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quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Monogamia colaborou para a evolução do cérebro

Uniões estáveis e longas favoreceram o desenvolvimento da inteligência social e da cooperação, sugere estudo
                                     
O amor romântico e a afinidade entre casais – formados tanto por pessoas do mesmo sexo ou oposto – foram aspectos fundamentais para o desenvolvimento do cérebro e das habilidades sociais ao longo das gerações, sugere artigo publicado naPerspectives in Psychological Science.

O autor principal, o psicólogo Garth Fletcher, da Universidade Victoria, na Nova Zelândia, e seus colegas argumentam que uniões estáveis e longas com somente um parceiro favoreceu a dedicação de nossos ancestrais à criação dos filhos, o que resultou no desenvolvimento de famílias extensas.

“A exposição a complexidades dessas relações pode ter colaborado para a evolução de habilidades mais sofisticadas, como inteligência social e cooperação, características encontradas nos humanos modernos”, acredita Fletcher, que embasa o artigo em referências a estudos de diferentes áreas do conhecimento que pesquisam a evolução. “A união com o objetivo de aumentar a prole e o apoio comunitário para ajudar a criar os pequenos ofereceram recursos para que o cérebro do hominídeo evoluísse e aumentasse”, diz. Os pesquisadores consideram também que esse padrão familiar estendeu o período de desenvolvimento da criança do nascimento até o início da idade adulta – muito além do verificado em nossos parentes filogenéticos mais próximos, os símios. 

Fonte: Scientific American Mente Cérebro

Cérebro de psicopatas pode ter alterações no sistema de recompensa

Estudo aponta diferenças funcionais no processamento de informações relacionadas à punição e à gratificação
                                       
Muitos crimes violentos são cometidos por pessoas com transtorno antissocial de personalidade (TPAS) e traços psicopáticos. Não é de surpreender, portanto, que haja um grande número de psicopatas nas prisões. Estudos recentes indicam que aproximadamente 30% dos detentos se enquadram nos critérios diagnósticos do distúrbio: esses indivíduos podem ser insensíveis ao sofrimento alheio, agressivos e manipuladores. Ainda hoje, esses casos representam um grande desafio para a psicologia e psiquiatria forense.

Nesse sentido, um grupo de pesquisadores da Universidade College London submeteu à ressonância magnética funcional (fMRI) 12 criminosos violentos com TPAS e psicopatia; 20 com o transtorno, mas sem traços psicopáticos; e 18 voluntários saudáveis não infratores enquanto realizavam uma tarefa de “aprendizado por reforço”. Então, avaliaram a capacidade dos participantes de ajustar o comportamento (tomada de decisão adaptativa) quando as consequências das respostas se alteravam de gratificação para sanção.

Eles observaram que essa transição levou a um aumento incomum na atividade do córtex cingulado posterior e da ínsula anterior. “Encontramos diferenças funcionais no processamento de informações relacionadas à punição e recompensa no cérebro dos criminosos com psicopatia”, diz o psiquiatra Nigel Blackwood, autor do estudo. “Os resultados sugerem que esses indivíduos não demonstram somente diminuição da sensibilidade neural à penalidade, mas também uma organização alterada do sistema responsável pela aprendizagem reversa (uma espécie de filtro que elimina o excesso de dados) e a tomada de decisão adaptativa” (processo que envolve vários critérios ao mesmo tempo para resolver um problema). Esse mesmo padrão neural, apontam, pode ser observado em crianças com traços insensíveis e sem emoção.

Segundo os pesquisadores, problemas de conduta e antecedentes da psicopatia surgem no início da vida, quando as intervenções têm o potencial de alterar a estrutura e o funcionamento do cérebro. Os dados lançam luz sobre os mecanismos neurais de adultos criminosos violentos e sugere linhas de pesquisas sobre o desenvolvimento da psicopatia em crianças com esse perfil. “Compreender melhor esses aspectos pode ajudar a aprimorar intervenções na infância e prevenir a violência”, conclui Blackwood. O estudo foi publicado na Lancet Psychiatry.

