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segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Antidepressivo e terapia, juntos, são o melhor tratamento contra depressão

Segundo estudo, paciente se recupera mais rapidamente e tem menor chance de recaída se submetido à abordagem combinada do que quando é apenas medicado

Os resultados de uma nova pesquisa reforçam que a melhor forma de combater a depressão é aliar antidepressivos com sessões de terapia cognitiva, em comparação com tratamentos baseados unicamente em medicamentos. Segundo o estudo, o método combinado é até 30% mais eficaz do que o uso isolado do remédio. 


O trabalho, feito nos Estados Unidos, foi publicado nesta quarta-feira no periódico Jama Psychiatry. Os pesquisadores avaliaram 452 adultos que apresentavam sintomas de depressão e que estavam sendo tratados apenas com antidepressivo ou então com uma combinação de medicamento e terapia cognitiva. Os especialistas acompanharam os pacientes até seis meses depois de eles deixarem de apresentar qualquer sintoma. 



Segundo os resultados, os participantes que receberam a terapia combinada se saíram melhor. Ou seja, recuperaram-se mais rapidamente e foram menos propensas a abandonar o tratamento ou a sofrer uma recaída após o fim da terapia. No entanto, o estudo indicou que o tratamento combinado não parece ser mais eficaz no caso de pacientes com depressão crônica.



“Os nossos resultados indicam que a terapia combinada pode fazer uma diferença maior do que imaginávamos em pacientes com depressão”, diz Steven Hollon, professor de psiquiatria da Universidade Vanderbilt, nos Estados Unidos, e coordenador do estudo. “Os antidepressivos atuam em uma determinada parte do cérebro, regulando a atividade da região onde as emoções são geradas. Já a terapia cognitiva pode trabalhar outra parte do cérebro, o córtex pré-frontal, aumentando o controle que um paciente tem sobre suas emoções.”



O principal sintoma da depressão é o humor deprimido, que pode envolver sentimentos como tristeza, indiferença e desânimo. Todos esses sentimentos são naturais do ser humano e nem sempre são sinônimo de depressão, mas, se somados a outros sintomas da doença e persistirem na maior parte do dia por ao menos duas semanas, podem configurar um quadro de depressão clínica. “O humor deprimido faz com que a pessoa passe a enxergar o mundo e a si mesma de forma negativa e infeliz. Mesmo se acontece algo de bom em sua vida, ela vai dar mais atenção ao aspecto ruim do evento. Com isso, o paciente tende a se sentir incapaz e sua autoestima diminui”, diz o psiquiatra Rodrigo Leite, do Instituto de Psiquiatria da USP.



Perder o interesse por atividades que antes eram prazerosas é outro sintoma importante da depressão. O desinteresse pode acontecer em diferentes aspectos da vida do indivíduo, como no âmbito familiar, profissional e sexual, além de atividades de lazer, por exemplo. “O paciente também pode abrir mão de projetos por achar que eles já não valem mais o esforço, deixar de conquistar novos objetivos ou de aproveitar oportunidades que podem surgir em sua vida”, diz o psiquiatra Rodrigo Leite.



Pessoas com depressão podem passar a dormir durante mais ou menos tempo do que o de costume. É comum que apresentem problemas como acordar no meio da noite e ter dificuldade para voltar a dormir ou sonolência excessiva durante a noite ou o dia. 



Pessoas com depressão podem apresentar uma perda ou aumento do apetite — passando a consumir muito açúcar ou carboidrato, por exemplo. Segundo o psiquiatra Rodrigo Leite, não está claro o motivo pelo qual isso acontece, mas sabe-se que, somado a outros sintomas da doença, a alteração do apetite que persiste por no mínimo duas semanas aumenta as chances de um paciente ser diagnosticado com depressão.



Mudanças significativas de peso podem ser uma consequência da alteração do apetite provocada pela depressão — por isso, são consideradas como um dos sintomas da doença. 



Em muitos casos, a depressão também pode prejudicar a capacidade de concentração, raciocínio e tomada de decisões. Com isso, o indivíduo perde o rendimento no trabalho ou nos estudos. Segundo a psiquiatra Mara Maranhão, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a depressão pode impedir que o paciente trabalhe ou estude, ou então faz com que ele precise se esforçar muito para conseguir concluir determinada atividade.



Diminuição de energia, cansaço frequente e fadiga são comuns em pessoas com depressão, mesmo quando elas não realizaram esforço físico. "O indivíduo pode queixar-se, por exemplo, de que se lavar e se vestir pela manhã é algo exaustivo e pode levar o dobro do tempo habitual", segundo o capítulo sobre depressão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), feito pela Associação Americana de Psiquiatria.



Em casos mais graves, pessoas com depressão podem apresentar pensamentos recorrentes sobre morte, ideação suicida ou até tentativas de suicídio. A frequência e intensidade dessas ideias podem mudar de acordo com cada paciente. "As motivações para o suicídio podem incluir desejo de desistir diante de um obstáculo tido como insuperável ou intenso desejo de acabar com um estado emocional muito doloroso", de acordo com o DSM-5.


Fonte: Clipping ABP - Associação Brasileira de Psiquiatria

Disponível em: <http://www.abp.org.br/portal/imprensa/clipping-2/>. Acesso em: 25 ago. 2014

Esclerose lateral amiotrófica: a doença e seus sintomas

A ELA, muito comentada graças ao “desafio do balde com gelo" , causa atrofia muscular progressiva, afetando os movimentos

Recentemente, celebridades e políticos têm publicado vídeos entornando um balde cheio de água com gelo sobre a própria cabeça. O Ice bucket challenge (desafio do balde de gelo) é parte de uma campanha de sensibilização que busca levantar fundos para a ALS Association. A associação americana financia pesquisas científicas sobre a esclerose lateral amiotrófica (ELA), conhecida também como doença de Lou Gehrig, sem cura e de causas ainda não conhecidas.
                 
O sucesso da campanha é notável não apenas nas redes sociais (cada um que cumpre o desafio deve convidar outros amigos, de forma que a iniciativa “viralizou”). Desde o início do projeto, no final de julho, até a segunda quinzena de agosto, a associação conseguiu quatro milhões de dólares em doações: aproximadamente quatro vezes mais do que alcançaram no mesmo período em 2013.

A ELA é uma doença neurodegenerativa que atinge apenas os neurônios motores – aqueles que conduzem os impulsos nervosos do córtex motor até os músculos. Sua degeneração progressiva casa atrofia muscular progressiva e, consequentemente, leva à paralisia total. Todas as funções cerebrais não associadas à motricidade permanecem absolutamente intactas, de forma que o paciente continua plenamente consciente e lúcido até o estágio final da doença, que atinge a musculatura respiratória e causa a morte.

Mais comum em homens, os primeiros sintomas de ELA começa surgem entre os 40 e os 70 anos. Estima-se que a cada 100 mil pessoas, são diagnosticados de quatro a oito pacientes todos os anos. Acima dos 70 anos, porém, a relação aumenta. O envelhecimento populacional deve resultar em maior prevalência de ELA nas próximas décadas.

O neurologista francês Jean-Martin Charcot (1825-1893) foi quem primeiro descreveu a doença. Em condições normais, os feixes de neurônios motores superiores partem do córtex cerebral e terminam no corno anterior da medula espinhal, onde se comunicam com neurônios motores inferiores, cujos prolongamentos têm como destino as fibras musculares (ver quadro abaixo). Charcot percebeu que certos pacientes com dificuldades motoras tinham os feixes do funículo lateral degenerados e recobertos por células da glia. Essas células, que normalmente protegem os neurônios, endureciam – ou se esclerosavam – com o progresso da doença – por isso neurologista a denominou “esclerose lateral”. Já com o termo “amiotrófica” refere-se à atrofia, isto é, à degeneração do tecido muscular, condenado à inatividade devido à ausência de estimulação nervosa. Os primeiros sintomas físicos mais comuns são câimbras e falta de controle e, posteriormente, ausência dos movimentos, em uma parte do corpo, como um braço ou uma mão.

Mesmo depois de mais de 130 anos desde a primeira descrição da ELA, suas causas permanecem desconhecidas, bem como seus fatores de risco. Apesar disso, o conhecimento científico acumulado nos últimos anos ampliou consideravelmente a compreensão da doença e forneceu novos caminhos para a pesquisa sobre sua etiologia e tratamento. O principal objetivo dos pesquisadores é descobrir por que apenas os neurônios motores da medula espinhal são destruídos. É provável que tenham características fisiológicas que os diferem de outras células neurais: ao que parece, os neurônios motores têm tolerância excepcionalmente baixa a variações na concentração de íons cálcio no interior da célula. Para eles, o aumento do cálcio intracelular acima de certos níveis é fatal.

Ao contrário da maioria dos neurônios, os da medula espinhal apresentam escassez de proteínas que se ligam ao cálcio, que evitariam excesso desses íons dentro das células. Uma exceção a essa regra são os neurônios que enervam a musculatura ocular: raramente são afetados na ELA, o que permite que os pacientes possam mover os olhos, ainda que o resto do corpo esteja totalmente paralisado. Segundo o neurologista Stanley Appel, da Faculdade de Medicina Baylor em Houston, é muito provável que as proteínas ligadoras de cálcio conhecidas como parvalbumina e calbindina livrem os neurônios motores oculares da degeneração promovida na ELA.
                  

