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terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Ciberpsicologia: A bomba-relógio do amor versus tecnologia

Relacionamentos amorosos podem chegar ao fim por conta do uso constante do celular. Esse fenômeno tem gerado conflitos e trazido o tema para estudos sobre uma novidade na área: o phubbing

Shutterstock / ACERVO PESSOAL

O uso desadaptativo de aparelhos celulares pode desencadear uma possível dependência tecnológica. Essa afirmação já foi vista em diversos momentos nesta coluna, entretanto, em paralelo, há outro assunto relacionado ao uso desses artefatos tecnológicos que vêm ganhando uma atenção cada vez maior da mídia e da literatura científica: o phubbing. Assim como para os termos selfiecyberslacking (ambos vinculados à cibercultura) ainda não há uma - boa - tradução (em muitos momentos não é necessário, pois distorce o jogo de palavras) em português para phubbing. Esse termo é uma junção das palavras snubbing (esnobar) ephone (telefone). De acordo com Roberts e David (2016), seria o comportamento de esnobar outra pessoa, que está ao seu lado, por meio do uso do celular. Quando circunscrito no âmbito amoroso, o termo ganha uma nova roupagem: o partner phubbing(Pphubbing). Mas de que forma esse fenômeno afeta os atuais relacionamentos amorosos? É motivo de preocupação ou apenas um fenômeno passageiro?
Uma pesquisa realizada por McDaniel e Coyne (2014) com 143 mulheres revelou que 70% delas reportam que os celulares "algumas vezes", "frequentemente", "muito frequentemente" ou "todo o tempo" interferem na interação com seu/sua parceiro/a. Roberts e David (2016) revelam que para um relacionamento ser mutuamente satisfatório cada parceiro deve estar presente para o outro, não apenas meramente na presença do outro, mas deve existir uma conexão entre eles. Partindo dessa afirmação, é notável que relacionamentos que apresentem interferências negativas devido ao uso do celular podem ser finalizados. Porém, seria pouco cauteloso afirmar que apenas esse critério é suficiente para que um relacionamento acabe. Há diversos outros motivos que podem gerar problemas para um casal, porém minha experiência clínica e os relatos da literatura científica identificam que o uso problemático de tecnologia vem se tornando um problema cada vez maior e mais frequente nos relacionamentos, em alguns casos culminando no fim de uma amizade, namoro ou mesmo um casamento.
McDaniel e Coyne (2014) pontuam que responder a uma mensagem de texto (é possível pensarmos imediatamente no WhatsApp e Facebook) durante uma conversação com seu parceiro romântico gera uma impressão de que a interação virtual é mais importante (e talvez interessante) em relação ao relacionamento amoroso. E é exatamente essa a informação que esse comportamento revela. Porém, por qual razão essa atitude é mantida se os conflitos gerados estão ocorrendo com uma frequência cada vez maior? É possível pensar que esse fenômeno é uma reverberação da dependência de celular ou apenas um comportamento inadequado reforçado ao longo de um determinado tempo? Será mesmo que é inadequado?

O CONFLITO ENTRE O CASAL EM RELAÇÃO AO USO DO CELULAR PIORA NA PRESENÇA DE ANSIEDADE, OU SEJA, HÁ UMA REAÇÃO EXAGERADA COMPARADA ÀQUELES QUE POSSUEM MELHOR CONTROLE EM RELAÇÃO À ANSIEDADE