Fonte: Scientific American Mente Cérebro

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Aparelho pode facilitar comunicação de pessoas com ELA

Empresa desenvolve dispositivo portátil que promete traduzir sinais neurais; invenção traz esperanças para pacientes com distúrbios raros e debilitantes

Exibindo O neurocientista americano Phillip Low compara as ondas cerebrais a uma orquestra. “À medida que nos afastamos de uma sala de concerto, deixamos de ouvir primeiro instrumentos de alta frequência, como violino, mas continuamos a escutar o trombone, por exemplo. Nosso objetivo é tentar acessar os padrões de alta frequência do cérebro”, diz o inventor do iBrain, dispositivo portátil que, acomodado sobre a cabeça, detecta sinais elétricos do cérebro e, por meio de um algoritmo, busca traduzir sinais neurais que não atravessam as camadas do cérebro ou o crânio.

Criado pela NeuroVigil, empresa de neurotecnologia fundada por Low e financiada pela Universidade Stanford e por multinacionais farmacêuticas, o iBrain traz esperanças pacientes com esclerose lateral amiotrófica (ELA), ou doença de Lou Gehrig, que causa perda gradual dos movimentos musculares, até a total paralisação – mas não afeta as funções cognitivas. Um caso conhecido é o do físico Stephen Hawking. Atualmente, ele se comunica movendo alguns poucos músculos da face – através deles, controla remotamente um cursor de computador, que forma letra por letra as palavras que quer dizer, de maneira lenta e trabalhosa.

Entusiasta do projeto, Hawking experimentou o iBrain em uma visita de Low e sua equipe a seu escritório em Cambridge, há três anos. Os cientistas acomodaram o dispositivo sobre o couro cabeludo do físicoe pediram que ele se imaginasse apertando uma bola com a mão direita. Embora não consiga movê-la, seu córtex motor, região do cérebro associada a essa função, gerou sinais elétricos que foram “traduzidos” pelo modelo computacional de Low como uma espécie de padrão “constante e repetitivo”.

Mas o neurocientista é enfático ao afirmar que o iBrain está longe de ser uma máquina que “lê a mente” – por enquanto, é um dispositivo que procura sinais neurais que possam ser associados a letras ou comandos de forma que uma pessoa emita informações diretamente através da mente, sem depender dos movimentos. “Tudo o que conseguimos foi um indicativo de intenção consciente, o que por si só é um grande passo”, esclarece.A NeuroVigil estuda outros usos para a tecnologia do iBrain. Em 2014, anunciou uma parceria com a Universidade de Basileia, na Suíça, para tentar adaptá-la especificamente para crianças com síndrome de Rett, um distúrbio neurológico raro, mais frequente em meninas, que limita progressivamente os movimentos e a fala a ponto de algumas pacientes se comunicarem apenas com olhos.

Fonte: Scientific American Mente Cérebro
Disponível em: http://www2.uol.com.br/vivermente/noticias/aparelho_pode_facilitar_comunicacao_de_pessoas_com_ela_e_sindrome_de_rett.html. Acesso em: 19 fev. 2015

Neurociência - Sutilezas da mentira

Mentir requer mais esforço do cérebro do que falar a verdade, pois o comportamento de enganar os outros envolve mais tempo de processamento e maior atividade neural. o autoengano pode ter se originado da vantagem de evitar pistas da mentira

ShutterstockA mentira, ou o comportamento de enganar os outros, é um padrão de comportamento que está, amplamente, difundido na natureza. Animais e até plantas se disfarçam para evitar predadores, ou para enganar as presas. Em humanos, além da mentira para enganar os outros, existem variadas formas de autoengano, um tipo de mentira em que a pessoa engana a si mesma, declarando não ter conhecimento de uma informação, embora o seu comportamento revele o contrário. Ou seja, humanos mentem para os outros, mas, também, mentem para si mesmos.
Mentir é um comportamento muito mais corriqueiro do que imaginamos, como revelaram pesquisas, nas quais os participantes eram observados durante conversas e mentiam, pelo menos, uma vez a cada oito minutos. A maioria das mentiras não era grave, em geral, refletiam desculpas para comportamentos socialmente censurados. Um exemplo de mentira detectado nessa pesquisa foi justificar um atraso por ter enfrentado um forte engarrafamento no trânsito, mesmo que o sujeito não tenha, na realidade, se empenhado para ser pontual.
Podemos definir mentira como qualquer forma de comportamento que comunica aos outros informações falsas, ou que serve para ocultar informações verdadeiras. Neste sentido, mentir pode ser um ato consciente ou não, pode ser verbalizado ou transmitido pela linguagem corporal e pode envolver tanto a afirmação da informação falsa, como a negação ou a omissão da informação verdadeira.
O comportamento de mentir evoluiu em função das vantagens de sobrevivência e reprodução, que nossos antepassados obtiveram ao enganar os outros. Mentir também é um comportamento adaptativo em ambientes atuais, e acaba sendo um componente central de nossas interações sociais, em certa medida. Despistar as intenções, esconder certas informações ou persuadir fazem parte do jogo social de pessoas saudáveis, embora, claro, os psicopatas usem muito mais estes recursos para manipular, de forma maquiavélica e sem consideração pelos outros.

