Pioneiro, o psiquiatra Juliano Moreira tirou as grades dos hospícios e trouxe as idéias de Freud para o Brasil
Autor : Ana Teresa A. Venancio
Autor : Ana Teresa A. Venancio
Foi como interno do Hospício Nacional dos Alienados, no Rio de Janeiro, que o escritor Lima Barreto (1881-1922) conheceu o psiquiatra e diretor do hospital, Juliano Moreira (1873-1933). Desde sua primeira internação, em 1914, o escritor foi visto por vários médicos do hospício, um “mais nevrosado e avoado” que ele, e outro “que o tratou com indiferença”. Moreira, mulato como Barreto, despertou a simpatia do escritor: “Na segunda-feira, antes que meu irmão viesse, fui à presença do doutor Juliano Moreira. Tratou-me com grande ternura, paternalmente, não me admoestou, fez-me sentar a seu lado e perguntou-me onde queria ficar”.
O psiquiatra tornara-se diretor da instituição – a primeira do gênero no Brasil – em 1903. Chegava para dar fim à situação calamitosa em que se encontrava o hospício. As mudanças necessárias não eram poucas. Na gestão anterior, o hospital tinha sido palco de escândalos, como o de desvio de verbas. Um inquérito do Ministério da Justiça também constatara as péssimas condições de tratamento.
Mas não era a primeira vez que isso acontecia, e, além de muitos, os problemas vinham de longa data. Fundado em 1852 com o nome de Hospício de Pedro II, a instituição era criticada desde a época do Império. Na década de 1880, já havia denúncias de violência e maus-tratos.
Mas não era a primeira vez que isso acontecia, e, além de muitos, os problemas vinham de longa data. Fundado em 1852 com o nome de Hospício de Pedro II, a instituição era criticada desde a época do Império. Na década de 1880, já havia denúncias de violência e maus-tratos.
Construção imponente, inspirada na Maison Nationale de Charenton, localizada perto de Paris, o hospício brasileiro tinha uma escadaria de granito ladeada por duas estátuas representativas da caridade e da ciência. Inicialmente, os pacientes eram internados nos pavilhões segundo classe social e sexo. Para aqueles que podiam pagar pelo tratamento – os pensionistas –, estavam reservadas as seções Cameil (homens) e Morel (mulheres); para os indigentes, as seções Pinel (homens) e Esquirol (mulheres). Mas o cuidado com as instalações já não era o mesmo havia anos, e a imponência e a organização do começo tinham ficado para trás: pensionistas e indigentes permaneciam misturados e havia até crianças convivendo com adultos.
Em sua administração, Juliano Moreira tratou logo de pôr fim a essa promiscuidade e criou um local especial para as crianças, o Pavilhão-Escola Bourneville, dirigido pelo pediatra Fernandes Figueira (1863-1928). O médico tomou ainda medidas revolucionárias ao propor que no lugar de coletes, camisas de força e grades, fossem adotados a klinoterapia (terapia pelo repouso) e o trabalho em oficinas como tratamento. Nem todas as medidas de contenção física chegaram a ser eliminadas, mas as oficinas foram montadas e os pacientes passaram a participar de atividades como tipografia, encadernação, costura, sapataria, carpintaria e muitas outras. O médico queria que os internos fizessem algo que os lembrasse de sua profissão durante o período no hospício.
As ações de Moreira combinavam com as iniciativas “modernizadoras” do governo, como a reforma urbana do prefeito Pereira Passos (1902-1906) e a batalha higienista de Oswaldo Cruz (1872-1917). O governo central pretendia remodelar a capital da jovem República.
Quando assumiu o cargo, Juliano Moreira tinha 33 anos e chegava de uma temporada na Europa. Partiu para o Velho Mundo em busca de tratamento para a tuberculose, que contraíra devido à rotina irregular pela intensa dedicação aos estudos. Entre 1895 a 1902, ao longo de várias viagens, participou de cursos sobre doenças mentais de renomados médicos e psiquiatras, como Paul Emil Flechsig e Émil Kraepelin. Obstinado, Moreira não perdeu tempo e aproveitou todas as oportunidades. Fez estágio em anatomia patológica com Rudolf Virchow e frequentou as principais clínicas psiquiátricas e manicômios da Alemanha, da Inglaterra, da França, da Itália e da Áustria.
