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segunda-feira, 4 de maio de 2015

Raiva do jeito certo faz bem

O segredo parece estar na clareza de quando, onde, como e por que dar vazão a essa emoção – sem que ela nos controle
              
lguns autores argumentam que a raiva tem seu lado positivo, desde que seja usada de maneira adequada.“Qualquer um pode irritar-se, isso é fácil; difícil é zangar-se com a pessoa certa, na medida certa, no momento certo, com o propósito certo”, escreveu Aristóteles, há mais de 2 mil anos, em sua obra clássica A arte da retórica. Ter essa medida, entretanto, não é fácil. Justamente por isso tendemos a associar a ira ou mesmo a irritação à destrutividade – o que é bastante compreensível, já que essa emoção realmente pode destruir relacionamentos e carreiras profissionais. O segredo para reverter esse quadro pouco promissor parece estar na clareza a respeito de quando, onde, como e por que dar vazão a essa emoção – sem que ela nos controle.
Um estudo particularmente interessante sobre a raiva veio na esteira dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos. A psicóloga Jennifer Lerner, atualmente na Universidade Harvard, reuniu informações sobre as emoções e atitudes de aproximadamente mil americanos adultos e adolescentes apenas nove dias após os atentados e continuou o acompanhamento nos anos subsequentes. Ela descobriu que as pessoas que se sentiram irritadas com o terrorismo foram mais otimistas sobre o futuro do que aqueles que simplesmente tinham medo de novos ataques. Os homens do estudo se mostravam mais irritados que as mulheres e eram geralmente mais otimistas. Em um estudo de laboratório, publicado no periódico científico Biological Psychiatry, Jennifer Lerner descobriu que aqueles que sentem raiva em vez de medo numa situação estressante têm resposta biológica menos intensa, com menor variação da pressão arterial e dos níveis de hormônios do estresse. Isso mostra que, quando você está em uma situação enlouquecedora e sua raiva é contextualizada, a emoção não é necessariamente ruim – desde que fique restrita àquela situação.
“Por sua natureza, a raiva tende a ser uma emoção bastante energizante e, desde que bem encaminhada, pode ajudar a promover mudanças na vida pessoal e social”, diz o psicólogo Brett Ford, na Universidade da Califórnia em Berkeley. Por exemplo: sentir raiva da própria preguiça ou impulsividade, que constantemente trazem problemas à própria pessoa, pode alavancar a mudança desses comportamentos. Nesse caso, a raiva tem o importante papel de criar uma separação psíquica entre o eu e aquilo que incomoda – no caso, a preguiça ou impulsividade. Essas características não “são” a pessoa e, dessa maneira, podem ser arrefecidas, transformadas. É como se a ira estivesse direcionada para curar em vez de ferir. Mas é importante respeitar o “prazo de validade” da raiva. Remoer a irritação (ainda que seja consigo mesmo, com atitudes depreciativas e autopunitivas), sem se direcionar para alterar aquilo que incomoda, costuma ser meramente autodestrutivo.
A raiva pode ser de vital importância também para mobilizar apoio para um movimento social. A psicóloga Nicole Tausch, professora da Escola de Neurociência e Psicologia da Universidade de St. Andrews, no Reino Unido, afirma que em contextos políticos, principalmente quando as pessoas se engajam em manifestações pacíficas na esperança de convencer o adversário a corrigir injustiças sociais, a raiva pode sinalizar que os participantes se sentem ligados e representados pelo sistema político. “Expressões de raiva durante os protestos podem ser vistas não como ameaças ao sistema, mas como sinais de uma democracia saudável”, afirma.
Um estudo recente conduzido pelo psicólogo Andrew Livingstone, da Universidade de Stirling, no Reino Unido, enfatiza a ideia de que, em caso de ameaça, a raiva pode ter efeito protetor, fazendo com que as pessoas se mobilizem para se proteger não só a si mesmas, mas também umas às outras. Para chegar a essa conclusão, sua equipe trabalhou com dois grupos de pessoas: no primeiro deles, os participantes tinham em comum a procedência do sul do País de Gales; no segundo, a formação era aleatória. Nos dois casos, foram medidas as reações emocionais desencadeadas nos participantes ao se dizer que o governo retiraria o apoio oferecido a moradores do sul do País de Gales. Irritadas, as pessoas passaram a se articular buscando formas de reverter esse quadro.
Gláucia Leal é jornalista, psicóloga, psicanalista e editora-chefe de Mente e Cérebro

Fonte: Scientific American Mente Cérebro

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