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segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Desafios digitais

Infindável mundo de possibilidades, também para as crianças, a internet faz parte cada vez mais cedo da vida delas. No entanto, é preciso cuidado para educar os filhos na era dos tablets e smartphones

Shutterstock

Assim como acontece em relação aos adultos, para as crianças a internet também é um maravilhoso mundo de possibilidades. Tanto que seu uso tornou-se corriqueiro nas escolas, onde esse conhecimento por parte das crianças já é tido como certo. Por isso mesmo, elas podem e precisam ser estimuladas e orientadas a navegar desde cedo. E pelos pais! Hoje já se espera que as crianças estejam desenvoltas ao navegar pela rede, ao brincar com jogos interativos e ao se comunicar com os amigos e professores. Também é desejável que sejam autossuficientes nas buscas e pesquisas para seus trabalhos escolares. E sabemos que, quanto mais navegam, mais absorvem conhecimentos vários e vão se aprimorando na exploração do mundo digital em si, gerando uma contínua autoaprendizagem. Fantástico! Entretanto, há riscos.
Tanto acidentalmente quanto movidas pela própria curiosidade, as crianças vão acabar acessando material impróprio para sua idade, imagens que podem ser excessivamente impactantes ou nocivas para a formação de sua personalidade. Imaturas e emocionalmente vulneráveis, elas precisam caminhar sobre um terreno mais seguro para ter um desenvolvimento saudável. Por isso é tão importante estar ciente do que é que elas ouvem e veem na internet, que tipo de informação e conteúdo pesquisam, compartilham e com quem. Só assim é possível conversar sobre isso tudo com elas e orientá-las de acordo com a visão de mundo dos pais.

Tanto acidentalmente quanto movidas pela própria curiosidade, as crianças vão acabar acessando materialimpróprio para sua idade, imagens que podem ser excessivamente nocivas para a formação de sua personalidade

É preciso que as crianças estejam sob a vista dos pais, para que eles acompanhem sua evolução e descobertas. Os pais devem também ser capazes de ir apresentando-lhes opções interessantes e divertidas, brincando junto, tornando-se parceiros na sua vivência e aprendizado, compartilhando conhecimento e aquisição de conteúdo, além de diversão. Assim, do mesmo modo que é saudável discutir com as crianças um filme assistido juntos, para esclarecer alguns pontos e dar orientação sobre valores e princípios éticos, poderão ser dadas coordenadas que manterão as crianças em processo de aprendizado controlado, direcionadas para conteúdo cada vez mais complexo, mas sempre adequado à sua faixa etária e grau de maturidade.
Levando a sério a tarefa de protegê-las dos perigos do mundo digital, os pais estarão se atualizando sobre os potenciais riscos on-line. Além disso, monitorando o uso que seus filhos fazem da rede, os pais poderão ajudá-los a navegar em segurança. Embora os responsáveis possam (e devam) contar com ferramentas que ajudem a controlar o acesso das crianças a conteúdo adulto e inibam a ação de predadores, ainda assim nada garante que elas estarão 100% seguras. Daí ser tão importante seguir de perto suas atividades na internet e educá-las gradativamente sobre os riscos do mundo on-line.
A preocupação com a educação na era da web é um relato constante dos pais no self terapêutico. E isso leva aos profissionais de saúde mental avaliarem esse fenômeno com ainda mais cautela.

Imagens: shutterstock
É mais do que recomendável que as crianças estejam sob a vista dos pais, para que eles acompanhem sua evolução e descobertas no universo da internet
Proteção 
É preciso entender que, mesmo com a ajuda de bloqueios eletrônicos e proteção ou limitações definidas por dispositivos legais, a única proteção eficiente que as crianças podem ter é a ação dos pais. Por essa razão, a primeira e mais importante parte de toda essa discussão é que os pais têm que saber, no mínimo, tanto quanto os filhos, enquanto eles forem crianças, sobre a tecnologia a que estão expostos. Ninguém conseguirá proteger o filho daquilo que nem ele mesmo conhece. Como ensiná- lo a utilizar o transporte coletivo que o pai nunca usou? Ou trocar impressões sobre o livro que não leu? O meio digital pode se transformar no melhor amigo da criança, pois oferece uma quantidade incrível de conteúdo estimulante, amigável e útil, sem cobrança nem ônus aparente. Essa ideia costuma ser assustadora para os pais, mas é melhor ter consciência dessa tendência, justamente para poder lidar melhor com ela.