Roberts e David (2016) comentam que os celulares, com seus constantes avisos sonoros e modelos de vibração, funcionam como uma criança petulante que não irá se comportar até ter aquilo que ela quer. Indubitavelmente o desejo de verificar o que está ocorrendo no celular deve ser monitorado, é de conhecimento comum que esse aparelho demanda nossa atenção e isso pode determinar a satisfação de um casal. Roberts e David (2016) ainda sugerem que o conflito entre o casal em relação ao uso do celular piora na presença de ansiedade, ou seja, há uma reação exagerada comparada àqueles que possuem melhor controle em relação à ansiedade.
Além dos aspectos científicos vinculados ao tema, quais são as novas condutas que a sociedade contemporânea deve apresentar para que esse novo risco aos relacionamentos não seja instalado? Algumas possíveis estratégias podem ser adotadas: primeiro, caso o relacionamento esteja sendo afetado negativamente por esse comportamento, não seria o momento oportuno para que o casal pudesse debater quais são os motivos do Pphubbing? Neste momento talvez ambos já possam encontrar algumas respostas, tais como: uma rotina monótona, um período longo de relacionamento, hábitos instalados pelo fato do/a parceiro/a não ter reclamado anteriormente ou mesmo uma possível dependência tecnológica. Segundo, quais são as emoções que o casal sente durante o uso do celular? E quando é o outro que está usando, as emoções são positivas ou negativas? Por fim, há um limite de tempo para o uso de celular quando o casal está junto? Existem acordos sobre o uso de celular? Há recados urgentes ou o trabalho exige maior disponibilidade para o uso do celular? Este é um tema que vem sendo reconhecido pela literatura científica e o principal objetivo é que esse tipo de comportamento não seja mais um ponto negativo no momento de avaliar o fim do relacionamento.

Referências:
MC DANIEL , B. T.; CO YNE , S. M. Technoference: the interference of technology in couple relationships and implications for women's personal and relational well-being. Psychology of Popular Media Culture, 2014.
ROBERT S, J. A.; DAVID, M. E. My life has become a major distraction from my cell phone: partner phubbing and relationship satisfaction among romantic partners. Computers in Human Behavior, v. 54, 2016.

ACERVO PESSOALvgor Lins Lemos é doutorando em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental Avançada pela Universidade de Pernambuco (UPE). É psicoterapeuta cognitivo-comportamental, palestrante e pesquisador das dependências tecnológicas. E-mail: igorlemos87@hotmail.com

Fonte: Psique
Disponível em: <http://portalcienciaevida.uol.com.br/esps/Edicoes/119/artigo366718-1.asp>. Acesso em: 15 dez. 2015

Antidepressivos na gravidez quase dobram risco de autismo

Antidepressivos na gestação
O uso de antidepressivos, especialmente os inibidores seletivos da recaptação da serotonina, durante os dois trimestres finais da gravidez foi associado com um forte aumento do risco de autismo nas crianças por um novo estudo que está levantando controvérsias entre os especialistas.
Antidepressivos são largamente prescritos durante a gravidez para tratar a depressão, embora haja indícios de queantidepressivos na gravidez podem gerar má-formação nas crianças e até mesmo controvérsias de que os antidepressivos não funcionam.
Transtorno do Espectro Autista é uma síndrome do desenvolvimento neurológico caracterizado pela dificuldade de comunicação e interação social e por padrões específicos de interesses e comportamentos.
Devido à série de estudos que têm mostrado riscos do uso de antidepressivos, os pesquisadores alegam que uma melhor compreensão dos efeitos a longo prazo no desenvolvimento neurológico das crianças é urgente, sobretudo quando os antidepressivos são usados durante a gestação.
Antidepressivos e autismo
A equipe analisou dados de 145.456 crianças, dentre as quais 1.054 (0,72%) tiveram pelo menos um diagnóstico de autismo, com uma relação de 4 para 1 entre meninos e meninas. A idade média do primeiro diagnóstico de autismo foi de 4,6 anos - as crianças foram monitoradas até a idade de 6,2 anos, em média.
Foram identificadas 4.724 crianças (3,2%) expostas aos antidepressivos ainda no útero - 4.200 (88,9%) expostas durante o primeiro trimestre e 2.532 (53,6%) durante o segundo e/ou terceiro trimestres da gestação.
O uso de antidepressivos durante o segundo e/ou terceiro trimestre da gravidez foi associado com um aumento de 87% no risco de autismo (32 crianças identificadas), não tendo sida observada associação entre o autismo e o uso de antidepressivos durante o primeiro trimestre da gravidez ou no ano anterior à gravidez.
Os resultados do trabalho da Dra Anick Bérard e seus colegas da Universidade de Montreal (Canadá) foram publicados no jornal médico JAMA Pediatrics.
Ressalvas
Outros pesquisadores, contudo, não estão tão convencidos dos resultados deste estudo. Roy Perlis, da Universidade de Harvard, por exemplo, disse em entrevista à revista Science que os autores desconsideraram o fato de que mulheres com depressão já apresentam um maior risco de terem filhos com autismo.
Assim, defende Perlis, não haveria como saber, a partir dos dados publicados pela equipe, se as crianças estavam em maior risco de autismo porque suas mães estavam tomando mais medicamentos ou porque elas tinham depressão mais grave.
Os pesquisadores reconhecem que o estudo não oferece uma palavra final sobre o assunto, destacando que a pesquisa não coletou informações sobre o estilo de vida das mães. Além disso, os dados usados forma retirados das prescrições médicas dadas às mães, que podem não refletir o uso real dos antidepressivos.
Fonte: Diário da Saúde