Mentir é mais comum do que imaginamos. Pesquisas nas quais os participantes eram observados durante conversas revelaram que eles mentiam, pelo menos, uma vez a cada oito minutos. Normalmente, as mentiras não eram graves, e envolviam justificativas para comportamentos que são censurados socialmente
Um estudo em Neurociências, utilizando ressonância magnética funcional, procurou mapear os circuitos neurais envolvidos na mentira. Nesta investigação, os sujeitos eram instruídos a mentir quando se deparavam com uma carta de baralho, que já haviam visto anteriormente. Quando os sujeitos mentiam, negando que tinham visto a carta, aumentava a atividade dos neurônios das regiões do córtex pré-frontal e do giro do cíngulo anterior. O córtex pré-frontal está associado à capacidade de inibição, e o giro do cíngulo anterior, ao direcionamento da atenção e controle dos impulsos, que são faculdades necessárias para que o cérebro possa impedir o surgimento da verdade. Portanto, mentir requer mais processamento e esforço do cérebro do que falar a verdade.
Outros pesquisadores mediram o tempo de reação dos sujeitos, quando se perguntava a eles se conheciam certos fatos. Os sujeitos deveriam apertar um botão para responder a uma pergunta. A descoberta interessante deste estudo foi que a demora para apertar o botão, respondendo à pergunta, era de meio segundo para a resposta sincera, enquanto as respostas mentirosas requeriam maior processamento, levando o dobro do tempo, mais de um segundo. A resposta continuava mais lenta, mesmo quando os sujeitos eram instruídos e treinados a apertar o botão o mais rapidamente possível.
Mentir, portanto, requer mais processamento do que falar a verdade e, dessa forma, consome mais tempo, um elemento que pode dar pistas para detectar o engodo. Talvez essa seja uma razão, pela qual evoluiu o enigmático autoengano, pois quando uma pessoa esconde a verdade de si mesma, não dá sinais de mentira e, assim, não é detectada pelas pistas verbais ou não verbais. Neste sentido, mentir para si mesmo pode ser uma estratégia, que evoluiu para enganar melhor os outros na complexa sociedade dos primatas com maior cérebro e maior tamanho de grupo social de todos, os seres humanos. O filósofo David Smith chegou a sugerir que seria mais correto intitular nossa espécie não como Homo Sapiens (homem sábio), mas, sim, como Homo Fallax, homem mentiroso.
Para saber mais:
David L. Smith (2006). Por que Mentimos: Raízes evolutivas do engodo e a Mente Inconsciente. São Paulo: Elsevier.

Marco Callegaro é psicólogo, mestre em Neurociências e Comportamento, diretor do Instituto Catarinense de Terapia Cognitiva (ICTC) e do Instituto Paranaense de Terapia Cognitiva (IPTC). Autor do livro premiado O Novo Inconsciente: Como a Terapia Cognitiva e as Neurociências revolucionaram o modelo do processamento mental (Artmed, 2011)