A pior atitude que os pais podem ter é acomodar-se com o sossego que as crianças dão enquanto estão entretidas com seus smartphones ou tablets, achando que por estarem dentro de casa e “quietas” estarão seguras. Elas podem até parecer imóveis fisicamente, mas bastou ficar chato um jogo para fechar e buscar outro, ou mudar de aplicativo, ou iniciar uma nova busca na internet, como fazem os adultos. E não dá para ter controle sobre isso tudo se elas forem deixadas a sós com seus dispositivos. Muito menos se puderem usá-los o tempo todo. O tempo de uso precisa ser limitado e, uma vez estabelecido esse tempo, precisa ser respeitado por todos. Afinal, atividades esportivas, brincadeiras ao ar livre e em grupo não saíram de moda e continuam sendo o meio mais saudável e eficiente que as crianças têm para a socialização.

Levando a sério a tarefa de proteção dos perigos do mundo digital, os pais estarão se atualizando sobre os potenciais riscos on-line. Além disso, poderão ajudá-los a navegar em segurança

Imagens: shutterstock
O tempo de utilização das ferramentas digitais deve ser restrito, até mesmo porque brincadeiras ao ar livre continuam sendo o meio mais saudável de socialização e equilíbrio emocional
O mundo on-line e os aparelhos eletrônicos já fazem parte da vida diária, e isso é inegável. Então, uma boa dica é explorar o infindável mundo da internet junto com as crianças. Estimulá-las desde cedo com conteúdos lúdicos e adequados à sua fase de desenvolvimento e interesse é uma forma positiva de desviá-las de uma navegação demasiadamente aberta, em que correria maior risco de encontrar materiais inadequados.
Acompanhá-los enquanto baixam e usam novos aplicativos e navegam pelos websites que mais gostam também é uma forma de se inteirar e participar da vida deles, acompanhando de perto, de forma ativa e não invasiva, o que estão fazendo. A atitude dos pais deverá ser parecida com a que teriam ao sentar-se com as crianças para montar um Lego ou brincar com um jogo de tabuleiro. Aliás, essa é uma dica que vai continuar valendo sempre. Nada melhor do que participar da vida dos filhos, acompanhar e tentar entender do que eles gostam e fazem, seu estágio de aprendizagem, nível de dificuldades, talentos que começam a despontar etc. Tudo isso para estar perto deles, estreitando laços e cumplicidade para minimizar as chances de ter surpresas desagradáveis. É preciso, ainda, falar com as crianças sobre essas preocupações, a fim de que fiquem cientes que há perigo na rede e possam ter a liberdade de expressar-se caso sinta algo estranho.

O meio digital pode se transformar no melhor amigo da criança, pois oferece uma quantidade incrível de conteúdo estimulante e útil, sem cobrança nem ônus aparente. Essa ideia é assustadora para os pais

Quando se colocam regras, as crianças costumam reclamar e elas sempre tentarão desobedecer. É natural que seja assim, é seu papel porque são imediatistas e movidas pelo instinto do prazer. Cabe aos pais serem sensatos ao decidir quais limites impor e serem coerentes para cobrar que esses limites sejam respeitados. É quase inevitável que, mesmo esforçando-se muito para manter-se atuante e antenado, em algum momento os pais vão se dar conta de que seus filhos já sabem mais do que eles sobre toda a parafernália tecnológica. E aí, o que vai contar mesmo, é a qualidade da relação e reciprocidade de confiança que se estabeleceu entre filhos e pais. Eles levarão alguns sustos, tropeçarão aqui e ali e poderão sofrer também, mas estarão aparelhados para superar o que vier, porque os pais os acompanharam enquanto puderam. Na medida do possível, poderão contar com os pais para apoiá-los. Ou terão aprendido a se defender sozinhos, com o apoio recebido desde sempre.
Não gosto de tons alarmistas quando uma orientação sutil basta, mas este não me parece ser o caso, infelizmente. Recomendo enfaticamente, como profissional da área PSI , que os pais busquem constantemente toda informação e orientação que for possível em fontes confiáveis. Ao invés de repetir aqui as dicas dos profissionais em tecnologia, preferi deixar que eles falem por si mesmos, melhores conhecedores que são nesse tema. Por isso, veja no final deste texto algumas referências e endereços de especialistas que, no conjunto, poderão ajudar bastante neste momento. No entanto, a tecnologia evolui tão rapidamente que é preciso seguir se atualizando e buscando novas fontes mais recentes o tempo todo. Os perigos a que as crianças e adolescentes estão expostos são tantos e tão difíceis de serem evitados que a chance de algo desagradável acontecer não é pequena se os pais não estiverem próximos e bem informados. Há links maliciosos, rastreamento facilitado, assédio, bullying, spam, plugins, abuso, “amizades” mal-intencionadas, difamação, golpes diversos, pedofilia, montagem de imagens etc., uma lista infeliz de situações que ocorrem, triste dizer, diariamente com internautas desavisados. Isso sem falar nos acessos acidentais a conteúdos e imagens perturbadoras de violência e pornografia.