Fé tem efeito benéfico sobre prevenção e tratamento de doenças

Um estudo apresentado na semana passada durante o Congresso Brasileiro de Psiquiatria, em Florianópolis, Santa Catarina, mostra que ter fé traz benefícios para a prevenção e para o tratamento de doenças.

Um estudo apresentado na semana passada durante o Congresso Brasileiro de Psiquiatria, em Florianópolis, Santa Catarina, mostra que ter fé traz benefícios para a prevenção e para o tratamento de doenças.

A Associação Mundial de Psiquiatria (WPA) reconheceu o estudo em um posicionamento que será publicado no ano que vem na publicação “World Psychiatry”.

O professor da Bowling Green State University, em Ohio (nos Estados Unidos), Kenneth Pargament, afirma que pelos estudos já realizados ligando fé e tratamentos médicos é possível ver que as pessoas que travam uma luta com o espiritual têm mais risco de depressão, transtorno bipolar e mortalidade em geral.

“Todos nós enfrentamos adversidades durante a nossa vida, mas isso não quer dizer que não tenhamos escolhas. Pesquisas mostram que sentir raiva de Deus, se considerar punido, pouco ajudado e questionar se a vida importa são fatores que levam à piora no estado de saúde mental e também ao declínio na qualidade de vida”, afirmou.

Ainda segundo ele, os níveis “altos de dificuldade espiritual estão associados a maior chance de ansiedade, estresse pós-traumático e queda na imunidade”.

Quando o paciente tem uma atitude positiva diante do tratamento o resultado é muito melhor. A fé também seria um dos motivos para que as pessoas cuidassem melhor de seus corpos e adotassem um estilo de vida saudável.

Reconhecer a importância da relação entre a saúde, a religiosidade e a espiritualidade é importante para a classe médica como afirma o psiquiatra Alexander Moreira-Almeida, diretor do Núcleo de Pesquisas em Espiritualidade e Saúde (Nupes) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

“A maioria das pessoas são religiosas. E elas gostariam que este assunto fosse abordado nos atendimentos prestados. Precisamos mostrar que nos importamos com este aspecto e também que nos interessamos em saber como a história espiritual do indivíduo influencia o modo que ele enfrenta, por exemplo, a própria doença”, diz em entrevista ao Extra.

Já o psicólogo e professor da Bowling Green State University, Kenneth Pargament, vai mais longe e diz que assim como estimulam a volta da atividade física, é importante estimular a volta à espiritualidade.

“O que é preciso fazer é incentivá-los a ter acesso a todos os recursos para lidar com a doença. Se a volta à atividade física é estimulada, por que não a volta à espiritualidade?”, questiona.

Ao ser questionado se o fato da pessoa negar a existência de Deus traz prejuízos para a saúde, Pargament diz que os ateus possuem recursos espirituais de natureza não teísta.

O psicólogo também comentou sobre o extremismo religioso: “Faz uma diferença enorme a natureza do Deus no qual se acredita. Se você acha que Ele tem um guarda-chuva grande, capaz de abrigar todo tipo de pessoa, é menos provável que surja o ódio. Se crê em um Deus pequeno, que só protege os escolhidos, aí existe o terrorismo. Tudo depende se, para você, Deus é mais amplo e poderoso do que isso.”