Fonte: Revista Psique

Causas genéticas do autismo são postas em cheque

Causas genéticas do autismo são postas em chequeO maior estudo já realizado até hoje sobre o genoma do autismo, financiado pela organização canadense Autism Speaks, revelou que as bases genéticas da doença são ainda mais complexas do que se pensava anteriormente.
O mesmo já havia acontecido recentemente com a asma, que teve suas origens genéticas questionadas.
Agora se descobriu que a maioria dos irmãos que têm Transtorno do Espectro Autista (TEA) têm diferentes genes ligados a essa condição.
O estudo, que reforça conclusões anteriores de que nenhum gene individual consegue prever mais do que 1% do autismo, mereceu a capa da revista Nature Medicine.
Diversidade genética do autismo
A equipe do Dr. Stephen Scherer sequenciou 340 genomas completos de 85 famílias, cada uma com duas crianças afetadas pelo autismo. A maioria dos irmãos (69%) apresentaram pouca ou nenhuma sobreposição entre as variações de genes que se considera contribuir para o autismo.
Os pares de irmãos partilham as mesmas alterações genéticas associadas ao autismo em menos de um terço dos casos (31%).
Essa descoberta contesta pressupostos que os cientistas vinham aceitando há muito tempo. Como o autismo muitas vezes ocorre em famílias, os especialistas tinham assumido que irmãos com a doença herdariam de seus pais os mesmos genes que os predispõem ao autismo.
Agora parece estar claro que isso não é verdade.
"Nós sabíamos que havia muitas diferenças no autismo, mas nossas descobertas recentes demonstram isso conclusivamente," disse o Dr. Scherer. "Nós acreditamos que cada criança com autismo é como um floco de neve - única."
Genoma completo
"Isto significa que não devemos olhar apenas para genes suspeitos de aumentar o risco do autismo, como normalmente é feito em testes genéticos de diagnóstico," acrescenta Dr. Scherer. "A avaliação completa do genoma de cada indivíduo é necessária para determinar a melhor forma de usar o conhecimento dos fatores genéticos no tratamento personalizado do autismo."
O sequenciamento do genoma inteiro vai além dos testes genéticos tradicionais, analisando a sequência completa do DNA de um indivíduo.
Fonte: Diário da Saúde

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

A corrupção no divã

Corromper, diferentemente de subornar, significa quebrar em pedaços, desnaturar, tornar podre. O que apodrece? No limite, as próprias instituições democráticas

Imagens: ShutterstockA corrupção sempre foi endêmica entre nós, mas nos últimos anos ela foi oficialmente institucionalizada. Corromper, diferentemente de subornar, significa quebrar em pedaços, desnaturar, tornar podre. O que apodrece? No limite, as próprias instituições democráticas. Pois, uma vez institucionalizada, a corrupção torna natural um modo de vida no qual os valores ligados à democracia são desqualificados, e se tornam marginais ao sistema.
Para a Psicanálise, a corrupção pode ser entendida como um fenômeno, que se produz no entrecruzamento de três espaços psíquicos distintos: a) individual, marcado por um funcionamento mental paranoico; b) intersubjetivo, no qual a pessoa que tem poder “enlouquece”, com a ajuda das pessoas com quem convive e c) institucional, em que a corrupção foi transformada em uma instituição. A participação de cada um desses três espaços psíquicos pode se dar em “proporções” diferentes, originando “corrupções” distintas. Respectivamente: a) como sintoma de uma estrutura patológica, b) como efeito de um “enlouquecimento” mais ou menos transitório e c) como modo de vida. A corrupção descarada e deslavada é efeito da potencialização recíproca desses três espaços psíquicos.
Começo abordando o funcionamento paranoico, ligado ao espaço psíquico individual. O termo “indivíduo” aqui se refere tanto a uma pessoa, quanto a um grupo, por exemplo, um partido político.
Psiquicamente, o paranoico não é capaz de conceber, nem de processar, situações complexas. Ele, simplesmente, não tem esse “chip”. Por isso, as situações são simplificadas e reduzidas a um esquema binário, no qual o bem e o mal são vividos como absolutos. Sua visão de mundo é sempre “nós, os bons, contra eles, os maus”. O paranoico se percebe como perfeito, melhor do que os outros: é justo, correto e bom, enquanto os outros são injustos, estão errados e são do mal. Candidamente, ele se põe no centro do mundo: só existe uma opinião, a dele. Por isso, tem a expectativa sincera de que o outro reconheça sua superioridade e se submeta a ele, renunciando a suas próprias necessidades e desejos. Espera amor incondicional. É autoritário, tem ideias de grandeza, certezas absolutas e não admite críticas. Se alguém tem uma opinião diferente, é visto como desleal e traidor. Ou, então, é visto como incapaz e fraco, digno de desprezo. O paranoico também não tem o “chip” que lhe permitiria empatizar com o sofrimento do outro; não o vê como um “semelhante”, que tem as mesmas necessidades e os mesmos direitos.
                             Imagens: Shutterstock