PARA SABER MAIS
SENADO TENTA PROTEGER CRIANÇA DE CRIMES DIGITAIS 
No Brasil, a preocupação em relação aos crimes contra crianças na web vem mobilizando autoridades. O Senado não está fora dessa discussão. Por uma decisão do Plenário da Casa, os provedores de internet, redes sociais e empresas de telecomunicações terão necessariamente de preservar dados cadastrais e de conexão dos usuários, além de transferir, com mais rapidez, as informações aos órgãos de investigação policial. A aprovação do texto tenta avançar na direção de uma efetiva repressão aos crimes sexuais cometidos contra crianças e adolescentes, por intermédio da internet. O Congresso Nacional debatia, havia algum tempo, uma maneira de monitorar a internet em relação a esse tipo de crime. Segundo a lei, os provedores e as empresas de telecomunicações deverão manter os dados dos usuários por, pelo menos, três anos. O prazo para as redes sociais é de, no mínimo, seis meses. A Polícia Federal e o Ministério Público podem pedir a preservação dos dados independentemente de autorização judicial. Outro avanço conquistado com a aprovação da lei é a responsabilidade solidária, na qual as empresas prestadoras de serviço de internet terão de denunciar aos organismos de investigação qualquer informação a respeito da prática de crime sexual contra menores de idade.

A pior atitude que os pais podem ter é acomodar-se com o sossego que as crianças dão enquanto estão entretidas com seus smartphones ou tablets, achando que por estarem dentro de casa estarão seguras
Disfunções emocionais 

Outra questão que começa a ganhar importância entre os profissionais de saúde refere-se a possíveis disfunções emocionais e comportamentais decorrentes do início precoce do uso de meios digitais, aliado ao seu uso excessivo. A Sociedade Brasileira de Pediatria, a exemplo da American Academy of Pediatrics, aconselha que as crianças sejam apresentadas ao mundo digital somente a partir dos dois anos de idade. Também estabelece que esse uso seja bastante reduzido, priorizando-se sempre as interações pessoais. Mas não é isso que está ocorrendo. Hoje muitas crianças começam a interagir com tablets e outros dispositivos com menos de um ano de idade. E crescem usando-os continuamente, como vêm fazendo as crianças mais velhas, adolescentes e adultos. E quanto à comunicação, feita preferencialmente por mensagens de texto e envio de emojis, sem dúvida há potencial para acelerar o processo de alfabetização, mas de um modo muito diferente de tudo aquilo que vimos até aqui. Como lidar com essa realidade que se impôs irreversivelmente, subvertendo de tal modo a ordem das coisas que tornou obsoleto quase todo o conhecimento que detínhamos?

Talvez devamos lançar um novo olhar sobre toda a problemática da aprendizagem e admitir que não estamos devidamente preparados para ensinar nossas crianças. Elas sabem menos do que os seus professores, evidentemente, mas a maioria delas têm mais domínio do que eles em outras competências, como a tecnologia. E essa competência lhes dá acesso imediato e muito direto ao conhecimento, em vários casos prescindindo mesmo do professor. Nunca antes houve tal situação em nossa história. Como afirmou Ray Kurzweil, futurista e diretor de Engenharia do Google, “uma criança na África com um smartphone tem mais poder na sua mão do que o presidente dos Estados Unidos tinha 15 anos atrás, em termos de acesso ao conhecimento e à informação!”.

Uma questão que começa a ganhar importância entre os profissionais de saúde refere-se a possíveis disfunções emocionais e comportamentais decorrentes do início precoce do uso de meios digitais, aliado ao seu uso excessivo

A Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda que as crianças sejam apresentadas ao universo digital apenas a partir dos dois anos de idade

Mas e o equilíbrio entre o seu desenvolvimento emocional e intelectual, que lhe sustente e proporcione maturidade para assimilar de forma saudável todo esse aprendizado tão precocemente? E o que dizer dos pais modernos que, a pretexto de estar presentes na rotina dos filhos, enviam-lhes várias mensagens de texto ao dia? Alguns pediatras e especialistas em orientação de pais afirmam que essas crianças não estão se conectando emocionalmente com qualidade, devido à pouca vivência de contato olho no olho. Elas estariam com dificuldade de identificar e interpretar expressões faciais e não desenvolvem empatia porque não praticam o contato visual. Segundo Marc Brackett, da Universidade de Yale, “as crianças querem ser abraçadas e tocadas, elas precisam ter suas necessidades básicas supridas, e não receber mensagens de texto de seus pais”.