Falha na comunicação entre neurônio e músculo

A esclerose lateral amiotrófica (ELA) leva à deterioração da parte do sistema nervoso responsável pelos movimentos voluntários do corpo (inclusive musculatura respiratória, que é passível de controle consciente). Esse sistema começa no córtex motor, onde ficam os corpos celulares dos neurônios motores superiores, os quais enviam comandos através de longos axônios que terminam no corno anterior da medula espinhal. Aí eles fazem contato com os neurônios motores inferiores, cujos axônios terminam na junção neuromuscular.

As imagens histológicas à direita mostram o aspecto dos tecidos mencionados: neurônio motor superior, no córtex motor; bem como o inferior, na medula espinhal. As fibras musculares pertencem a ratos que sofrem de doença semelhante à ELA; a forma como elas se apresentam (contorno angular, seccionamento reduzido) indica que o tecido muscular está se atrofiando devido à falta de estimulação.

Fonte: Scientific American Mente Cérebro

Disponível em: <http://www2.uol.com.br/vivermente/noticias/esclerose_lateral_amiotrofica_a_doenca_e_seus_sintomas.htm>l. Acesso em: 25 ago. 2014

Memória operacional é chave para o sucesso acadêmico


Com informações da Universidade de Luxemburgo
 

A memória operacional nas crianças é fortemente vinculada ao sucesso acadêmico e ao hábito de leitura.
Foi o que demonstrou um estudo realizado em uma parceria entre pesquisadores da Universidade de Luxemburgo e das universidades Federal da Bahia (UFBA), Federal de São Paulo (UNIFESP) e de São Paulo (USP).
Mais importante, os resultados mantêm-se verdadeiros independentemente do nível socioeconômico das crianças.
A conclusão dos pesquisadores é que crianças com dificuldades de aprendizagem podem se beneficiar de métodos que evitem a sobrecarga da memória operacional.
Memória operacional
O estudo buscou identificar as habilidades cognitivas subjacentes ao sucesso no aprendizado de crianças de uma ampla diversidade social, com metade vivendo abaixo da linha de pobreza.
As crianças foram testadas para medir o QI e as chamadas "funções executivas", um conjunto de processos cognitivos que usamos para controlar nossos pensamentos e ações, incluindo como lembramos informações, controlamos nossas emoções, prestamos atenção e alternamos os nossos pensamentos.
Estes resultados foram comparados com as capacidades de leitura, escrita, matemática, linguagem e ciências.
Os resultados mostraram que as habilidades de memória operacional de uma criança - sua habilidade de manter e manipular informação na mente - foi capaz de predizer seu sucesso em todos os aspectos da aprendizagem, independentemente do QI.
Além disso, a maioria das crianças identificadas por seus professores como "maus leitores" têm problemas com sua memória operacional.
Pobreza
"Nossos achados sugerem a importância de se fazer triagem e intervenção precoces, especialmente no contexto da pobreza. Até o momento, problemas de memória operacional são raramente identificados pelos professores", disse a líder do projeto, Dra. Pascale Engel de Abreu, professora da Universidade de Luxemburgo.
"Dificuldades para aprender a ler e escrever, baixo sucesso acadêmico e viver na pobreza criam um ciclo vicioso reforçador. Existe uma chance de quebrá-lo pela identificação precoce das crianças com problemas de memória operacional e ao ajudá-las na aquisição de ferramentas mentais que tornem-nas capazes de aprender", acrescenta.
O estudo foi publicado na revista Frontiers in Psychology.
Fonte: Diário da Saúde

Viagem no tempo virtual ajuda a superar traumas

Se na vida real não é possível voltar no tempo, uma pesquisa que possibilitava essa viagem em um ambiente de realidade virtual descobriu que a experiência pode ajudar a superar traumas.
O estudo avaliou o comportamento de voluntários que presenciaram, no ambiente de realidade virtual, um homem abrir fogo dentro de uma galeria de arte e matar cinco pessoas.
No teste, o participante aprendia a controlar um elevador e, sem saber, deixava o assassino subir ao piso superior, onde estavam as vítimas.
Metade dos participantes voltava no tempo para reviver os acontecimentos, mas na segunda vez se deparavam com um dilema moral: não fazer nada e ver cinco pessoas morrerem, ou intervir para salvá-las, condenando à morte apenas uma pessoa que estava naquele andar.
Como era esperado, a maioria das cobaias resolveu intervir e não deixar o assassino subir.
         
O participante (embaixo) controlava o elevador que poderia ou não levar o atirador (no alto à esquerda) para o segundo piso, onde havia mais pessoas.
Impacto emocional
O mais interessante, segundo os pesquisadores, foi o impacto emocional que a experiência virtual teve sobre os participantes.
A maioria teve menos sentimentos de culpa e remorso após "voltar no tempo" e salvar mais vidas.
"Quanto mais eles sentiam a ilusão, maior o senso da sua própria moral," explicou Mel Slater do Instituto Catalão de Pesquisas (Espanha) e da Universidade College de Londres.
"Na realidade virtual, o sistema mais superficial de percepção do cérebro não distingue entre o mundo virtual e o real. E o cérebro considera verdadeiro o que vê e ouve no ambiente," acrescentou.
Por isso, a equipe afirma que viagens virtuais no tempo podem ajudar a superar transtornos de estresse pós-traumático ou mesmo reavaliar decisões ruins que tenham sido tomadas anteriormente.
Fonte: Diário da Saúde

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

IX Colóquio da Residência em Psicologia Clínica e Saúde Mental do Hospital Juliano Moreira

                                            
Para a realização da PRÉ-INSCRIÇÃO no IX Colóquio da Residência em Psicologia Clínica e Saúde Mental do Hospital Juliano Moreira, o participante deverá preencher a ficha de pré-inscrição e enviá-la para o e-mail residencia psi.saudemental@gmail.com. Solicitamos que o espaço destinado ao "Assunto" do e-mail seja preenchido com o termo PRÉ-INSCRIÇÃO e que renomeiem o arquivo Ficha de Pré-Inscrição com o seu nome completo.

Para realizar a SUBMISSÃO DE TRABALHO (Pôster e/ou Paper), o participante deverá preencher a ficha para submissão de trabalho e enviá-la para o endereço residenciapsi.saudemental@gmail.com. Solicitamos que o espaço destinado ao "Assunto" do e-mail seja preenchido com o termo PRÉ-INSCRIÇÃO E SUBMISSÃO DE TRABALHO - RESUMO DE PÔSTER ou PRÉ-INSCRIÇÃO E SUBMISSÃO DE TRABALHO - RESUMO DE PAPER e estejam anexadas as fichas de pré-inscrição e de submissão de trabalhos devidamente preenchidas, pois aqueles que irão submeter trabalho devem garantir sua pré-inscrição. Caso o participante queira submeter trabalhos nas duas categorias, pedimos que as faça em mensagens diferentes.

A confirmação das pré-inscrições aceitas e dos trabalhos aprovados será feita através da divulgação no blog http://residenciapsi-saudemental.blogspot.com.br/ no dia 5 de setembro. Os autores de trabalhos receberão e-mail informando datas e locais para entrega dos pôsteres e envio dos papers.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Depressão: 5 mitos que muita gente acredita

             kinopoisk.ru
A depressão sempre é motivo de muito debate. Especialmente agora, com a morte do grande ator Robin Williams, que aparentemente cometeu suicídio, o debate mundial a respeito dessa doença e seus sintomas ficou ainda mais em evidência. O eterno Patch Adams sofria com uma depressão profunda, e as especulações são de que ele tenha colocado um fim na própria vida justamente por conta da doença.

Mundialmente, segundo um estudo epidemiológico publicado na revista especializada BMC Medicine, 121 milhões de pessoas estão deprimidas. Esse número é quase quatro vezes maior do que o de portadores de HIV (33 milhões). Já o Brasil lidera, entre os países em desenvolvimento, o ranking de prevalência da depressão: 18% da população que participou da pesquisa do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo estava deprimida há pelo menos um ano.

É comum que aqueles que poderiam se beneficiar com um tratamento acabem não tendo acesso a ele, seja por falta de informação ou até por interpretar os sintomas de maneira errada. Que uma coisa fique bem clara desde já: depressão não é frescura!