O paranoico luta fanaticamente para defender sua causa. Se for preciso transgredir a lei para atingir seus objetivos, fará isso como um herói que se sacrifica por um bem maior

Para o paranoico, seus objetivos, que são sempre bons, justos e nobres, justificam os meios. Ele fará qualquer coisa para alcançar seus objetivos. Se é acusado de alguma coisa, se ofende, porque a acusação é vivida como injusta. Sente-se, cronicamente, lesado em seus direitos. Por isso, é ressentido e rancoroso. Estrutura-se em torno do ódio ao outro, sempre visto como inimigo e como ameaça a seus projetos pessoais. Nessas condições, o paranoico pode se tornar violento e as pessoas sentem medo dele. Para Elias Canetti, o paranoico, como o ditador, sofre de uma doença do poder. Esta se caracteriza por uma vontade patológica de sobrevivência exclusiva e por uma disposição, ou mesmo um impulso, para sacrificar o resto do mundo em nome da sobrevivência.
O segundo espaço psíquico, que contribui para o fenômeno da corrupção, é o intersubjetivo. Para a Psicanálise, ninguém enlouquece sozinho, mas no espaço psíquico constituído pela relação com outros sujeitos. O poderoso pode enlouquecer num vínculo com pessoas que, sistematicamente, assumem uma posição reverente, intimidada, subserviente, de devoção fascinada e apaixonada. Por todas as características já descritas, o paranoico está bem talhado para produzir, exatamente, este tipo de reação nas pessoas que o cercam. Aliás, é a mesma atitude acrítica que a criança pequena tem em relação aos pais, que são vividos como aqueles que “podem tudo”. O poderoso enlouquece quando se identifica com isso, isto é, quando “acredita”, na mensagem que lhe é transmitida, inconscientemente, pelo lado mais infantil das pessoas com quem convive: que ele é superior aos outros e, por isso, tem o direito e o dever de gozar mais do que todos. Desta perspectiva, a corrupção pode ser entendida como sintoma de certo tipo de enlouquecimento – não no sentido de doença mental, mas no de hybris, palavra que, em grego, significa excesso ou desmesura. A hybris pode acometer a pessoa que tem poder político, financeiro e/ou simbólico. Sua loucura consiste em tentar se igualar aos deuses – que não precisam temer nada, porque estão acima do bem e do mal. Quanto mais ficamos fascinados numa posição de submissão apaixonada, menos nos atrevemos a lhe mostrar que a lei vale para todos, e mais contribuímos para enlouquecer quem tem poder.

A corrupção é o processo por meio do qual o pacto perverso, que seduz o sujeito autorizando-o a gozar mais do que todos, vai sendo instituído

O terceiro espaço psíquico, que contribui para o fenômeno da corrupção, é o institucional. Para a Psicanálise, os sistemas simbólicos instituídos, em certa época e lugar, formam o pano de fundo de nossa vida psíquica. Isso quer dizer que instituem ideias e valores que determinam nossa maneira de sentir, pensar e agir. Ora, a corrupção pode deixar de ser uma prática ocasional para se tornar uma instituição. Esse processo tem duas fases: a desnaturação das instituições democráticas e a instituição da corrupção.
A primeira acontece quando alguém que ocupa, formalmente, o cargo de representante de uma instituição, se “demite psiquicamente” de seu lugar simbólico. Ele deixa de sustentar, por meio de seus atos cotidianos, os valores instituídos. Em vez disso, coloca interesses pessoais acima dos interesses da instituição. O efeito dessa “demissão” é a corrupção e a desnaturação da própria ordem simbólica, que funda e sustenta aquela instituição.

