O medo é imprescindível para a sobrevivência. algumas pessoas, porém, têm a vida dominada por esse sentimento, que se manifesta em crises súbitas e intensas de desespero. tratamento médico e psicoterapia ajudam a controlar os sintomas e evitar que a ansiedade tome conta
Fernanda Teixeira Ribeiro
Plantas tóxicas, fome, conflitos tribais, predadores – nossos ancestrais sobreviveram a muitos riscos. Em um ambiente hostil, em que raramente se ultrapassava os 30 anos de idade, era preciso estar atento a muitos perigos para se proteger. Ao custo de sofrimento físico, perda de entes queridos e toda série de dificuldades aprendemos, por exemplo, a evitar alimentos de mau aspecto, andar por ruas desertas, desconfiar de desconhecidos. “A psique humana evoluiu em face do medo. Temos uma espécie de software – de milhões de anos, um pouco desatualizado talvez – que traz informações necessárias para nos manter a salvo”, explica o psicólogo Robert Leahy, professor da Faculdade Médica Weill-Cornell, autor de Livre da ansiedade (Artmed, 2011). Adaptativo, o medo se inicia quando reconhecemos uma ameaça e se dissipa logo que ela cessa. A ansiedade, por sua vez, está associada a antecipação. Ela é natural e nos prepara para enfrentar uma situação que nos desafia ou preocupa, como provas, entrevistas, resultados de exames médicos. Nesses momentos, é normal sentir o coração acelerar, a transpiração aumentar e mesmo insônia. Quando o problema é resolvido ela vai embora. “Já a ansiedade patológica não desaparece. Ela nos imobiliza e, para não ter de enfrentá-la, fugimos das situações. É crônica e vem sempre acompanhada de sintomas como palpitação, sudorese, tontura, sensação de estranhamento, diarreia”, diz o psiquiatra Antônio Nardi, diretor do Laboratório de Pânico e Respiração (LABPR) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É considerado transtorno psíquico quando tem duração, intensidade e frequência desproporcionais.
Em alguns casos a ansiedade pode se manifestar em crise abrupta e intensa – um ataque de pânico. Uma onda de sensações desagradáveis, como impressão de asfixia, dor no peito, dormência dos membros, receio de enlouquecer ou mesmo de morrer, que se inicia e atinge seu pico em poucos minutos. As crises podem ocorrer de forma isolada ou ter relação com algum transtorno de ansiedade. Ataques recorrentes, acompanhados pela preocupação constante de sofrer outra crise – e as possíveis consequên-cias, muitas vezes imaginárias, que ela pode ter, como um infarto ou morte –, caracterizam, segundo o Manual diagnóstico e estatístico de doenças mentais (DSM), um estado extremo de ansiedade: o transtorno de pânico (TP), também conhecido como síndrome do pânico.
Por causa da semelhança com os sintomas de problemas cardiorrespiratórios, muitas pessoas com ataque de pânico vão parar no pronto-socorro ou passam por consultórios médicos de diferentes especialidades antes de procurar um psicólogo ou psiquiatra ou ser encaminhadas. É três vezes mais comum em mulheres e surge com mais frequência no início da vida adulta. Em alguns casos, é acompanhado de agorafobia – o receio de ter uma crise faz a pessoa começar a evitar lugares e situações em que, acredita, é mais difícil escapar ou receber ajuda. Assim, tarefas cotidianas, como usar transporte público rumo ao trabalho, fazer compras no supermercado ou sair de casa sem companhia, tornam--se cada vez mais difíceis. “É comum que parentes não compreendam o problema e acreditem que ‘é coisa da cabeça’ de quem sofre e adaptem a rotina familiar para que a pessoa não fique ou não saia só, o que pode parecer uma boa ajuda, mas que acaba colaborando para a manutenção do transtorno”, diz a psicóloga Marcele Regine de Carvalho, pesquisadora do LABPR.
O transtorno de pânico não tem causa específica. O mais provável é que seja resultado da interação entre herança biológica e fatores psíquicos e ambientais, como o estresse. Ter um parente de primeiro grau com o distúrbio é o principal fator de risco. Estudos com famílias, publicados nos anos 80 no Archives of General Psychiatry, demonstraram que pessoas com pai, mãe ou filho com transtorno de pânico têm oito vezes mais chances de apresentar os mesmos sintomas.
Pessoas com predisposição genética são mais suscetíveis a ter o distúrbio desencadeado por fatores externos, como algumas drogas. “São frequentes crises que se seguem ao abuso de álcool ou uso de substâncias recreativas, entre elas a maconha, e também de psicoestimulantes, como anfetaminas e café em excesso”, diz o psiquiatra Márcio Bernik, coordenador do Ambulatório de Ansiedade do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP). Medicamentos anorexígenos (com finalidade de emagrecer), corticoides e broncodilatadores também podem induzir ataques.