Abaixo listamos cinco dos mitos mais comuns sobre a condição, para esclarecer de uma vez por todas quão grave é esse diagnóstico:
Mito 1: Depressão é sinônimo de tristeza

Muitos conhecidos do ator Robin Williams que foram entrevistados desde a sua morte falaram que eles nunca o viram infeliz, ainda que ele sofria de depressão profunda. De acordo com o Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos, muitas das pessoas que sofrem de depressão sentem sim uma tristeza esmagadora, mas, em contrapartida, muitos outros não sentem qualquer emoção específica. A melhor descrição seria uma sensação de vazio e apatia. E uma vez que a ansiedade muitas vezes acompanha a depressão, muitos sentem um constante estado de tensão que persiste por nenhuma razão aparente.
Mito 2: A depressão é um sinal de fraqueza mental

Parte do estigma que envolve a depressão é que os outros vão encarar essa doença como um sinal de fraqueza. No entanto, nós não temos o costume de acusar ninguém que sofra de uma doença cardíaca, ou tenha câncer, por exemplo, que são doenças que afetam uma ampla gama de pessoas. A depressão também é uma doença e, mais especificamente falando, é um transtorno médico absolutamente complexo que tem dimensões biológicas, psicológicas e sociais. Dessa forma, as pessoas “fortes” também podem sofrer de depressão grave, e as consequências de não tratá-la são tão reais e trágicas como em qualquer outro caso de doença grave. Uma condição que afeta a química do cérebro e do sistema nervoso não é menos devastadora do que uma que afeta qualquer outra parte do corpo.
Mito 3: A depressão é sempre situacional

Embora a depressão muitas vezes apareça por conta de um fato pontual, como perda de um ente querido, divórcio, estresse no trabalho, etc, ela não precisa desse tipo de faísca para começar. A depressão normalmente é diagnosticada quando alguém sofre de episódios prolongados (de pelo menos duas semanas) de desesperança, vazio e letargia que não têm nenhuma causa aparente. Esses períodos podem se manifestar inexplicavelmente, mesmo quando os eventos da vida parecem geralmente positivos. Esta, inclusive, é outra razão de porque depressão e tristeza não são sinônimos.
Mito 4: Sintomas de depressão são todos mentais

Embora seja verdade que muitos sintomas de depressão são coisas que normalmente associamos com a “cabeça” (emoção, tensão, etc), a condição se manifesta com frequência em todo o corpo. Sintomas depressivos comuns incluem indigestão, dificuldade em respirar, aperto no peito e fadiga geral. Alguns pacientes também se queixam de dores musculares persistentes.
Mito 5: Se você é diagnosticado com depressão, você usará antidepressivos o resto de sua vida

A forte presença de comerciais de antidepressivos e insistência da mídia nesse assunto tem tido uma repercussão negativa. Muitas pessoas têm medo de serem colocadas em um antidepressivo, mesmo que possam se beneficiar de seus efeitos, porque acham que o medicamento pode viciar e gerar uma dependência.

A realidade é que nem todo mundo se beneficia com antidepressivos. Segundo algumas estimativas, cerca de 40% das pessoas que recebem prescrição para ingerir o medicamento não experimentam nenhum benefício. Afinal, cada um é cada um. Algumas pessoas reagem melhor a formas de psicoterapia, como a terapia cognitivo-comportamental, ou uma combinação de medicação e terapia. Mesmo alguém que obtém bons resultados a partir de um antidepressivo pode, com supervisão médica, eventualmente, reduzir essa medicação. Por isso é importante o acompanhamento médico. Só um profissional irá saber o que receitar e qual o melhor tratamento para cada caso.[FORBES, ipan]

Fonte: Hypescience

Disponível em: <http://hypescience.com/depressao-5-mitos/>. Acesso em: 14 ago. 2014

A estreita relação entre drogas e doces

Exames de neuroimagem revelam semelhanças entre a compulsão por alimentos calóricos, obesidade e uso de substâncias que causam dependência química

               
Inúmeras evidências científicas demonstram que o comer compulsivo e o consumo de drogas envolvem circuitos cerebrais com funcionamento semelhante. Essa constatação tem oferecido nova compreensão da obesidade e aberto caminhos para possibilidades de tratamento. Mas, afinal, que circuitos do cérebro são ativados pela adicção – seja de comida ou de substâncias tóxicas?

O sistema neural ativado tanto pela ingestão compulsiva de alimentos quanto pelo consumo de drogas é basicamente o circuito que evoluiu para recompensar comportamentos essenciais à sobrevivência. Em geral, as pessoas são atraídas pelos alimentos porque isso é recompensador e produz prazer. Quando experimentamos prazer, nosso cérebro aprende a associar essa sensação com as condições que o predispõem a isso. Essa memória fica mais forte à medida que, nesse ciclo, a predição, a busca e a obtenção do prazer são repetidas e tornam-se, aos poucos, mais frequentes, criando condicionamento. E as drogas são eficientes nesse processo.

Estímulos naturais como comida ou sexo levam mais tempo para ativar o circuito da recompensa. O condicionamento, porém, estabelece um elo entre a memória, o estímulo e o ambiente. É exatamente isso que a natureza “pretende”: se a ação necessária para atingir uma experiência prazerosa for disparada exclusivamente pelo estímulo em questão, a resposta condicionada será muito ineficiente. Uma vez criada a memória condicionada, a resposta torna-se um reflexo – presente no uso abusivo de drogas e na ingestão compulsiva de alimentos.

Por essa razão, alimentos altamente calóricos são mais propícios a desencadear um desejo compulsivo por comida. Como os caçadores, nem sempre conseguimos uma presa, e alimentos calóricos, com grandes quantidades de energia, contêm um apelo maior: a suposta garantia de sobrevivência. Ao longo do processo evolutivo, fomos compelidos a consumir a maior quantidade de comida que pudéssemos encontrar. E esses estímulos serviam de reforço. Mas, agora, quando abrimos a geladeira, temos 100% de certeza de que vamos encontrar alguma coisa para comer. Nossos genes mudaram pouco, mas em nosso entorno estamos sempre cercados de alimentos com altos teores de açúcar e gordura, que contribuem para o aumento da obesidade.

Crises de desejo

Se Pavlov pudesse analisar o funcionamento do cérebro dos cães que utilizava em seus experimentos, provavelmente teria notado um aumento nadopamina sempre que os animais viam a luz que tinham associado à oferta de carne. A dopamina nos informa sobre o que é importante: pequenos indícios de informação inesperada a que precisamos estar atentos para poder sobreviver – alertas sobre sexo, alimento, prazer, perigo e sofrimento. Ao mostrar certos alimentos a voluntários de uma pesquisa, previamente condicionados, é possível observar um aumento de dopamina no striatum, região do cérebro envolvida nos processos de recompensa e motivação comportamental.

Mas é preciso observar que esse aumento de dopamina só ocorre quando os participantes do estudo, já avisados de que não poderiam comer o alimento, apenas o olham e o cheiram. E esta é exatamente a mesma resposta neuroquímica que surge quando dependentes químicos assistem a um vídeo de pessoas consumindo drogas ou qualquer outra imagem relacionada. A mensagem recebida quando a dopamina é liberada no striatum é a de que é preciso agir para alcançar certa meta, no caso, obter o objeto de desejo.

No cérebro de dependentes de drogas e de pessoas obesas também encontramos um número reduzido dos receptores dopamina D2 no striatum. Talvez essas descobertas revelem que o sistema nervoso está tentando compensar ondas de dopamina liberadas por estímulos contínuos de drogas ou de alimentos. Outra possibilidade é que, de início, essas pessoas talvez disponham naturalmente de poucos receptores, o que pode predispô-las a aumentos crescentes de doenças causadas pela dependência. É interessante notar que encontramos uma correlação negativa entre a disponibilidade de receptores D2 em indivíduos obesos e seu índice de massa corpórea (IMC); ou seja, quanto mais obesa for a pessoa, menos receptores ela tem.

Pidjoe/IStockphoto
          
                            Predisposição a excessos

Parece haver, portanto, indivíduos mais predispostos ao uso de drogas ou a comer demais. Estudos realizados com gêmeos mostram que aproximadamente 50% do risco para as duas tendências é genético. Mas os genes envolvidos começam a atuar em níveis muito diferentes – há variações em relação à eficiência com que metabolizamos certas drogas ou alimentos, à inclinação para nos arriscarmos ou nos engajarmos em comportamentos exploratórios que oferecem riscos mais específicos e no que diz respeito à sensibilidade que sustenta o sistema de recompensas de cada um.

Nos casos de obesidade, algumas pessoas podem se arriscar mais ao comer compulsivamente porque podem ser excessivamente sensíveis à recompensa por alimentos. Um estudo mostrou que a atividade cerebral de alguns obesos aumentava em resposta a sensações nos lábios, boca e língua. Já outros respondem com muito menos eficiência ao registrar sinais internos de saciedade, ou ao responder a eles, sendo assim muito mais vulneráveis aos desejos desencadeados pelas ofertas de alimento do ambiente.

A sobreposição entre dependência e obesidade pode revelar novos alvos para tratamento. Há intervenções farmacológicas ainda não exploradas, como a medicação que aumenta a resposta da dopamina no cérebro. Um desenvolvimento animador é a síntese recente de uma droga administrada oralmente que bloqueia a orexina, um peptídeo que reforça o nível “alto” associado ao consumo de bebidas alcoólicas, e acredita-se que regule sua ingestão. Essa droga poderia ser extremamente útil no tratamento de pessoas que utilizam drogas e comem de forma abusiva. Além disso, devido ao estigma social, tanto a obesidade quanto a drogadicção podem levar o indivíduo a um estado de isolamento, que é muito estressante e desencadeia um círculo vicioso de solidão e autodestruição. Nesses casos, a terapia de grupo pode ser extremamente benéfica.