Comunicar-se não é apenas conhecer e ler as palavras, envolve o tom de voz, o olhar, as expressões faciais, a linguagem corporal, muitos sinais que são percebidos somente na relação pessoal

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Crianças negligenciadas e sós sempre existiram. A diferença é que antes, na ausência dos tablets e smartphones elas se ocupavam de outro modo e corriam outros perigos.
Relação pessoal 

As crianças continuam precisando passar mais tempo conversando pessoalmente, correndo, andando de bicicleta e expressando-se diretamente com outras crianças, sendo impactadas com a relação pessoal. Crianças que gastam muito tempo se comunicando através de tecnologias não conseguem desenvolver as habilidades básicas de comunicação que as pessoas vêm usando desde sempre. Comunicar-se não é apenas conhecer e ler as palavras, envolve o tom de voz, o olhar, as expressões faciais, a linguagem corporal, muitos sinais que são percebidos somente na relação pessoal. É importante que a família invista em ter momentos de descontração e interação não mediada pela tecnologia, e creio também que o limite e a adequação a cada caso precisam ser pensados em conjunto pelo casal. A seguir, o casal deverá ouvir também o ponto de vista das crianças e, juntos, poderão escolher o melhor formato para sua rotina diária. Se a escolha conseguir contemplar tanto os interesses de cada um quanto a preservação dos hábitos saudáveis básicos, como respeitar as horas de sono, alimentação, estudos e atividade física, com compartilhamento pessoal das experiências, ótimo!


Não vejo, porém, por que culpar a tecnologia. Afinal de contas, crianças negligenciadas e sós sempre existiram. A diferença é que antes, na ausência dos tablets e smartphones, elas se ocupavam de outro modo. A ideia central para se ter em mente é que, com base na confiança e no diálogo, é possível criar um ambiente de confidencialidade e conexão forte, natural entre pais e filhos. E ao se construir esse universo que favorece o verdadeiro relacionamento, as crianças vão sendo preparadas de forma eficiente para lidar com todos os riscos do mundo, sejam eles digitais ou não.

REFERÊNCIAS
Childhood Brasil. Navegar com segurança. Disponível em: <http://www.childhood.org.br/programas/navegar-com-seguranca> Acesso em: 18 ago. 2015.
Dantas, R. Como evitar que crianças tenham acesso a conteúdo adulto na internet. In: Techtudo.
Davis, K.; Gardner, H. The App Generation. New Haven: Yale University Press, 2013.
Google. Central de segurança. Disponível em: <http://www.google.com.br/intl/pt-BR/safetycenter/> Acesso em: 18 ago. 2015.
InternetSegura. Ensinando seus filhos e alunos a se protegerem dos riscos da internet. Disponível em: <http://internetsegura.br/ensinando-filhos-alunos/> Acesso em: 18 ago. 2015.
Johnson, C. Face time vs. screen time: the technological impact on communication. In: Deseret News National Edition. Disponível em: <http://www.deseretnews.com/article/865609628/How-technologyis-changing-the-way-we-communicate.html> Acesso em: 18 ago. 2015.
KidsHealth. For parents section. Disponível em: <http://kidshealth.org/Search01.jsp?SearchSection=1&Mode=Search&SearchTextArea=internet#cat20141> Acesso em: 18 ago. 2015.
McLaughlin, R. Por que eu apaguei fotos e vídeos dos meus filhos da internet. In: Gizmodo Brasil.
Disponível em: <http://gizmodo.uol.com.br/por-que-apaguei-meus-filhos-da-internet/> Acesso em: 18 ago. 2015.
Sociedade de Pediatria de São Paulo. Segurança de crianças e adolescentes na internet. Disponível em: <http://www.spsp.org.br/site/asp/materias.asp?id_pagina=909&Sub_Secao=24> Acesso em: 18 ago. 2015.
Viana, G. Oito motivos para não criar um perfil no Facebook para uma criança. In: Techtudo.
Zuckerberg, R. Dot. New York: HarperCollins Publishers, 2013.

Mariuza Pregnolato é psicóloga clínica, especialista em Análise Comportamental e Cognitiva pela Universidade de São Paulo e em Análise Junguiana pelo Instituto Sedes Sapientiae. www.mariuzapregnolato.com.br

Fonte: Revista Psique

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