Instituições de ensino regulares não dispõem de qualificação profissional e metodológica para atender demandas básicas para desenvolvimento positivo da deficiência
Educação. No dicionário, vários significados; fora dele, uma porta para enfrentar a selva de pedra que é a vida. A “ação de desenvolver as faculdades psíquicas, intelectuais e morais”, e também o “conhecimento e a prática dos hábitos sociais” deveria ser uma via de mão dupla, mas a realidade nem sempre segue esta regra. O preconceito é uma barreira constante, e pode surgir até de onde menos se espera: dentro de casa.
O termo “deficiente” carrega um peso, imposto exclusivamente pela sociedade. Incapaz, inútil, baldado. Voltando à obra que esclarece as palavras da língua portuguesa, nenhuma dessas é encontrada. Qualquer que seja a deficiência – motora, sensorial ou transtorno do espectro autista (TEA) – é possível inserção natural ao cotidiano.
É importante ressaltar que a inserção natural do autista ao cotidiano é possível
Maryse Suplino, do Insituto Ann Sullivan, que trabalha há mais de 20 anos com pessoas com espectro autista, defende que a educação é o ponto principal do acompanhamento. “Estar na escola é um meio de inseri-las no convívio social, que junto às demais ferramentas como saúde e assistência social, vão resultar no progresso saudável pretendido”, coloca a psicopedagoga. Entretanto, quando o assunto é educação, quem está do outro lado também se torna personagem. “O maior desafio é preparar e trabalhar a sociedade para que olhe além da condição e enxergue aquele que tem TEA também como pessoa”, explica.
E a família necessita aprender. Há muitos episódios de atitudes desmotivadoras por familiares próximos ou até mesmo abandono de pais e mães. Segundo Maryse, isso acontece porque não aceitam que a criança possa vir a desempenhar outros papeis senão a de espectro autista. “Eles podem ter uma carreira profissional ou um relacionamento afetivo. Ou os dois, desde que incentivados e acompanhados da maneira adequada, então a dica para o pais é que sejam mais ponderantes e abertos às possibilidades”, diz.
O acompanhamento se faz necessário para os deficientes e seus responsáveis, para buscar entender a condição e uma conduta correta diante do comportamento retraído do filho. A psicóloga Lívia Vieira, do Hapvida Saúde, revela que essa é grande parte da demanda em casos de TEA. “Quando as crianças têm até 3 ou 4 anos, os pais são os pacientes da consulta. São com eles os primeiros contatos, pois os espectro autistas ainda têm pouca idade para que o trabalho tenha grandes efeitos”. Mas, a escola, que já é fundamental, passa a ser indispensável.
“Eu inicio a conversa orientado que matricule a criança numa escola, pois se ela não é exposta vai ter dificuldade em apresentar avanços consideráveis. A escola é o melhor ambiente, pois além dos contatos sociais, proporciona o ensino”, afirma.
Uma questão importante para ser levada em consideração é se a escola está preparada para receber aquela criança. Livia conta que devido ao aumento de casos como o TEA, a dislexia e a hiperatividade, por exemplo, todas as escolas deveriam dispor de material didático adaptado de acordo com as necessidades exigidas por cada condição. Mas isso não acontece. São poucas as que assumem este desafio e muitas chegam a dispensar o acolhimento do aluno, o que, por se tratar de uma deficiência oficializada por Lei (12.764/2012), é considerado crime.
“Procurar indicações de pais que já fidelizaram alguma instituição na educação de seus filhos em condição semelhante e obtenha referências. Na escola, informe que a criança tem transtorno do espectro autista e apresente laudos, solicitando que disponham de profissionais capazes de lidar e a orientar o aluno da maneira que se pede”, recomenda a psicóloga do Hapvida Saúde. “Na oportunidade, afirme querer tratamento igual para o filho e que ele seja motivado a participar de atividades em grupo”, completa.
Pensar que apenas colégios especiais devem ser cogitados é um grande erro. Escolas regulares não devem ser dispensadas, embora não apresentem subsídios antecedentes, o que pode ser mais um obstáculo.
“Quando os professores não são qualificados sobre o que precisam absorver, tanto eles quanto a escola podem se assustar com uma situação nova. Mas é dever deles aprender e dos pais ensinar”, reforça Maryse Suplino. É quando os papéis se invertem em busca de um objetivo em comum: melhorar a qualidade da educação para os deficientes, incluindo os com espectro autista, no Brasil.
Os pais de Fábio Albuquerque, de 8 anos, sentiram na pele esta dificuldade. A escola, regular e da rede particular, apresentou repressão no início, mas acabou cedendo. O irmão Felipe Albuquerque conta que por ser aluno da instituição de ensino há muitos anos, facilitou o diálogo. “Conversamos com a coordenação e aos poucos fomos conseguindo melhorias. Tanto que a sugestão de que a prova dele fosse diferenciada da dos colegas de turma, com intertextualidade mais enxuta, partiu da própria escola”, lembra, ressaltando que os demais trabalhos de casa permanecem no nível regular. “Apenas a avaliação é diferente, pois nas tarefas ele pode consultar”.
Além do período letivo comum, Fábio tem aulas com pedagogos e professores particulares todas as manhãs. O resultado deste suplemento foi um aumento considerável no rendimento escolar. “Como eles sabem exatamente o modo de explorar, indicaram um lápis cuja circunferência é maior e proporciona mais conforto à escrita dele, já que tem déficit na coordenação motora. A caligrafia também está bem melhor”, conta. O garoto vai iniciar o 4º ano do ensino fundamental e já desempenha sozinho os afazeres escolares, mas num tempo que o irmão classifica como “dele”. Durante as aulas e exames, senta na banca em frente ao birô da professora, para elucidar qualquer dúvida que venha a surgir.
Diagnosticado aos 4 anos de idade com Síndrome de Asperger, hoje ele é considerado como uma pessoa com transtorno do espectro autista. A Asperger deixou de ser uma condição externa e passou a caminhar dentro do espectro na última atualização do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V). A diferencia que separava as condições era o fato de os sintomas serem expressos de forma branda na síndrome. Com isso, a sociabilidade, a comunicação e a atenção eram maiores.
Os colegas que o acompanham desde pequeno já são acostumados e tentam cuidar e ajudar Fabinho – como é chamado – no que for possível. Os novatos olham diferente por ainda não entender bem a situação, mas nada que o coloque em situação vulnerável. Felipe revela que os cuidados dos colegas é tamanho, que tiveram de conversar com eles e intervir algumas atitudes. “Pedimos para que deixassem ele desenrolar sozinho certas atribuições, pois assim pode entender que é capaz e não se acostumar a ter alguém fazendo por ele”, finaliza.
Fonte: Correio da Bahia
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