PÍLULAS e CRENÇAS
O tratamento com medicamentos e psicoterapia cognitivo-comportamental (PCC) controla os sintomas em mais de 85% dos pacientes sem agorafobia – resultados que se mantêm mesmo depois de interrompê--lo. “Os medicamentos mais indicados são os benzodiazepínicos (ansiolíticos) e antidepressivos. Muitos pacientes utilizam fármacos dos dois grupos, para que sejam ministradas doses menores de cada, o que reduz efeitos colaterais. A medicação bloqueia os ataques de pânico, abrindo caminho para enfrentar situações temidas”, diz Nardi.
A PCC é uma abordagem breve, que ajuda o paciente a perceber padrões de pensamento que alimentam sua ansiedade e a aprender algumas estratégias para lidar com ela no dia a dia. “A maneira como se avalia uma situação influencia emoções, comportamentos e reações fisiológicas. Interpretações exageradamente negativas, ou catastróficas, causam respostas físicas desproporcionais à realidade. Reestruturar pensamentos distorcidos é uma forma de alterar emoções e atitudes”, diz Marcele.
Para isso, é essencial compreender a ansiedade como um mecanismo de defesa: as reações que desencadeia, embora assustem, não são necessariamente perigosas e podem ser controladas. A hiperventilação – decorrente das inspirações rápidas e profundas em uma crise de pânico, que pode desencadear a parte “automática” de um ataque –, por exemplo, pode ser amenizada com respiração diafragmática. De forma semelhante, exercícios de relaxamento podem reduzir a excitação neuromuscular e a hiperatividade cognitiva.
Estudos com testes respiratórios – como hiperventilação voluntária e inalação de dióxido de carbono (CO2) para induzir sintomas de pânico em laboratório –, aliás, demonstram que pacientes com o distúrbio são excessivamente sensíveis a essas alterações. Os núcleos da base (estruturas interconectadas com o córtex cerebral, o tálamo e o tronco encefálico, onde são sintetizados neurotransmissores), por exemplo, têm papel tanto na regulação da respiração quanto no processamento de emoções primitivas, como o medo. “Existe uma relação entre equilíbrio de neurotransmissores, pH do sangue e sistema respiratório.Pacientes que hiperventilam antes de um ataque de pânico podem aprender a bloquear a crise respirando adequadamente”, diz Nardi.
PROVOCANDO SINTOMAS
Fugir ou evitar situações que causam desconforto pode, em um primeiro momento, trazer alívio. Por outro lado, porém, mantém intactas as crenças que sustentam o medo. Uma segunda etapa da PCC, depois da reestruturação cognitiva e treino para lidar com os sintomas, é a terapia de exposição. Com orientação do psicólogo, o paciente faz exercícios que simulam sintomas de ansiedade e também entra em contato com estímulos temidos. “O objetivo é que ele consiga experimentar sintomas e habituar-se a eles, para que qualquer mudança corporal percebida não dispare necessariamente um ataque de pânico”, diz Marcele.
Correr no mesmo lugar, respirar por um canudo fino, prender a respiração e hiperventilar são exemplos de exercícios que simulam sensações físicas de uma crise. Já a exposição a situações que despertam a ansiedade é gradual e repetitiva, de modo a adaptar o paciente ao estímulo, extinguir a resposta de medo e fazê--l-o perceber que suas previsões excessivamente negativas raramente se confirmam. É comum que o psicólogo cognitivo faça também simulações imaginárias ou virtuais para adaptar o paciente aos poucos. “Grupos de apoio também são importantes. Ajudam a perceber que existem pessoas com problemas semelhantes e, principalmente, que muitas melhoram. Para os parentes de quem tem o transtorno é uma oportunidade para esclarecer dúvidas e preconceitos, além de aprender estratégias de enfrentamento, diz Bernik.
“O medo não é o sistema de navegação confiável que supomos. Ele se alimenta de crenças irracionais, de ‘certezas’ que, na realidade, apenas tornam nosso comportamento menos adequado, obscurecem nossas expectativas, afetam drasticamente a qualidade vida”, diz Leahy. Será que todas as nossas preocupações são importantes a ponto de ser preciso dar ouvidos a todas elas para nos proteger? A ansiedade nos permite antecipar problemas e soluções possíveis para evitar a dor e preservar nosso bem-estar – apesar de parecer o contrário. Nas palavras do pensador Sêneca, “há mais coisas que nos assustam do que coisas que efetivamente nos fazem mal; afligimo-nos mais pelas aparências do que pelos fatos”.
