e a sociedade exercem no controle de impulsos primitivos, apesar de serem menos relevantes, pode gerar emoções contraditórias, quando as relações interpessoais provocam conflito e dificuldade de resolução. Portanto, a gratificação sexual ocorreria somente na presença dessas fantasias ou práticas. O diagnóstico dos transtornos parafílicos é fundamentalmente clínico, baseado na entrevista e no exame psíquico, enfatizando-se os diversos aspectos da anamnese sexual.
É importante investigar: desenvolvimento psicossexual, percepções sobre as relações e vínculos familiares, história de abuso sexual, primeiras lembranças das fantasias e práticas sexuais, uso de álcool ou outras drogas para facilitar o desempenho do sexo, envolvimentos afetivos, orientação sexual, início dos sintomas e sua periodicidade.
É comum a associação dos transtornos parafílicos com outros distúrbios sexuais e psiquiátricos como disfunção erétil, ejaculação rápida, transtornos do humor, transtornos de ansiedade, transtorno dos impulsos, abuso de substâncias psicoativas (especialmente álcool), transtornos de personalidade e transtorno de défict de atenção, principalmente em adolescentes com sintomas parafílicos.
O tratamento consiste no emprego de psicofármacos, entre eles os antidepressivos são os mais utilizados, principalmente os inibidores seletivos da receptação da serotonina (fluoxetina, por exemplo). Além da terapia medicamentosa, é fundamental a psicoterapia individual e/ou grupal, já que a associação entre as duas modalidades terapêuticas tem se mostrado útil no controle dos sintomas e na reintegração dessas pessoas à sociedade. O tratamento deve ser mantido indefinidamente, não havendo perspectiva de alta, pelo menos com o tipo de terapêutica e o nível de conhecimento disponíveis no momento.
Referências:
American Psychiatric Association. Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais, 5ª edição (DSM-5). Arlignton, VA, 2013.
Organização Mundial da Saúde. Classificação Internacional de Doenças, 10ª edição (CID-10). Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.
Giancarlo Spizzirri é psiquiatra doutorando pelo Instituto de Psiquiatria (IPq) da Faculdade de Medicina da USP, médico do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) do Ipq e professor do curso de Especialização em Sexualidade Humana da USP.
Fonte: Revista Psique