Injeções de morfina

Quando se fala na associação entre uso de substâncias tóxicas e obesidade, outra área muito promissora de estudo é o uso de imagens de ressonância magnética funcional (fMRI) em tempo real para ensinar as pessoas a exercitar partes específicas do cérebro. Por esse método, o anestesiologista Sean Mackey, professor do Laboratório de Dor da Universidade de Stanford, e o neurocientista Christopher De Charms, do centro de tecnologia e pesquisas em neuroimagem Omneuron, em São Francisco, treinaram pessoas saudáveis e pacientes com dores crônicas para controlar sua atividade cerebral e modular suas experiências de desconforto. Dessa forma estamos explorando a possibilidade de que se possa usar esse tipo de técnica para ajudar homens e mulheres a controlar a região do cérebro chamada de ínsula, associada ao desejo compulsivo por alimentos e drogas. Os fumantes que tiveram uma lesão nessa área depois de um derrame cerebral parecem perder a vontade de fumar.

Um obstáculo para recuperar comilões compulsivos esbarra numa questão social. Enquanto o usuário de drogas está de certa forma protegido, já que o consumo da droga é ilícito e a substância nem sempre está disponível de forma óbvia, a comida é anunciada e encontrada em qualquer lugar do planeta, nas mais diferentes formas. Uma das intervenções terapêuticas para usuários de drogas, inclusive, é ensiná-los a evitar locais onde seus hábitos são praticados livremente. Mas como fazer isso com comida? É praticamente impossível, o que causa um sofrimento adicional aos obesos, fazendo com que muitas vezes se sintam socialmente excluídos.

Em ratos, verificou-se que se lhes for oferecida uma dieta rica em açúcar e depois for administrado um antagonista opióide chamado de naloxone, pode haver o desencadeamento de carência alimentar semelhante à que ocorre com animais que receberam naloxone depois de repetidas injeções de morfina. Esse resultado indica que a exposição crônica de ratos a dietas com altos níveis de açúcar produz neles dependência física. Nos humanos, ocorre um processo análogo. Dessa forma, verifica-se que intervenções com o objetivo de mitigar os sintomas da retração podem ser benéficas para aqueles submetidos a dietas rigorosas.

Fonte: Scientific American Mente Cérebro


As diversas faces de um mesmo problema

Poucos são os intelectuais contemporâneos que têm condições de reunir, em seu trabalho, uma ampla interlocução com os inúmeros campos do pensamento humano, seja psicanalítico, filosófico, artístico e científico. Esse diálogo é a proposta do psiquiatra e filósofo italiano Mauro Maldonato, que voltou a visitar o Brasil para lançar seu livro mais recente - Da Mesma Matéria que os Sonhos: Sobre consciência, racionalidade e livre-arbítrio - pelas Edições Sesc São Paulo.
Num intercâmbio intenso entre Psiquiatria e Filosofia, Neurociências e Literatura, o autor procura mostrar como a razão e a fantasia, o sentimento e a imaginação não se contrapõem, mas são parte essencial da natureza humana. Suas pesquisas constituem uma viagem por territórios desconhecidos da modernidade até as extremas consequências da mutação da identidade humana, conceito indeciso, incerto, enigmático, impensado ainda.
O italiano afirma a necessidade urgente de reconsiderar a Ciência. Ele propõe uma nova concepção da objetividade científica, que evidencie o caráter complementar e não contraditório das ciências experimentais e das ciências humanas. Não se trata de outro tipo de Ciência nem do questionamento da tradição clássica das Neurociências. Conhecedor profundo do cérebro e da mente humana, o autor desmistifica, de um lado, a retórica das ciências humanas, para liberá-la da própria solidão; do outro, critica a ideia da Ciência que se pretende objetiva e mera conhecedora dos fatos.
Maldonato é professor no Departamento das Culturas Europeias e do Mediterrâneo, na Universidade Della Basilicata. Foi professor visitante na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), na Universidade de São Paulo (USP) e na Duke University (Estados Unidos). Atualmente, dirige o Cognitive Science Studies for the Research Group, na Duke University. Diretor científico da Settimana Internazionale dela Ricerca, é autor e curador de livros e artigos científicos publicados na Inglaterra, nos Estados Unidos, no Brasil e na Itália.
No Brasil, tem sido convidado a participar, como conferencista, de vários seminários e congressos dentre os quais o XI Congresso Internacional de Tecnologia e Educação, que aconteceu no Recife, em setembro de 2013, e o Seminário Internacional Fronteiras em Movimento: Deslocamentos e outras dimensões do vivido, em 2012, uma realização da FFLCH USP e do Centro Cultural Banco do Brasil, sobre o tema: No mundo como estrangeiros: histórias de identidades e culturas em trânsito.
NO SEU MAIS RECENTE LIVRO, DA MESMA MATÉRIA QUE OS SONHOS: SOBRE CONSCIÊNCIA, RACIONALIDADE E LIVRE-ARBÍTRIO, VOCÊ ABORDA AS TENDÊNCIAS E OS DEBATES QUE ESTÃO EM ANDAMENTO SOBRE AS NEUROCIÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS. PODE EXPLICAR QUAIS AS NOVIDADES NO CAMPO DOS ESTUDOS DO CÉREBRO HUMANO E SE HÁ, EFETIVAMENTE, UM CONFRONTO ENTRE CIÊNCIA, FILOSOFIA E PSICOLOGIA? 
Maldonato - As novidades são muitas. Basta pensar na introdução de novas metodologias de mapeamento (ressonância magnética da atividade, entre outras) para o estudo do cérebro, técnicas não invasivas que nos permitem constatar, in vivo, as alterações de uma área completa do cérebro, ao estabelecer uma correlação entre o aumento do metabolismo de uma área com o desempenho de uma função naquele momento. Acredito, porém, que a maior conquista tenha sido o aumento crescente da conscientização da opinião pública, no sentido de que estamos no caminho certo para descrever melhor a natureza humana. Pensando bem, nos últimos 50 anos, descobrimos mais coisas do que tudo o que conhecíamos nos últimos dois milênios.

A Neurociência seria, apenas, mais uma disciplina entre outras tantas se não dialogasse com as disciplinas contíguas, tanto no que se refere ao funcionamento normal do cérebro, quanto a seu funcionamento patológico. A Filosofia deve nos ajudar a supervisionar o caminho da pesquisa pela Ciência
DENTRO DESSE QUADRO, É POSSÍVEL MANTER UM DIÁLOGO ENTRE AS TENDÊNCIAS DA NEUROCIÊNCIA E DA PSIQUIATRIA CONTEMPORÂNEA COM AS QUESTÕES DA CONDIÇÃO HUMANA NA FILOSOFIA? 
Maldonato - Não só penso que seja possível, mas, também, necessário. A Neurociência seria, apenas, mais uma disciplina entre outras tantas se não dialogasse com as disciplinas contíguas, tanto no que se refere ao funcionamento normal do cérebro, quanto a seu funcionamento patológico. A Filosofia deve nos ajudar a supervisionar o caminho da pesquisa pela Ciência sem a pretensão de lhe indicar.

É VERDADEIRO DIZER QUE AS CIÊNCIAS DEMONSTRAM INCAPACIDADE EM ACEITAR SEUS LIMITES DE CONHECIMENTO, DANDO MAIS IMPORTÂNCIA ÀS CERTEZAS E RESPOSTAS, EM DETRIMENTO DOS QUESTIONAMENTOS? 
Maldonato - Dizer que a tarefa da Ciência é encontrar respostas para os enigmas da natureza soa, ao mesmo tempo, óbvio e banal. O problema aparece quando a Ciência pretende ser seu próprio fundamento, ter autonomia de qualquer relação com o sentido, culminando com a venda da alma à técnica. Por muito tempo, o critério da objetividade a dominou e dividiu. Uma Ciência, para ser digna desse nome, deveria, necessariamente, definir seu objeto e as variáveis, que permitiriam explicar e prever os fenômenos observados. Tal concepção de Ciência, qualquer que seja seu conteúdo, privilegia as certezas e respostas, em detrimento das questões que as suscitaram. Está mais próxima de uma visão de mundo do que de Ciência. Uma visão de Ciência, de fato, deveria ter como centro, em primeiro lugar, as perguntas, a experimentação, a descoberta de novas leis, as regularidades e invariâncias. Também por isso parece discutível a "versatilidade" do modelo fisicalista para as Neurociências. Como se sabe, para quem defende tal ponto de vista, fazer Ciência significa, antes de tudo, garantir a separação entre o objeto e o observador. Portanto, tudo o que não pertence ao comportamento do objeto ou que dependa de uma escolha subjetiva implica uma definição incompleta do objeto. Além disso, é justamente a partir da independência do objeto, frente ao sujeito, que nasce o conceito de "realidade física". Uma realidade, por definição, oposta à experiência psicológica do homem.