Fonte: Associação Brasileira de Psiquiatria
Disponível em:< http://www.abp.org.br/portal/imprensa/clipping-2/>. Acesso em: 18 nov. 2015

Como o toque ajuda a fazer amigos e a influenciar pessoas

Pesquisadores acreditam que as interações corpo a corpo que sinalizam cordialidade e confiança podem impulsionar também a cooperação grupal

Independentemente da forma, seja um toque delicado de paquera ou um beliscão, o contato físico pode transmitir vários tipos de informação social. Em 1984, os psicólogos Christopher G. Wetzel, do Rhodes College, e April H. Crusco, então da Universidade do Mississippi, relataram que garçonetes que encostavam brevemente na mão ou no ombro de um cliente tinham chances de ganhar uma gorjeta maior.

Estudos posteriores demonstraram ainda que o toque pode favorecer a influência que exercemos sobre estranhos e ajudar vendedores a pressionar consumidores ou instituições de caridade na hora de procurar voluntários. Esse tipo de contato talvez possa explicar por que alguns políticos costumam dar algumas batidinhas no ombro de seus eleitores sempre que possível.
O efeito funciona também entre pessoas íntimas. Por exemplo, um estudo de 2011 realizado por um grupo de psicólogos da Central de Serviços Psicológicos de Iowa e da Universidade do Estado de Iowa descobriu que as mulheres costumam tocar o marido mais frequentemente quando discutem um tema que elas trouxeram do que nos momentos em que ele levanta uma questão – como se a pressão extra, física e simbólica, pudesse aumentar sua influência. (O estudo revela também que os homens, por outro lado, tendem a manter menor contato físico, independentemente da pessoa que iniciou a conversa.)
Os pesquisadores acreditam que as interações corpo a corpo que sinalizam cordialidade e confiança podem impulsionar também a cooperação grupal. Em 2010, psicólogos da Universidade da Califórnia em Berkeley descobriram que o tempo que os jogadores de basquete da NBA passavam tocando um no outro no início da temporada poderia ajudar a prever o desempenho meses mais tarde. Leves pancadas comemorativas com os punhos, apertos de mãos, abraços. Tanto faz. A proximidade parecia refletir o espírito de uma equipe unida e indicar a capacidade dos atletas de jogar bem como indivíduos e como time. (Daisy Yuhas)

Fonte: Scientific American Mente Cérebro

Traços psicopáticos de jovens infratores

O psicólogo Daniel Rijo desenvolveu um projeto baseado na Terapia Focada na Compaixão, com o objetivo de regular as dificuldades emocionais dos chamados delinquentes juvenis do sistema prisional de Portugal

Imagem: WikipediaUsar elementos da Terapia Focada na Compaixão (TFC) para minimizar os efeitos das psicopatologias em jovens detentos do sistema prisional de Portugal é o objetivo do projeto desenvolvido por Daniel Maria Bugalho Rijo. O programa, que contemplará jovens infratores, começará, efetivamente, em janeiro de 2016. Como base para alcançar o sucesso da iniciativa, o psicólogo usará a TFC, que vem obtendo bons resultados para diversos quadros clínicos. O projeto é pioneiro, na medida em que testará o seu impacto na modificação dos traços psicopáticos em delinquentes juvenis.
Segundo Rijo, a ideia é adotar em presídios portugueses um ensaio clínico aleatório, em que um grupo de menores delinquentes do gênero masculino, com elevados traços psicopáticos, será selecionado. Depois disso, metade deles receberá 20 sessões estruturadas de Terapia da Compaixão. "As sessões serão concebidas para auxiliá-los a regular o comportamento impulsivo, a reduzir a agressividade e a desenvolver uma atitude autocompassiva, que lhes permita um maior ajustamento nas relações interpessoais", explica o psicólogo.
No final do tratamento, o funcionamento psicológico, emocional e comportamental dos jovens tratados será comparado com o dos jovens do grupo de controle: "Esperamos alcançar melhorias na regulação emocional, no combate aos atos violentos, diminuição dos traços de frieza emocional e maior capacidade de autocompaixão e de compaixão pelos outros".
Rijo tem se envolvido em projetos de investigação na área das perturbações da personalidade e do comportamento antissocial. Tem colaborado com instituições públicas e privadas portuguesas em diversos cursos de formação para professores e psicólogos em áreas como indisciplina escolar, comportamento desviante, psicoterapias das perturbações da personalidade, Terapia Focada nos Esquemas e entrevista motivacional com doentes difíceis. Em parceria com o Ministério da Justiça de Portugal, vem desenvolvendo projetos de intervenção e de investigação na prevenção e reabilitação de jovens e adultos agressores, incluindo agressores conjugais.
Daniel Rijo é doutor em Psicologia, professor na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, em Portugal, além de, como ele mesmo se define, investigador no Centro de Investigação do Núcleo de Estudos e Intervenção Cognitivo-Comportamental (Cineicc).