O interesse pela área de saúde surgiu bem cedo, na adolescência. Dedicado e estudioso, Juliano Moreira foi um jovem prodígio. Iniciou o curso de Medicina, na Bahia, onde nasceu, quando tinha apenas 13 anos! Cinco anos depois, em 1891, formou-se com a apresentação da tese “Sífilis maligna precoce”. A origem humilde não o impediu de seguir sua vocação. Seu pai, o português Manoel do Carmo Moreira Júnior, era inspetor de iluminação pública: verificava se os trabalhadores acendiam os lampiões de ferro das ruas da cidade. A mãe era empregada doméstica na casa de conhecido médico baiano, Luís Adriano Alves de Lima Gordilho, barão de Itapuã (1830-1892). O menino deu a sorte de ter tido o barão como seu padrinho e incentivador dos estudos.
Quando assumiu o cargo, Juliano Moreira tinha 33 anos e chegava de uma temporada na Europa. Partiu para o Velho Mundo em busca de tratamento para a tuberculose, que contraíra devido à rotina irregular pela intensa dedicação aos estudos. Entre 1895 a 1902, ao longo de várias viagens, participou de cursos sobre doenças mentais de renomados médicos e psiquiatras, como Paul Emil Flechsig e Émil Kraepelin. Obstinado, Moreira não perdeu tempo e aproveitou todas as oportunidades. Fez estágio em anatomia patológica com Rudolf Virchow e frequentou as principais clínicas psiquiátricas e manicômios da Alemanha, da Inglaterra, da França, da Itália e da Áustria.
O interesse pela área de saúde surgiu bem cedo, na adolescência. Dedicado e estudioso, Juliano Moreira foi um jovem prodígio. Iniciou o curso de Medicina, na Bahia, onde nasceu, quando tinha apenas 13 anos! Cinco anos depois, em 1891, formou-se com a apresentação da tese “Sífilis maligna precoce”. A origem humilde não o impediu de seguir sua vocação. Seu pai, o português Manoel do Carmo Moreira Júnior, era inspetor de iluminação pública: verificava se os trabalhadores acendiam os lampiões de ferro das ruas da cidade. A mãe era empregada doméstica na casa de conhecido médico baiano, Luís Adriano Alves de Lima Gordilho, barão de Itapuã (1830-1892). O menino deu a sorte de ter tido o barão como seu padrinho e incentivador dos estudos.
Aos 23 anos, passou em um concurso para o cargo de assistente da cátedra de Clínica Psiquiátrica e Doenças Nervosas da Faculdade de Medicina da Bahia. A banca examinadora era, em grande parte, constituída de escravocratas, que certamente não viam com bons olhos a possibilidade de aquele jovem mulato estar ao seu lado na faculdade. O salão nobre da universidade ficou lotado de estudantes e curiosos, que acompanharam atentamente a realização de todas as provas. Quando Juliano Moreira recebeu aprovação unânime, os aplausos e vivas tomaram conta do lugar. A comoção foi geral. Naquela época, fazia muito pouco tempo que o Brasil abolira a escravidão. Ser negro, pardo ou mestiço era, quase sempre, uma barreira à ascensão social. Mesmo assim, Moreira conseguiu ultrapassar esse obstáculo, alcançando uma bem-sucedida trajetória profissional.
Entre as importantes iniciativas do psiquiatra na Bahia está a criação, em 1894, junto com Nina Rodrigues (1862-1906) e outros, da Sociedade de Medicina e Cirurgia do estado. Também foi médico da Inspetoria de Higiene, assistindo a população indigente que sofria de febres e disenterias em cidades nos arredores de Salvador.
O psiquiatra foi pioneiro em sua área. Em 1899, fez uma conferência em que divulgava as ideias de Sigmund Freud (1856-1939), sendo por isso considerado o precursor da psicanálise no Brasil. Em artigos sobre doenças comuns nos trópicos, como a sífilis, o beribéri e a malária, ele fazia um alerta inovador. Chamava a atenção para a necessidade de mais análises e provas experimentais, científicas, em detrimento das teorias que consideravam essas enfermidades diretamente causadas pelo clima, pela raça ou pelas condições sociais em que eram geradas.