VOCÊ PROCURA MOSTRAR COMO A RAZÃO E A FANTASIA, O SENTIMENTO E A IMAGINAÇÃO NÃO SE CONTRAPÕEM, MAS, NA VERDADE, SÃO PARTES ESSENCIAIS DA NATUREZA HUMANA. PODE APROFUNDAR A QUESTÃO, DO PONTO DE VISTA PSICOLÓGICO? 
Maldonato - Fantasia, sentimento e imaginação não só não se opõem à razão como constituem, de fato, antídotos à tendência desta à abstração conceitual. Não seria exagerado considerá-las declinações diversas, encarnações da racionalidade e em nada contrapostas a ela. Além disso, muitas evidências recentes mostram que a racionalidade não é uma característica inata de nossa espécie, mas o resultado de um longo processo evolutivo, mantido por uma lógica natural e por estratégias cognitivas simples, rápidas e eficazes.

VOCÊ DIZ QUE "NÃO ESTAMOS EM CONDIÇÕES DE COMPREENDER FENÔMENOS COMO PERCEPÇÃO, CONSCIÊNCIA, DECISÃO, CONSCIENTIZAÇÃO CONSCIENTE E LIVRE-ARBÍTRIO". POR QUE AFIRMA ISSO E POR QUE A MENTE HUMANA AINDA NÃO ESTÁ PREPARADA PARA ENTENDER ESSES ASPECTOS? 
Maldonato - No estágio atual, não somos capazes de explicar, completamente, estes fenômenos. Estamos no caminho, mas, até agora, demos apenas alguns passos. Seria extremamente útil para a Ciência evitar triunfalismos. Temas como a consciência (creio que o mais fascinante e profundo enigma do universo, junto com o nascimento da vida e do universo) requerem humildade e modéstia. Do contrário, acaba-se fazendo Ciência nociva.

COMO COMBINAR VISÕES DA LITERATURA, FILOSOFIA, EPISTEMOLOGIA E PSICANÁLISE PARA DISCUTIR AS RELAÇÕES ENTRE O EU E O OUTRO, A LINGUAGEM E O LUGAR, A ORIGEM E O DESENVOLVIMENTO DO CONCEITO DE TOLERÂNCIA, POR EXEMPLO? 
Maldonato - Não existem fórmulas. A solução poderia vir da atenção recíproca, humilde e paciente. Todas as disciplinas que você citou têm, por vários motivos, o mesmo problema: a compreensão do homem como é, e não como queremos que seja. Veja, se os dogmas religiosos podem, sempre, se voltar para as verdades da fé, com os dogmas científicos é diferente. Seus resultados têm consequências decisivas para a vida, para a liberdade, para a moral dos homens e para a sociedade. Na verdade, muitas vezes, o uso da razão se transformou em abuso da razão, em um racionalismo totalizante, que, por meio da presunção fatal de projetar e remodelar as relações humanas e sociais segundo 'um plano' predeterminado, teve efeitos destrutivos, tanto intencionais como não intencionais.

VOCÊ AFIRMA A NECESSIDADE URGENTE DE RECONSIDERAR A CIÊNCIA, PROPONDO UMA NOVA CONCEP ÇÃO DE OBJETIVIDADE CIENTÍFICA, QUE EVIDENCIA O CARÁTER COMPLEMENTAR E NÃO CONTRADITÓRIO DAS CIÊNCIAS EXPE RIMENTAIS E DAS CIÊNCIAS HUMANAS. ISSO REP RESENTA UM QUESTIONAMENTO DA TRADIÇÃO CLÁSSICA DAS NEUROCIÊNCIAS OU, SOMENTE, UMA TENTATIVA DE RENOVAÇÃO? 
Maldonato - Muitos pensadores e, até mesmo, inúmeros cientistas, há tempos, afirmam a necessidade, urgente, de uma nova concepção da objetividade científica, que evidencie o caráter complementar e não contraditório das ciências experimentais e das ciências narrativas. Não se trata de outro tipo de Ciência. Nem de colocar em discussão a tradição clássica das Neurociências. Trata-se de renovar o objeto de pesquisa nesta mesma tradição, por meio de uma linguagem que torne compreensíveis os processos e eventos que as ciências cognitivas tradicionais, até aqui, definiram por meio de aproximações fenomenológicas. Tudo isso com a consciência de que, se é verdade que, no atual estágio, nem Ciência nem Filosofia podem nos dizer muito a respeito da relação mente-corpo, acerca da consciência, entre outras questões, ambas compartilham esses mesmos problemas.

Fantasia, sentimento e imaginação não só não se opõem à razão como constituem, de fato, antídotos à tendência desta à abstração conceitual. Não seria exagerado considerá-las declinações diversas, encarnações da racionalidade e em nada contrapostas a ela
NA PRIMEIRA PARTE DO LIVRO - ELOGIO DA RACIONALIDADE IMPER FEITA - VOCÊ CITA FREUD, QUE DIZ QUE A BIOLOGIA E AS SUAS INFINITAS POSSIBILIDADES PODERIAM, EM UM DETERMINADO MOMENTO HISTÓRICO, DERRUBAR A ARQUITETURA DE NOSSAS CONVICÇÕES E CERTEZAS. PODEMOS CONSIDERAR A SÍNTESE DESSE CONCEITO EM UMA FRASE SUA: "A NATUREZA COMPLEXA DO CÉREBRO EXIGE UMA MUDANÇA DA PE RSPE CTIVA"? 
Maldonato - O confronto entre Psicanálise e Neurociências está produzindo reflexos conceituais, que põem em questão os princípios fundamentais da Psicanálise, exigem respostas às tantas falhas de explicação, provocam discussões e, por fim, contribuem para criar um clima favorável à pesquisa. As descobertas das Neurociênentrevista cias sobre os sistemas da memória implícita e declarativa [ou de longo prazo], entre outras, contribuem para aprofundar, no âmbito psicodinâmico, a pesquisa conceitual sobre os diversos níveis da experiência corporal, que, hoje, vai das esferas do recalque do inconsciente às pré-reflexivas não verbais do inconsciente não recalcado.

EM RELAÇÃO À PSICANÁLISE CLÁSSICA E À CONTEMPORÂNEA, HOJE TEMOS MUITAS CORRENTES DE PE NSAMENTO, ALGUMAS QUE SE COMPLETAM, OUTRAS QUE SE CONTRAPÕEM. COMO OBSERVA ESSA QUESTÃO? PODE SER CONSIDERADA UM BENEFÍCIO PARA UMA CIÊNCIA DEMOCRÁTICA OU UMA CONFUSÃO COMPLETA? 
Maldonato - É evidente para todos, até para os psicanalistas mais radicais na tradição, que um longo e glorioso período se encerrou. As tradicionais dicotomias interior-exterior, sujeito-objeto, dão lugar a uma visão mais centrada na relação entre intuição e experiência. Diferente da terapia psicanalítica tradicional, hoje, estamos diante de arquipélagos de terapias psicológicas de base teórica e clínica relacional. É preciso aceitar a transformação. Além disso, se hoje Freud visse um paciente sendo analisado como no início do século XX, ele ficaria desmoralizado. O grande psicanalista vienense acreditava numa Ciência capaz de se desenvolver, de se transformar. De qualquer maneira, todos devem procurar o próprio estilo de modo livre e criativo. Claro, sem excessos pós-modernos e muitas bricolagens. Sobretudo, entrando em contato com todo o resto. Para os mais jovens, não bastará mais, como nos meus tempos, estudar só os clássicos. Hoje, é preciso entrar em contato com o que aparece na Psicanálise contemporânea.

O confronto entre Psicanálise e Neurociências está produzindo reflexos conceituais, que põem em questão os princípios fundamentais da Psicanálise, exigem respostas às tantas falhas de explicação, provocam discussões e, por fim, contribuem para criar um clima favorável à pesquisa
SEGUNDO SUA AVALIAÇÃO, A PROBLEMÁTICA COLOCADA PARA AS NEUROCIÊNCIAS COGNITIVAS NO SÉCULO 21 SERIA BUSCAR UMA NOVA ALIANÇA ENTRE A FILOSOFIA DA MENTE E A FILOSOFIA DA LINGUAGEM, A LINGUÍSTICA E A NEUROBIOLOGIA, A PSICOLOGIA E A LÓGICA, A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E A CIÊNCIA COGNITIVA, PARA UM NOVO MODELO DE VIDA RELACIONAL. COMO CONSEGUIR ISSO? 
Maldonato - Não existe apenas um caminho. Para mim, isso parece ser o mais lógico e natural. Do contrário, a distância entre as disciplinas aumentará desmedidamente e cada um terá apenas uma (falsa) soberania sobre a própria e minúscula disciplina, sem entender nada do que está e se move em torno dela. Hoje, nenhum cientista, em sã consciência, pode deixar de olhar as diversas faces de um mesmo problema. Seria condenado, rapidamente, a um contundente fracasso. O caminho é o da colaboração entre as diversas faces do prisma, que é a própria natureza.