Você desenvolveu um projeto de Terapia da Compaixão com jovens infratores em Portugal, que começará efetivamente em janeiro de 2016. Primeiramente, o que é Terapia da Compaixão?

Daniel Rijo: A Terapia Focada na Compaixão (TFC) é de índole cognitivo-comportamental, inserida num movimento reconhecido como terapias de terceira geração ou de terceira onda, que rompe com o paradigma dominante nas intervenções cognitivo-comportamentais. Trata-se de um modelo conceitual que valoriza o peso que variáveis de natureza evolucionária têm na explicação do sofrimento humano e da psicopatologia. A partir do conhecimento sobre a forma como a mente humana funciona, propõe-se ajudar os indivíduos promovendo o funcionamento psicológico e emocional numa mentalidade evoluída de prestação de cuidados aos outros e ao próprio. Em outras palavras, sendo os mamíferos evolutivamente dotados da capacidade de funcionarem numa mentalidade de prestação de cuidados (para poderem assegurar a sobrevivência de seus filhos), essa mentalidade pode ser promovida na forma como funcionamos em relação aos outros, mas também em relação a nós próprios (sendo capazes de nos sentirmos seguros perante a adversidade e as ameaças da vida, por exemplo). Ao funcionarmos nessa mentalidade de prestação de cuidados em relação a nós mesmos, desenvolvemos uma atitude autocompassiva (por oposição ao autocriticismo, que é a vergonha de si mesmo), que nos ajuda a enfrentar os problemas, a tolerar os fracassos e a lidar com as perdas de forma mais adaptativa e tranquila.


Teoricamente, como funcionará essa intervenção, o que está planejado para essa prática, quanto tempo deverá durar e quais os resultados esperados?

Rijo: A TFC vem obtendo bons resultados para diversos quadros clínicos e este projeto será pioneiro, na medida em que testará o seu impacto na modificação dos traços psicopáticos em delinquentes juvenis. No que diz respeito ao desenho da investigação, trata-se de um ensaio clínico aleatório (a forma mais vigorosa de testar a eficácia de um tratamento), em que um grupo de menores delinquentes do gênero masculino, com elevados traços psicopáticos, será selecionado e metade deles (grupo de tratamento) receberá 20 sessões estruturadas de Terapia da Compaixão. As sessões serão concebidas para auxiliá-los a regular o comportamento impulsivo, a reduzir a agressividade e a desenvolver uma atitude auto e heterocompassiva, que lhes permita um maior ajustamento nas relações interpessoais. No final do tratamento, o funcionamento psicológico, emocional e comportamental dos jovens tratados será comparado com o dos jovens do grupo de controle. Esperamos alcançar melhorias na regulação emocional, no combate à agressividade, uma diminuição dos traços de frieza emocional e maior capacidade de autocompaixão e de compaixão pelos outros.


Como apresentar a Terapia da Compaixão para jovens que em sua maioria não conhecem esse conceito e, além disso, são negligenciados e marginalizados? Como funciona essa dinâmica?