                          Imagens: Shutterstock

Um exemplo. Quando um juiz se deixa subornar, ou, simplesmente, intimidar, – e vimos, acima, como o paranoico pode se tornar violento a ponto de, realmente, causar medo – ele está se “demitindo” de seu lugar simbólico. O que acontece é que o vínculo, até então naturalizado, entre a palavra “juiz” e o significado “justiça”, vai se enfraquecendo, até que, no limite, se dissolve e se desnatura. Segue-se um efeito em dominó. Todas as palavras ligadas a este sistema simbólico perdem o lastro que a instituição viva e o símbolo forte garantiam. Em lugar de inspirar afetos do tipo temor respeitoso, a toga e a beca nos parecem roupas engraçadas; as palavras “réu”, “culpa”, “transgressão”, “punição”, “lei”, “justiça” continuam existindo no vocabulário, mas estão vazias de significado emocional, já não acreditamos nelas. A instituição se torna disfuncional; ideias e valores, que justificavam sua existência, entram em crise. Instala-se uma condição de miséria simbólica, que deixa as pessoas sem rumo. O suborno do juiz corrompe a instituição justiça.

Processo cultural

Paralelamente, a corrupção se institucionaliza. Torna-se uma cultura que tende a se reproduzir de forma autônoma. O pacto social democrático está baseado em um “contrato”, mediante o qual cada um de nós aceita renunciar às aspirações infantis de realizar todos os nossos desejos de forma absoluta, para, em troca, fazer parte da comunidade humana. Aceitamos que a lei vale para todos, porque todos precisamos da proteção da lei. A renúncia ao absoluto e a submissão à lei, contudo, são feitas a contragosto e nunca de forma definitiva. Gastamos bastante energia psíquica para fazer a gestão desses desejos e mantê-los sob certo controle civilizado. Por isso, essas fantasias regressivas de plenitude e onipotência, que estão latentes em todos nós, podem ser “acordadas” a qualquer momento. Basta que “alguém” acene com essa possibilidade. Aí, é a fome com a vontade de comer.


O desvio de recursos é criminoso, e certamente prejudica o país, mas a institucionalização da desqualificação da lei coloca em risco a democracia


Esse “alguém” é a corrupção como instituição. Ela seduz o sujeito propondo- lhe um pacto perverso no lugar do pacto social. Ele é convidado a desqualificar a lei e a renúncia, em troca da possibilidade de realizar o desejo imorredouro de transcender os limites inerentes à condição humana. A desqualificação da lei se torna um valor e origina um modo de vida. Não é difícil perceber que o pacto perverso não tem condições de garantir a vida em sociedade.
A institucionalização da corrupção é gravíssima porque institui como um valor a desqualificação da lei – aquela que coloca limites à desmesura de nossos desejos, base do pacto social democrático. O pacto perverso seduz e agencia o sujeito acenando-lhe com a possibilidade, vetada pela lei, de gozar mais do que todos. A corrupção, como instituição, faz do pacto com o diabo um valor e um modo de vida.

Assim, de um ponto de vista psicanalítico, podemos definir a corrupção como o processo por meio do qual a desqualificação da lei – aquela que coloca limites aos nossos desejos individuais megalomaníacos, e que, por isso mesmo, é base do pacto social democrático – vai sendo institucionalizada. O processo se completa quando a corrupção se torna, em si mesma, uma instituição. O desvio de recursos é criminoso e, certamente, prejudica o País, mas a institucionalização da desqualificação da lei coloca em risco a democracia.
Reunindo os fios da meada: quando um indivíduo ou grupo tem uma visão de mundo paranoica do tipo “nós, os bons/justos/donos da verdade, contra eles, os maus/desleais, que ameaçam nossa sobrevivência”; quando este indivíduo ou grupo convoca, pela via do amor ou da intimidação, o lado inconsciente, infantil, submisso e reverente das pessoas que o cercam; quando a instituição torna natural a desqualificação da lei, e acena, sedutora, mas perversamente, com a possibilidade de realização das fantasias infantis de onipotência, estão dadas as condições, do ponto de vista psíquico, para a corrupção descarada e deslavada. Mais cedo ou mais tarde, paga-se, como na lenda sobre o Dr. Fausto, o preço de se vender a alma ao diabo.