COMO AVALIA O TRABALHO DA FILOSOFIA DA MENTE NA PSICANÁLISE CLÍNICA? 
Maldonato - Há muitos aspectos interessantes desta colaboração, mas me parece que se encontra, ainda, em fase de compreensão recíproca. vamos esperar pelos desdobramentos futuros.

O DESAFIO PARA A CRIAÇÃO DE UMA NOVA CIÊNCIA DA MENTE É O DE CONCILIAR O ASPECTO DA OBJETIVIDADE COM TEMAS COMO EM- PATIA, INTERSUBJETIVIDADE, LIVRE-ARBÍTRIO E INTERESSES INDIVIDUAIS? 
Maldonato - você se refere a problemas e níveis diferentes. Mas o caminho é este que você sintetizou.

NA SEGUNDA PARTE DO LIVRO - A VIDA OCULTA DO CÉREBRO - VOCÊ AFIRMA QUE O CÉREBRO É, CONSTANTEMENTE, RELEGADO AO PAPEL DE MERA INSTRUMENTALIDADE. EM SUA OPINIÃO, ISSO OCORRE POR UM ERRO DE AVALIAÇÃO DA PSIQUIATRIA, POR EXEMPLO? 
Maldonato - Acreditamos erroneamente estar cientes da maior parte de nossas funções mentais. Ao contrário, grande parte dos processos nervosos é inconsciente. Nosso cérebro continua a funcionar durante o sono. Por outro lado, muitas funções mentais - da decisão à memória e à visão - ocorrem, em maior parte, em nível inconsciente. Claro, um inconsciente diferente do freudiano, mas, igualmente, fascinante e misterioso. Enfim, numerosas funções mentais se realizam sem nosso controle e sem que saibamos. Dos primeiros momentos do desenvolvimento da mente infantil à memória, aos desejos, às gratificações e aos processos criativos a esfera inconsciente da mente desempenha um papel fundamental e evidencia que, nem tudo o que acontece em nível cerebral, aflora na vida consciente.

QUAL O PAPEL DA PSICOBIOLOGIA NESSE PROCESSO? 
Maldonato - A Psicobiologia, disciplina originada da síntese entre Psicologia, Neuroanatomia e Neurofisiologia, com o objetivo de estudar e descrever os mecanismos na base do comportamento, está trazendo uma contribuição fundamental para o estudo da mente humana. Estes caminhos, em colaboração com os novos métodos de mapeamento cerebral, fornecerão contribuições fundamentais.

COMO SE O MUNDO ESTIVESSE PARA ACABAR É A TERCEIRA E ÚLTIMA PARTE DO LIVRO. NESTE MOMENTO, SURGE A QUESTÃO DA IDEIA MODERNA DE PÂNICO E TERROR, COMO UMA POSSÍVEL ESTÉTICA DO HOMEM NO SÉCULO 21. PODE EXPLICAR ESSE CONCEITO? 
Maldonato - Naturalmente, não temos aqui muito espaço para discutir este tema delicado. Mas, do meu ponto de vista, o pânico é a possibilidade de sentir o encontro com o nada. O problema terapêutico é transformar o ataque de pânico patológico em uma experiência de pânico, como experiência de libertação de núcleos de angústia profunda e, às vezes, indescritível. Mas não é o caso de entrar em níveis mais técnicos.
APROVEITANDO ESSE LINK QUE VOCÊ FAZ ENTRE CIÊNCIAS, FILOSOFIA, PSICOLOGIA E OUTRAS DISCIPLINAS, CABE A PERGUNTA: NO MUNDO MODERNO, OS ESTUDIOSOS ESTÃO CADA VEZ MAIS SE ESPECIALIZANDO EM UM DETERMINADO ASSUNTO. ISSO LIMITA O PENSAMENTO E IMPEDE QUE SE AMPLIE PARA OUTRAS APTIDÕES? O QUE É POSSÍVEL FAZER PARA QUE A MENTE NÃO IGNORE ESTÍMULOS PARA OUTRAS ÁREAS QUE NÃO A DA ESPECIALIDADE QUE A PESSOA ESCOLHEU? 
Maldonato - A especialização é, ao mesmo tempo, uma necessidade e um perigo. Eu diria que é um destino a ser seguido com inteligência. As disciplinas têm uma história relativamente recente. Nascem, de fato, por questões burocráticas. Hoje, o risco maior é que se liguem a dinâmicas de poder, que, muitas vezes, ofuscam e limitam o conhecimento dos problemas. Se, ainda, levarmos em conta que até mesmo a Ciência é, muitas vezes, derrotada por dinâmicas políticas, então, fica claro que os perigos podem ser desastrosos. Não se trata, apenas, da alocação dos recursos para determinados programas de pesquisa (que desde sempre acontece), mas da alocação de valores que, na Ciência, se torna uma questão, verdadeiramente, espinhosa.

VOCÊ FALA MUITO SOBRE O TEMPO E REFLETE SOBRE A CONDIÇÃO DO EU E DO MUNDO, DEFENDENDO A NECESSIDADE DE REAPRENDER A SENTIR EM UM TEMPO DE RENÚNCIAS E NECESSIDADES. COMO A MENTE PODE LIDAR E REAPRENDER COM ESSE PROCESSO? 
Maldonato - O tempo é a diferença da matéria em seu devir, mas, também, a imagem desse devir em uma consciência que o apreende. Compreender a fenomenologia do tempo permite atingir uma compreensão unitária e plural da mente humana. O caminho para alcançá-la é estreito e tortuoso, mas o único possível para recuperar uma relação natural com as coisas.

VOCÊ ACREDITA NA NEUROPLASTICIDADE?
Maldonato - Claro. Trata-se de uma propriedade fundamental de nossos neurônios, que permite ao sistema nervoso modificar a própria estrutura e a funcionalidade, de modo, mais ou menos, duradouro e dependente de outros eventos que os influenciam, como a experiência. Mas, aqui também, não seria o caso de entrar nos detalhes.

A MENTE HUMANA, FREQUENTEMENTE, RELACIONA O TEMPO COM O PASSADO, LEMBRANÇAS DE PE RDAS E UMA ESPÉCIE DE NOSTALGIA POR ALGUMA COISA NÃO CONQUISTADA. POR QUE CULPAMOS O TEMPO POR NOSSAS FRUSTRAÇÕES? 
Maldonato - Nossa vida é, sempre, uma transição entre 'não mais' e 'ainda não'. Se a isso acrescentarmos que a memória (até a memória do futuro) é mais infiel, então, compreendemos estar diante de um dos enigmas mais persistentes da consciência humana. Além disso, a pergunta sobre o tempo é a pergunta sobre a consciência. Nós poderemos responder só quando tivermos a solução para esse problema, que é, ao mesmo tempo, o mais misterioso e o mais familiar.

O FENÔMENO DAS REDES SOCIAIS MOSTRA QUE O SER HUMANO, POR SUA SUPE REXPOSIÇÃO, ESTÁ MAIS PREOCUPADO EM PARECER FELIZ PARA O OUTRO DO QUE SER, EFETIVAMENTE, FELIZ. O QUE ACHA DISSO? SERIA UMA FORMA DE ESCONDER OU FUGIR DAS ANGÚSTIAS MODERNAS? 
Maldonato - Parece-me que as redes sociais, em vez de felicidade, mostram mais angústia: de aparecer, de representar, de estar lá a todo custo. Parece-me uma perfeita estratégia de remoção do silêncio, da meditação, da contemplação, da reflexão silenciosa. Não as demonizo. Além disso, eu mesmo estou presente lá e faço uso delas para ficar em contato com tantos amigos. Minha impressão, todavia, é que daqui a pouco serão bem diferentes de como as conhecemos hoje.

EM QUE MEDIDA ESSA NOVA REALIDADE DA PROPAGAÇÃO DAS INFORMAÇÕES REFLETE E INFLUENCIA NO ENSINO DAS NOVAS GERAÇÕES? ESSES MECANISMOS DIGITAIS NÃO DEVERIAM AUXILIAR NA EDUCAÇÃO? NO ENTANTO, VOCÊ JÁ DISSE QUE O SISTEMA ESCOLAR DE HOJE NÃO PE RMITE QUE O PROFESSOR OU O ESTUDANTE, ISOLADAMENTE, EXPLOREM COM LIBERDADE O APRENDIZADO. ISSO NÃO É UM PARADOXO? 
Maldonato - Na realidade, eu queria dizer que uma educação funcional para uma sociedade anônima exclui os indivíduos dos circuitos da comunicação, da participação, da decisão. Ela os induz à apatia, ao distanciamento, à violência, à impotência e à Alienação. Ou seja, gera indivíduos com tendências à servidão política, à ditadura midiática. As redes (mesmo as sociais) permanecem, de fato, canais de comunicação, em que as possibilidades de feedback e, mais geralmente, de autorregulação, controle e input de acesso ficam bloqueados no sistema atual. Estamos diante de uma série de mal-entendidos culturais, a começar pela consideração difundida da inelutabilidade do primado da tecnologia, que se tornou quase uma espécie de ideologia oficial. É preciso estar atento! A escola - como concebida hoje - carrega consigo, com seus lugares-comuns e seu conformismo, o temível risco de se tornar uma doxa acrítica, subalterna à ideologia hegemônica e ao poder político.