PARA SABER MAIS:
Transtorno de Pânico – Teo-ria e clínica. A. Nardi, J. Quevedo e A.G. da Silva (orgs.). Artmed, 2013.
Livre da ansiedade. Robert Leahy. Artmed, 2011.
Agorafobia, o medo do medo. José Pedro Espada Sanchez. Mente e Cérebro no 204, pág. 44-51, janeiro de 2010.
Pânico: efeito do desamparo na contemporaneidade. Lucianne Sant’Anna de Menezes. Casa do Psicólogo/ Fapesp, 2006.
A family study of panic dis-order. R. Crowe e outros. Archives of General Psychiatry. 1983; 40 (10): 1065-9.
A CRISE DE ANSIEDADE
O ataque de pânico é um período de medo intenso e de desconforto. Pode ocorrer em qualquer momento ou situação. Alguns dos sintomas podem surgir de repente e atingir seu pico em torno de dez minutos:
1 -falta de ar ou sensação de asfixia
2- vertigem
3 - ritmo cardíaco acelerado (taquicardia)
4 - tremor
5 - suor frio
6 - náusea
7 - sensação de dormência
8 -ondas de calor ou frio
9 - dor no peito
10 - medo de morrer, enlouquecer ou perder o controle
ESTRESSE SOB CONTROLE
Congestionamentos, demandas do trabalho, cuidar de si próprio e de outros. É possível enumerar centenas de situações, apenas as mais corriqueiras, que deflagram estresse e ansiedade. São parte do cotidiano da maioria das pessoas. A diferença é a maneira como cada um lida com elas. Algumas medidas que ajudam a gerenciar melhor essas emoções:
1. Exame dos pensamentos
O psicólogo Robert Epstein, doutor pela Universidade Harvard, investigou como mais de 3 mil pessoas lidavam com as pressões do dia a dia. Ele descobriu que os que buscavam controlar pensamentos negativos – tentando enxergar a situação de maneira mais condizente com a realidade ou de perspectiva mais positiva – apresentavam menos sintomas de distúrbios psíquicos. Segundo o pesquisador, pessoas com transtornos de ansiedade tendem a antecipar problemas, superestimar sua importância e, mais ainda, prever desfechos trágicos. “Reinterpretar os eventos da vida faz com que eles deixem de nos incomodar tanto. A psicoterapia pode ser crucial nesse processo”, diz.
2. Relaxamento
Não faltam estudos que atestam os benefícios da ioga, de exercícios respiratórios e técnicas de meditação. Meditar regularmente reduz os níveis de cortisol, hormônio relacionado ao estresse, e fortalece o sistema imunológico. Atividades de lazer também são importantes para amenizar a rotina e tirar o foco das preocupações.
3. Atividade física
Mexer o corpo melhora o humor. Atividade física regular estimula a produção de neurotransmissores, como a serotonina e a dopamina, associadas às sensações de bem-estar e de motivação. Além disso, exercícios ao ar livre ou mesmo na academia de ginástica são boa oportunidade para sair de casa e interagir socialmente. As relações sociais são importantes para a manutenção do humor e da autoestima.
4. Alimentação
Dieta rica em nutrientes mantém a saúde do corpo – e também da mente. O endocrinologista sueco Fredik Nystrom, da Universidade de Linkoping, estudou o humor de 18 voluntários que, durante um mês, comeram apenas em lanchonetes – cardápio, claro, baseado em frituras e açúcar – e não fizeram exercícios físicos. Conclusão: o aumento da irritabilidade e do humor deprimido foi proporcional ao “estrago” na alimentação. Por outro lado, alimentos ricos em ácidos graxos ômega 3, como peixes, abóbora, semente de linhaça, soja, castanhas e, em menor quantidade, espinafre, couve e pepino, estão associados à melhora do bem-estar.
A RESPIRAÇÃO A SEU FAVOR
Respirações profundas e amplas, diafragmáticas, estimulam o controle parassimpático do funcionamento cardiovascular, ajudando a normalizar o ritmo dos batimentos cardíacos. O ideal é treinar a técnica tranquilamente para aplicá-la quando surgirem os sintomas de ansiedade:Inspire pouco ar pelo nariz, devagar, contando até três. Prenda um pouco a respiração e sinta o abdome estufar. Depois, expire longa e suavemente pela boca, contando até seis.
Fonte: Scientific American Mente Cérebro
Disponível em: <http://www2.uol.com.br/ vivermente/artigos/em_panico_. html>. Acesso em: 06 jan. 2014
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.