Fonte: Revista Psique

Disponível em: <http://portalcienciaevida.uol.com.br/esps/edicoes/109/artigo337880-1.asp?o=r>. Acesso em: 4 fev. 2015

Psicanálise no hospital – indicadores de risco

Enquanto a medicina trabalha com doença em si, a psicanálise prioriza a experiência do adoecer. Conheça situações nas quais pode ser importante chamar o psicanalista

Há na atualidade a tendência a um discurso científico sobre o diagnóstico que toma o sofrimento psíquico pela vertente da patologia, favorecendo aquilo que um psicanalista entende como risco principal: o apagamento do sujeito. Muitas vezes, diante do sofrimento psíquico, a equipe médica se inquieta e se vale de determinadas expressões diagnósticas (tais como “ansiedade”, “depressão” etc.) para se organizar novamente, na medida em que essas expressões podem facilitar a suspensão das incertezas angustiantes, devolvendo aos profissionais a condição de agir com assertividade: sem vacilos, é verdade, mas também sem questionamentos.

Aqui devemos nos deter com todo cuidado a respeito do uso que se faz dos termos diagnósticos próprios de certo discurso de saber nesse contexto, não pelos termos em si, mas pela certeza com a qual eles são empregados. Isto é, justamente, o que nos preocupa: o que é eficaz para tratar da angústia da equipe pode não funcionar para o tratamento da angústia do paciente. Percebe-se que esse tipo de abordagem – a patologização do sofrimento, a medicalização dos lutos – indica pouca ou nenhuma disponibilidade em face do desamparo, podendo produzir ainda mais desamparo, o que por sua vez diminui significativamente a força que um paciente adoecido precisa ter para lutar pelo que lhe é possível.

Por isso, vale citar ainda algumas outras situações que envolvem o que chamamos aqui de “indicadores de risco”, nas quais é importante que os profissionais de saúde façam o chamado ao psicanalista, ainda que a situação não aparente iminente perigo de angústia. São elas:
- Quando a equipe percebe que o paciente está se identificando com a doença, ou seja, não faz a diferença entre “ter uma doença” e “ser uma doença”.
- Nos casos em que a equipe percebe que o paciente utiliza modos de enfrentamento contrários ou contraditórios à direção do tratamento; há chances de cura e ele se coloca como vencido pela doença, ou vice-versa.
- Em situações em que a equipe percebe a reação de “estranhamento” e/ou de racionalização excessiva por parte do paciente, ficando claro que ele se refere a sua doença como se esta não fosse sua, sem se apropriar dela.
- Quando a equipe encontra dificuldades para lidar com a “livre associação” do paciente a respeito de seus afetos e se foca na doença, dificultando a expressão do doente, destituindo-o de sua condição de sujeito, colocando-o meramente como objeto de seus cuidados.
- Diante da angústia do paciente, quando a equipe frequentemente utiliza uma atitude “explicativo-causal” sem sucesso, buscando fazer uso do diagnóstico psicológico para tentar entender o sofrimento psíquico do paciente.
- Nas ocasiões em que a equipe percebe que a família assume uma atitude de exigência de adaptação da pessoa a uma realidade que ela ainda não assimilou, ou, ainda, em que os entes queridos assumem uma atitude de negação da doença, agindo como se o paciente nada tivesse.

Fonte: Scientific American Mente Cérebro


Remédios anticolinérgicos podem aumentar risco de demência

Medicamentos usados regularmente, receitados principalmente contra insônia, depressão e rinite alérgica, podem aumentar o risco de demência.
Pesquisadores da Universidade de Washington (EUA) acompanharam a saúde de 3.434 pessoas com 65 anos ou mais que não tinham sinais de demência no início do estudo.
Eles monitoraram os registros médicos e as receitas de medicamentos para determinar quantos tinham ingerido remédios com o efeito anticolinérgico, quais as doses e quantas vezes. Então, compararam esses dados com diagnósticos subsequentes de demência nos 10 anos seguintes.
O estudo, divulgado na publicação científica Jama Internal Medicine, apontou que doses mais elevadas e o uso prolongado destes medicamentos estavam ligados a um risco maior de demência em idosos. O perigo aumentava se o consumo fosse diário por três anos ou mais.
Anticolinérgicos
Todos os medicamentos listados têm efeito anticolinérgico, que bloqueiam um neurotransmissor chamado acetilcolina.
Os anticolinérgicos mais usados incluem antidepressivos, anti-histamínicos para alergias, contra a insônia e para tratamento de incontinência urinária. A maioria desses remédios só é vendida com prescrição médica.
Todo medicamento pode ter efeito colateral, e as bulas destes remédios alertam para a possibilidade de redução da capacidade de atenção e memória, e boca seca. Mas os pesquisadores afirmam que usuários deveriam estar cientes de que eles também podem estar ligados a um risco maior de demência.
Ao longo do estudo, 797 dos participantes desenvolveram demência.
O estudo estimou que as pessoas que tomaram pelo menos 10 mg/dia de doxepin (antidepressivo), 4 mg/dia de difenidramina (auxílio para dormir) ou 5 mg/dia de oxibutinina (contra incontinência urinária) por mais de três anos apresentaram um risco maior de desenvolver demência.
Menor dose, pelo menor tempo possível
Os pesquisadores disseram que médicos e farmacêuticos poderiam adotar uma abordagem preventiva e oferecer tratamentos diferentes. E, quando não houver alternativa, poderiam receitar a menor dose e pelo menor tempo possível.
Especialistas envolvidos na área foram unânimes em recomendar que são necessários mais estudos sobre o assunto, de forma a estabelecer se os anticolinérgicos devem de fato incorporar o risco de demência entre seus possíveis efeitos colaterais.
Fonte: Diário da Saúde