A TECNOLOGIA, ATÉ MESMO POR SUA VELOCIDADE, NÃO PE RMITE O CHAMADO ÓCIO CRIATIVO. ALIÁS, EM SUA AVALIAÇÃO, QUAIS SERIAM OS BENEFÍCIOS DO ÓCIO CRIATIVO? 
Maldonato - A expressão "ócio criativo" é muito interessante e comunica bem. Mas me pergunto: o que quer dizer a apologia do ócio criativo no labirinto penitencial da pós-modernidade? Que sentido tem uma suposta liberdade num abrigo incontaminado, puro e imunizado? À parte que o elogio incondicionado ao ócio criativo, que colocado deste modo degrada o conceito nobilíssimo de trabalho, ainda tem os ares de uma tomada de posição favorável ao espaço elitista e aristocrático. É a ideia de uma liberdade como fim em si mesma. Não de uma liberdade que abre outros espaços de liberdade. Mas essa é outra história.


Fonte: Psique

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

As relações entre autismo, epilepsia e maconha

O desequilíbrio do sistema endocanabinoide do cérebro está envolvido na neurobiologia de várias doenças e transtornos
               
Em 2013, a CNN divulgou o caso de uma menina de 7 anos diagnosticada com síndrome de Dravet, uma epilepsia muito severa, que não raro surge acompanhada de autismo. Ela obteve uma melhora evidente depois de começar a ser tratada com o extrato de uma variedade de Cannabis sativa em canabidiol (CBD), componente da planta que tem, entre outras propriedades, efeitos anticonvulsivantes. Charlotte Figi, que sofria mais de 300 crises convulsivas por mês, passou a ter apenas duas. Além do controle das convulsões, a menina apresentou algumas melhoras de sintomas associados ao autismo: passou a manter contato visual com os pais e deixou de ter comportamentos como autoflagelação e ataques de agressividade.
Diversas síndromes epiléticas, como a síndrome de Dravet, têm alta prevalência deautismo. Também entre pessoas diagnosticadas com autismo, são comuns convulsões: cerca de um terço dos diagnosticados tem crises convulsivas. Estimativas sobre a quantidade de autistas que também têm epilepsia variam de 5% a 46% – note-se que a variação nos dados é alta, mas mesmo a estatística mais baixa é maior que a prevalência de epilepsia na população geral, que é de 1%. Mas os cientistas estão apenas começando a formular hipóteses sobre as origens biológicas dessa comorbidade.
“Tempestades elétricas que ocorrem no cérebro” é uma metáfora comum para descrever crises epiléticas. Gráficos de eletroencefalografia (EEG), técnica em que eletrodos ajustados sobre o couro cabeludo registram padrões de onda entre grandes grupos de neurônios, mostram um padrão rítmico anormal de ondas e picos ao longo de muitos segundos durante convulsões. Não é simples diagnosticar a epilepsia. Há casos em que não há convulsões – a síndrome pode, por exemplo, se manifestar em crises de ausência, especialmente em crianças. O diagnóstico é ainda mais complicado se autismo e epilepsia se reúnem. Olhar vazio, desatenção e tiques motores são sintomas comuns a ambos.
É possível que existam genes comuns ao autismo e à epilepsia, muitos deles envolvidos na regulação das sinapses, as conexões entre os neurônios. Alguns cientistas consideram que defeitos em sinapses poderiam causar desequilíbrio de sinais excitatórios e inibitórios no cérebro, o que levaria ao autismo, à epilepsia ou a ambos.

Autismo e endocanabinoides
Uma das hipóteses mais aceitas sobre a causa de autismo é que a interação entre neuroliginas e neurexinas (proteínas pré-sinápticas) – crucial para o equilíbrio da transmissão de sinais excitatórios e inibitórios entre neurônios – funciona de forma alterada por causa de mutações em ambas as proteínas. Um estudo publicado na Neuron em 2013 relaciona mutações específicas nas neuroliginas (moléculas de adesão celular pós-sinápticas) a alterações na sinalização endocanabinoide em ratos.
O fisiologista celular Thomas Südhof, da Universidade Stanford, e seus colegas selecionaram roedores com cada uma das mutações e fizeram registros eletrofisiológicos das interações entre pares de células em áreas do hipocampo do cérebro dos animais. Observaram um aspecto em comum: um tipo de célula contendo receptores canabinoides tipo-1 (CB1) mostrou alterações similares em seus padrões de excitação em ambas as mutações. Porém, o mecanismo que faz com que mutações em neuroliginas causem déficits de sinalização endocanabinoide ainda não é esclarecido.
O sistema endocanabinoide é um grupo de receptores envolvidos em vários processos importantes, como percepção de dor, memória, emoções, coordenação de movimentos e outros. E esses receptores respondem aos fitocanabinoides presentes na Cannabis sativa, a maconha. “Em maior ou menor grau, defeitos no sistema endocanabinoide estão envolvidos na etiologia de diversas doenças e transtornos, como epilepsia e autismo”, diz o neurocientista Renato Malcher-Lopes, professor da Universidade de Brasília (UNB), em entrevista à Mente e Cérebro.
Ainda são necessários estudos que esclareçam a relação entre alterações no sistema endocanabinoide e autismo. Mas o crescente número de relatos de médicos e pais de crianças com sintomas severos tanto de epilepsia como de autismo que apresentam melhoras quando tratadas com cannabis medicinal leva a crer que, no futuro, substâncias derivadas da planta venham a ser opção segura para o controle de sintomas em ambos os casos.

Fonte: Scientific American Mente Cerebro

O risco dos estimulantes na infância

Crianças distraídas demais estão prestes a se enquadrar em um novo distúrbio, que já está no alvo de laboratórios. Isso pode aumentar o uso já exagerado - e perigoso - de estimulantes na infância

Está ficando difícil ser normal. Crianças entram nos consultórios pediátricos sendo agitadas, temperamentais ou desatentas e passam pela porta de saída levando alguma síndrome e a receita de uma droga. As próximas a sair da curva da normalidade, cada vez mais estreita , são aquelas que vivem com a cabeça no mundo da lua.
Há um movimento na Psiquiatria que defende a legitimação do Tempo Cognitivo Lento (Sloggish Cognitive Tempo), uma desordem que tem grandes chances de engrossar as páginas da futura edição do Diagnóstico de Saúde Mental (DSM). No início do ano, o Journal of Abnormal Child Psychology, publicação oficial da Sociedade Internacional de Pesquisas em Psicopatia Infantil, dedicou 136 páginas ao novo distúrbio, que poderia vir a disputar com o déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) o título de diagnóstico mais comum entre crianças e adolescentes.
Os defensores do novo termo alegam que muitas crianças com processamento mental mais lento são atualmente diagnosticadas com TDA H e, por isso, recebem o tratamento errado. Elas seriam apenas desatentas e letárgicas, sem trazer os sintomas da hiperatividade. Se a intenção é reduzir as taxas de uso de psicotrópicos na infância, a estratégia já deu errado: a grande parcela da população infantil que se encaixa nos sintomas do Tempo Cognitivo Lento já está no alvo dos laboratórios, que, certamente, vão encontrar uma nova fórmula para "ajudá-las".
Representantes de uma grande empresa farmacêutica, ouvidos recentemente pelo jornal New York Times, já declararam que a nova condição está em estudo e estão sendo buscadas alternativas que satisfaçam necessidades não supridas pelas medicações existentes. Os laboratórios que não estão desenvolvendo nada específico, mas que trabalham com medicações para TDAH, podem se benefi ciar da semelhança entre os sintomas dos dois distúrbios e, dificilmente, perderão a oportunidade de ampliar seu público, já assustadoramente grande.
                                  Imagem: Shutterstock
Antes de diagnosticar uma criança com TDAH, deve-se levar em conta que muitas condições podem ter relação com seu comportamento inquieto, como problemas de visão, audição e superdotação