A inovação sempre foi uma constante no trabalho de Juliano Moreira, tendo atuado não só como médico, mas também no campo da saúde pública. Ele foi grande incentivador da primeira lei de assistência a alienados, de 1903, que tratou de três questões: o direito de internação dos cidadãos com alienação comprovada pelas autoridades médicas, as condições institucionais necessárias para a internação dos alienados e o modo como a União deveria administrar e fiscalizar as instituições nesse campo.
A inovação sempre foi uma constante no trabalho de Juliano Moreira, tendo atuado não só como médico, mas também no campo da saúde pública. Ele foi grande incentivador da primeira lei de assistência a alienados, de 1903, que tratou de três questões: o direito de internação dos cidadãos com alienação comprovada pelas autoridades médicas, as condições institucionais necessárias para a internação dos alienados e o modo como a União deveria administrar e fiscalizar as instituições nesse campo.
Juliano também difundiu a necessidade de criação de diferentes tipos de hospitais para tratamento, como um manicômio judiciário para os loucos criminosos – o que se concretizaria em 1921, após uma rebelião de pacientes no então Hospital Nacional de Alienados – e uma colônia agrícola, onde houvesse a convivência dos doentes com famílias “sadias” (tratamento heterofamiliar), com as quais os pacientes passavam as horas do dia participando da rotina e de serviços domésticos na casa de funcionários da colônia. Esta foi inaugurada em 1924 como Colônia de Psychopatas- Homens, em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, e em 1935, denominada Colônia Juliano Moreira.
Ele também não poupou esforços para o avanço de sua especialidade no país. Participou da criação de sociedades e de periódicos especializados e da implantação e divulgação de métodos e nomenclaturas científicas aqui elaboradas. Com atuação internacional intensa, expôs trabalhos em vários congressos fora do Brasil. Convidado para fazer conferências no Japão em 1928, recebeu uma condecoração com a Ordem do Tesouro Sagrado do imperador Hirohito (1901-1989). No mesmo ano, quando foi criada a seção Rio da Sociedade Brasileira de Psicanálise, tornou-se seu presidente.
No entender de Juliano Moreira,era preciso provar que este país tropical, menos “civilizado” aos olhos europeus, também fazia ciência, e que a psiquiatria deveria estar integrada a esse movimento para o progresso científico no Brasil.
Ele participou da comissão que elaborou a primeira classificação psiquiátrica brasileira, entre 1908 e 1910. Moreira e os médicos Carlos Eiras, Henrique Roxo e Afrânio Peixoto inspiraram-se na grande síntese das doenças mentais feita pelo psiquiatra alemão Émil Kraepelin em meados do século XIX.
Como Kraepelin, Moreira acreditava que as chamadas doenças mentais eram uma exceção biológica e podiam ser observadas na dimensão orgânica dos doentes, nos seus traços de degeneração, que para Juliano, entretanto, não eram característicos de um povo ou de uma raça, mas apenas de indivíduos isoladamente. O notável dessa adoção da psiquiatria alemã foi a ousadia em transpor essa ideia para uma sociedade como o Brasil. Do ponto de vista da maioria das teses do mundo “civilizado” daquela época, os países mestiços teriam um povo mais suscetível à doença mental e à degeneração. Moreira pensava diferente; excluía completamente a possibilidade de os distúrbios psiquiátricos estarem ligados a aspectos climáticos ou raciais.
A questão racial era assunto amplamente debatido pela intelectualidade brasileira no período, e Juliano Moreira, ao contrário de muitos, considerava possível a inclusão da miscigenada população brasileira em um projeto universal de desenvolvimento das nações. Para ele, o país poderia constituir uma sociedade fundada no ideal da igualdade moral dos indivíduos, por meio da melhoria da educação e das condições sociais.
Depois de mais de vinte anos na direção do Hospital dos Alienados, Juliano Moreira foi afastado do cargo em 1930. O governo Getulio Vargas (1930-1945) buscava reorganizar o sistema de saúde pública, no qual se incluía a assistência psiquiátrica. Morreu três anos mais tarde, em Corrêas, no Rio de Janeiro, amparado por amigos e por sua esposa, Augusta, enfermeira alemã que conhecera em uma de suas viagens. Não deixou herdeiros. Seu legado ficou nas ideias a favor do caráter libertador e civilizador da ciência e da psiquiatria.
Fonte: Revista de História da Biblioteca Nacional.
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