Você sofre de transtorno de déficit de natureza?

Nos últimos anos, inúmeros estudos realizados em centros de pesquisas de vários países confirmam: contato com a natureza pode ser terapêutico – e num nível bastante profundo                                                              
Entra dezembro e a gente só consegue pensar em suspender por alguns dias as atividades de trabalho e estudo. Quando esse período de descanso pode acontecer longe das grandes cidades, tanto melhor. E não é por acaso que tanta gente busca lugares onde possa estar mais em contato com o verde. Intuitivamente sabemos – percebemos, sentimos – que a proximidade com terra, água corrente e árvores e outras plantas faz bem ao corpo e à alma. O curioso é que, nos últimos anos, inúmeros estudos (muitos deles bastante consistentes) realizados em centros de pesquisas de vários países confirmam: contato com a natureza pode ser terapêutico – e num nível bastante profundo.

Para o sociólogo José Antonio Corraliza, professor de psicologia social e ambiental da Universidade Autônoma de Madri, vivemos hoje, nas metrópoles, um transtorno de déficit de natureza. “Ao nos afastarmos demais de nossas raízes ancestrais, sofremos prejuízos físicos e mentais, que poderiam ser facilmente evitados com a mudança de hábitos”, diz. Recentemente, por exemplo, um estudo realizado na Holanda mostrou que pessoas que tinham áreas verdes no entorno de suas casas costumavam apresentar doenças cardiovasculares e pulmonares, diabetes, depressão e transtornos de ansiedade com menos frequência em comparação às populações que não tinham esse privilégio.

Entrevistas com mulheres também revelaram um dado curioso: aquelas que vivem em locais com janelas voltadas para a paisagem urbana admitem comportar-se de forma mais agressiva com o cônjuge do que aquelas que têm vista para espaços naturais. Outro dado interessante: ficar muito tempo longe da natureza acelera o processo de envelhecimento das células – algo compreensível se pensarmos que o poder relaxante da natureza combate o estresse, um importante fator de envelhecimento no âmbito molecular. Obviamente não se pode falar em relações diretas de causa e efeito, embora seja bastante aceitável que o ar do campo ajude a fortalecer a saúde. De qualquer forma, é curioso que as relações sociais (comprovadamente importantes para a manutenção da saúde física e mental) sejam influenciadas pela área verde que temos por perto: quanto menos natureza, menos contatos temos uns com os outros e maior é o sentimento de solidão.

Mesmo para crianças, esse contato com o ambiente natural faz bem: há algum tempo já se sabe, por exemplo, que a bactéria Mycobacterium vaccae, que vive no solo, age no cérebro, melhorando a capacidade de aprendizagem e o humor de quem mexe com terra.

Partindo desse dado (e considerando outros tantos), muitos pesquisadores afirmam hoje que a proximidade com áreas verdes e praia de fato ajuda a reduzir sintomas de ansiedade e depressão e melhora a capacidade de concentração e atenção. Pois bem: anda tenso, irritado, desanimado? Experimente aproximar-se do verde.

Fonte: Scientific American Mente Cérebro