O modelo assistencial de saúde suplementar brasileiro, que inclui hoje 48,65 milhões de beneficiários e movimentou mais de R$ 84 bilhões, em 2011, está esgotado. A constatação é de especialistas e da própria Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que colocará o tema no foco da sua agenda em 2013. A direção da mudança também é consenso: é preciso sair de uma medicina simplesmente curativa para um modelo que privilegie a prevenção de doenças e a promoção de saúde. Quanto a como fazer essa transformação e qual o desenho ideal para "produzir" saúde é que surgem divergências entre especialistas e ANS.
- O assunto mais estudado no momento é a mudança do modelo assistencial. Em primeiro lugar, por conta do envelhecimento da população. E, em segundo, a forma como se oferece hoje não é um modelo pautado na prática, mas nos procedimentos, o que não é bom para a saúde do beneficiário, nem do setor. O sistema está doente. Por isso, embora registre uma grande produção de consultas, exames e internações, não necessariamente produz bom resultado em saúde - ressalta Martha de Oliveira, gerente-geral de Regulação Assistencial da agência.
Com a visão de que é preciso se antecipar aos problemas, Martha destaca que a ANS já vem editando diversas resoluções, durante todo este ano, que visam a estimular as operadoras de planos de saúde a adotarem programas e ampliarem o acesso a terapias que estejam voltadas à promoção da saúde.
- São resoluções como a voltada ao cuidado com o idoso, a de assistência farmacêutica, e a da ampliação do rol de procedimentos. Hoje a gente ainda não se antecipa a problemas que são previsíveis. A terceira causa de morte de idoso é o tratamento inadequado. Muitas vezes, por exemplo, até conseguir atendimento adequado o beneficiário já bateu em um monte de portas, e aí o quadro já se agravou - diz Martha.
A advogada Maria Stella Gregori, ex-presidente da agência, conta que esteve recentemente com Michael Porter, professor da Universidade de Harvard, nas áreas de administração e economia, que já publicou um livro sobre saúde.
Ela diz que hoje no mundo não há dúvida de que o foco na saúde deve estar centrado no consumidor:
- É preciso pensar na sustentabilidade, ter uma visão holística para que o modelo tenha equilíbrio econômico, seja socialmente justo e ambientalmente correto, afinal o ambiente também provoca doenças. E acho que a ANS tem evoluído bastante nesse processo de manter o diálogo aberto para discutir esse novo sistema, assim como vejo positivamente as iniciativas dos programas de promoção à saúde que passaram a fazer parte da agenda regulatória. O fato é que todos os atores têm que mudar de comportamento, inclusive o consumidor.
Com uma visão diametralmente oposta, a advogada Renata Vilhena, especializada no setor de saúde, não consegue ver progressos:
- Este ano a ANS publicou 30 resoluções, a maioria sobre cargos comissionados. Na minha avaliação, a única que se salva dessas novas regras é a que estabelece parâmetros para reajustes de planos coletivos com até 30 beneficiários, mesmo assim é preciso garantir fiscalização para que ela funcione. De resto, acho que poderia haver a extinção da agência. Se as leis de planos de saúde e o Código de Defesa do Consumidor fossem aplicados, já estaria de bom tamanho. E quando há divergência entre uma lei e outra, quem resolve é o Judiciário, não a ANS.
Para Renata, um ponto fundamental para melhorar os diagnósticos, reduzir o volume de exames e desafogar as emergências dos hospitais é elevar a remuneração dos médicos:
- Os planos de saúde deveriam ser proibidos de serem donos de hospitais e laboratórios. Como atuar nas duas pontas? Há um conflito de interesses que pode prejudicar a qualidade do serviço, por exemplo, para baixar custos. E, nesses casos, consumidor e médicos são os principais prejudicados.
Remuneração incompatível
Professora de Direito do Consumidor da Universidade Santa Amaro e consultora da Unesco em pesquisa sobre planos de saúde para a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), Daniela Batlha Trettel concorda que o modelo de remuneração está equivocado:
- A forma como os planos lidam com os profissionais de saúde não garante que o médico atue de maneira preventiva. O atendimento é tão rápido que não há tempo de fazer um bom diagnóstico. O mesmo acontece com nutricionistas e psicólogos, que, às vezes, recebem R$ 8 por uma consulta. E a assistência à saúde não pode ser focada apenas em medicina, tem que ser multidisciplinar.
Daniela defende uma nova visão de política pública única da saúde no Brasil, que inclua o SUS, pelo lado do Estado, e os planos de saúde. Ela também critica a falta de obrigatoriedade de adoção dos programas preventivos:
- A lógica de se afastar da saúde curativa passa por uma visão de saúde ligada ao bem estar. O conceito de saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS) não é a ausência de doença. Essa visão de saúde curativa permeia o inconsciente coletivo, tanto do consumidor como na forma de prestação de serviço. As propostas da ANS são tímidas, apesar de a estratégia de saúde preventiva ser boa.
Fonte: O Globo via Associação Brasileira de Psiquiatria
Disponível em: <http://www.abp.org.br/portal/
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