OS DEFENSORES DO NOVO TERMO ALEGAM QUE MUITAS CRIANÇAS COM PROCESSAMENTO MENTAL MAIS LENTO SÃO ATUALMENTE DIAGNOSTICADAS COM TDAH E, POR ISSO, RECEBEM O TRATAMENTO ERRADO. ELAS SERIAM, APENAS, DESATENTAS E LETÁRGICAS, SEM TRAZER OS SINTOMAS DA HIPERATIVIDADE
Os dados mais recentes do CDC (sigla para Centro de Controle e Prevenção de Doenças, em inglês) apontam que 11% das crianças, entre 4 e 17 anos, foram diagnosticadas com TDAH nos estados unidos, em 2011, sendo que mais da metade fazia uso contínuo de medicação. A incidência, portanto, é bem maior do que o previsto pelo dsm, de 5%. o Brasil é o segundo maior mercado mundial de metilfenidato (Ritalina), atrás dos estados unidos.
É possível que a taxa tenha aumentado ainda mais, nos últimos meses, com a conclusão, em maio de 2013, da quinta edição do DSM, que afrouxa os critérios para avaliação do distúrbio, sugerindo que os sintomas devem ser "inconsistentes com o nível de desenvolvimento", enquanto no dsm-iv eles deveriam "ser mais frequentes e severos que os tipicamente observados em indivíduos com nível comparado de desenvolvimento". a idade limite para aparição dos sintomas foi ampliada de 7 para 12 aos, fase em que o comportamento pode sofrer alterações facilmente associadas aos sintomas de TDAH.
Não faltam motivos para questionar os diagnósticos - principalmente quando envolvem medicação. Um deles é a incidência de TDAH muito maior entre crianças nascidas no fim do calendário escolar. Pesquisadores da British Columbia Universityanalisaram, em 2012, dados de 900 mil crianças canadenses e concluíram que o índice de consumo de estimulantes, tipo Ritalina, era 77% maior entre as meninas e 41% entre os meninos mais novos da sala. Isso torna evidente que grande parte dos estudantes das séries iniciais estão tomando remédios por serem, simplesmente, mais imaturos do que seus colegas.
Ainda passam pela peneira do distúrbio uma quantidade imensurável de crianças temperamentais e agitadas, que não são, devidamente, disciplinadas pelos pais. "muitas vezes, os pais perdem a confiança em sua autoridade moral e tentam impor regras confusas e contraditórias. especialmente, quando são informados por 'especialistas' que há uma desordem biológica com o filho e, portanto, os esforços para melhorar sua autoridade sobre a criança seriam em vão", avalia o psiquiatra americano Peter R. Breggin, em seu livro Medication Madness (não editado no Brasil). Membro da Associação Americana de Psiquiatria e fundador do Centro internacional para o estudo da psiquiatria e psicologia, Breggin é autor de diversos livros e estudos, que colocam em questão o efeito dos psicotrópicos.
Ele aconselha o desenvolvimento de um programa disciplinar paralelo à retirada gradual da medicação. Com quatro décadas de experiência clínica, o médico afirma, com segurança, que todos os seus pacientes se saíram melhor sem as drogas. "enquanto os pais trabalham sua relação com o fi lho, a própria criança aprende a se autodisciplinar. mas ela jamais poderá fazer isso, enquanto acreditar que tem um distúrbio e que necessita de remédios", destaca.
CAUSAS E TRATAMENTOS 
A partir de neuroimagens de 234 crianças com TDAH, um estudo de 2012, publicado no jornal Biological Psychiatric, sugeriu atraso no desenvolvimento de áreas do córtex pré-frontal, responsável pela modulação do controle social. essa conclusão se soma a outras especulações - desde pouco oxigênio na hora do parto, até desequilíbrio no sistema dopaminérgico - que buscam comprovação biológica do distúrbio.
               Imagem: Shutterstock
Insônia e ansiedade são efeitos colaterais comuns dos estimulantes para crianças. Muitas vezes, esses problemas são contornados com outras drogas psicotrópicas.

POR SER ABSORVIDO MAIS LENTAMENTE NA CORRENTE SANGUÍNEA QUE DROGAS ILEGAIS, OS EFEITOS COLATERAIS DOS ESTIMULANTES USADOS PARA TDAH SÃO, APARENTEMENTE, MENOS SEVEROS
Oficialmente, o que temos por enquanto é que "cientistas não estão certos sobre o que causa TDAH, embora muitos estudos sugiram que há uma grande contribuição genética. Como outras condições neurológicas, provavelmente resulta de uma combinação de fatores. Pesquisadores estão buscando possíveis fatores ambientais". A declaração do instituto nacional de saúde mental Americano (NIMH) reflete as incertezas sobre as quais se formam o diagnóstico, tão controverso e suscetível a erros.
Fundador do Centro de diagnóstico e desenvolvimento, em Chicago, e membro da academia americana de neurologia, o neurologista Richard Saul defende uma nova forma de olhar o TDAH: como um produto de uma condição primária e não como um distúrbio isolado. saul trabalha há cerca de 50 anos com crianças que apresentam sintomas de hiperatividade e défi cit e atenção.
Com experiência de quem tratou milhares de pacientes, ele afirma que, em nenhum caso que atendeu até hoje, o diagnóstico era independente de outra condição. E quando esta outra condição é investigada e devidamente tratada, os sintomas de TDAH tendem a desaparecer. em muitos casos, o que para outros médicos é comorbidade, para ele é a causa.
O neurologista listou 20 condições associadas ao comportamento típico de TDAH: de superdotação e problemas de visão e audição até síndromes, geralmente, mais debilitantes, como a do alcoolismo fetal. problemas oculares estariam, segundo ele, entre as mais simples e mais ignoradas explicações para comportamentos confundidos com TDAH em crianças. Deve-se investigar, ainda, possível falta de sono, falta de ferro na alimentação, dislexia, epilepsia, hipertireoidismo, transtorno obsessivo- -compulsivo, síndrome de tourette e distúrbio bipolar, para citar os principais.
Assim como o diagnóstico, o tratamento com estimulantes é bastante controverso. não há como questionar os efeitos milagrosos do metelfenidado (Ritalina e Concerta) em crianças "incontroláveis" e desfocadas. Essa droga, que o DEA (Drug Enforcement Administration) coloca na mesma categoria da cocaína, por agir de forma semelhante no cérebro, de fato ajuda o paciente a focar em tarefas monótonas e repetitivas, o que pode ser uma bênção para pais e professores. isso acontece, apenas, enquanto a criança está sob o efeito da medicação. Como um band- -aid, a droga não trata, apenas mascara o problema até o efeito passar. E o preço para isso pode ser muito alto.
                                     Imagem: Arquivo PessoaL/Shutterstock
Estimulantes não tratam nenhum distúrbio, apenas mascaram o problema durante algumas horas

Por ser absorvido mais lentamente na corrente sanguínea que drogas ilegais, os efeitos colaterais dos estimulantes usados para TDAH são, aparentemente, menos severos. Assim como a cocaína, os estimulantes alteram o nível de neurotransmissores no cérebro, elevando a atividade de dopamina e noradrenalina. depois de algum tempo de uso, o cérebro ajusta sua produção natural desses químicos às alterações provocadas pelo medicamento, causando tolerância e possível dependência.
A tolerância é compensada com doses maiores e, muitas vezes, associadas a um segundo psicotrópico com ação antidepressiva ou ansiolítica, para minimizar os efeitos de ansiedade, depressão e humor apático, que, comumente, acompanham o uso de estimulantes. e a química do cérebro em desenvolvimento da criança é bagunçada por um coquetel diário de drogas.
Para acompanhar esses efeitos comuns da ação do metilfenidato, outros problemas físicos e psiquiátricos costumam aparecer, como perda de apetite, letargia, insônia, perda de peso, supressão no crescimento, hipertensão, alterações de humor, paranoia, episódios psicóticos e alucinações. Na maior parte dos casos, a apatia ou "efeito zumbi" - decorrência de curto prazo mais comum do uso do medicamento - é sutil. Mas, algumas vezes, transforma-se em depressão severa, com risco de suicídio entre adolescentes.
ASSIM COMO A COCAÍNA, OS ESTIMULANTES ALTERAM O NÍVEL DE NEUROTRANSMISSORES NO CÉREBRO, ELEVANDO A ATIVIDADE DE DOPAMINA E NORADRENALINA
De acordo com Robert Whitaker, em seu premiado livro investigativo Anatomy of An Epidemic (não editado no Brasil), a relação do uso de anfetaminas e desenvolvimento de psicoses é apontada, por muitos psiquiatras, como uma das evidências de que a esquizofrenia estaria relacionada a um nível alto de dopamina no cérebro.
Em 2006, depois de receber mil registros reportando psicoses induzidas por estimulantes para TDAH, o FDA (Food And Drug Administration) lançou um relatório sobre esse risco. De acordo com a entidade, os pacientes não apresentavam riscos identificáveis, comprovando a origem iatrogênica do problema. sabe-se que esses relatórios representam apenas 1% do número de efeitos registrados nos consultórios, o que demonstra que não se tratam de episódios raros. "Quando a condição da criança começa a deteriorar, os médicos quase nunca atribuem a piora ao efeito da droga e, sim, aumentam a dose e receitam novas medicações", lamenta Breggin.
A investigação de comportamentos, que causam prejuízos funcionais para a criança ou adolescente, não pode se restringir a uma rápida consulta onde é feito o check-list dos sintomas de TDAH que o DSM oficializou. E se a busca por uma melhora precisa, de fato, passar pela farmácia, é fundamental conhecer todos os riscos relacionados a uma solução química e de curto prazo.
                             Imagem: Arquivo PessoaL/Shutterstock
Michele Muller é jornalista com especialização em Neurociência Cognitiva e autora do bloghttp://neurocienciasesaude.blogspot.com.br

Fonte: Psique

Disponível em: <
http://portalcienciaevida.uol.com.br/esps/Edicoes/103/artigo322782-2.asp>. Acesso em: 7 ago. 2014