Rijo: O projeto de investigação decorrerá em centros educativos (unidades de reabilitação em que os menores que são autores de atos criminosos são colocados pelo sistema de justiça português). Nessas unidades de reeducação para a vida em sociedade, os menores já recebem intervenções de diversas naturezas: frequência de cursos de formação escolar e profissional que os habilite para a continuação dos estudos e para a inserção profissional no final da medida judicial; programas de tratamento de competências sociais etc. Aos jovens que se encontram internos por medida tutelar educativa, por um tempo suficientemente longo, será proposta a participação voluntária nesse estudo. Pela nossa experiência em projetos anteriores com essa população, a maioria manifesta desejo de participar e está aberta para receber ajuda psicoterapêutica, uma vez que a internação nesses centros os confronta com as próprias necessidades de mudança atitudinal e comportamental. Muitos desses jovens reconhecem a necessidade de mudar, embora manifestem dificuldades e inconsistências quando alcançam algum grau de mudança. Com ajuda psicoterapêutica, a maioria costuma colaborar e se emprenhar no processo de mudança de um modo sério. A intervenção pode e deve ser apresentada como um veículo para ajudá-los a melhor regular as suas dificuldades emocionais, o seu comportamento e saber lidar com situações desconfortáveis que possam vir a sofrer, mesmo durante a internação ordenada pela justiça juvenil. Para além dessa atuação, os terapeutas são também treinados no manejo da entrevista motivacional, a fim de promover maior adesão dos jovens à intervenção terapêutica e envolvimento mais intenso no processo de mudança.


Quais as relações entre a Terapia da Compaixão e os conceitos da Terapia Cognitivo-Comportamental, também alvo de sua prática clínica?

Imagem: ShutterstockRijo: A Terapia Focada na Compaixão é uma das modalidades de Terapia Cognitivo-Comportamental atualmente existentes. É considerada uma terapia de terceira geração pois, ao contrário da cognitiva tradicional, que visa a mudança dos conteúdos de pensamento e a correção das formas de pensar disfuncionais, a TFC privilegia o papel que a mente, resultante da evolução, possui na regulação emocional. Dedica-se bastante tempo para "educar" o cliente sobre os diversos sistemas de regulação do afeto que os humanos possuem, mostrando como o funcionamento no modo de prestação de cuidados, de calor e afeto pode ser ativado para nos apaziguar perante a adversidade e o fracasso. Grande parte da intervenção é focada no desenvolvimento de competências de autocompaixão, combatendo o autocriticismo e as defesas patológicas que os sujeitos desenvolvem contra o seu próprio autocriticismo. Nesse trabalho, há um foco considerável no "desenvergonhamento" do indivíduo, ou seja, na redução dos sentimentos de vergonha, que nos fazem sentir inferiores e sem valor. Neste aspecto, o foco da intervenção é idêntico ao que já acontece em intervenções cognitivas, por exemplo, na Terapia Focada nos Esquemas. No entanto, a postura do terapeuta e as explicações fornecidas ao cliente acerca do funcionamento da nossa mente e da produção de cognições disfuncionais são bem diferentes do que se faz na Terapia Cognitivo-Comportamental clássica. Na Terapia Focada na Compaixão, a própria relação terapeutadoente é um ingrediente fundamental da mudança terapêutica e o terapeuta deve ser treinado no desenvolvimento da autocompaixão e da compaixão pelos outros.


Seus estudos detectaram elevada prevalência de psicopatologias e perturbações mentais no sistema prisional. A que se deve isso e como minimizar o problema?

Rijo: A investigação internacional tem mostrado uma elevada prevalência de perturbações mentais em amostras forenses. Nos adultos reclusos, as perturbações de personalidade (especialmente a antissocial, a paranoide, a borderline e a narcísica) podem ser encontradas em cerca de 80% dos reclusos do sexo masculino. Nas populações de menores em conflito com a justiça, pela fase de desenvolvimento em que se encontram, são os precursores da perturbação de personalidade antissocial (a perturbação de conduta e a perturbação de oposição) que se revelam igualmente prevalentes. Na verdade, os aspectos identificados como fatores de risco para o crime são comuns a quem tem predisposição a esse tipo de patologia. A questão que se coloca é a da necessidade de intervenção em saúde mental na reabilitação dos indivíduos que cometem crimes. Se não forem avaliadas as suas necessidades de tratamento e não for oferecida nenhuma forma de intervenção especializada, é de esperar que, após o término da medida judicial, a reincidência se mantenha elevada. Alguns estudos mostram que a presença de patologia severa da personalidade em reclusos constitui um fator que dificulta a eficácia das intervenções tradicionais no tratamento penitenciário (por exemplo, programas cognitivo-comportamentais de competências sociais). Nesse sentido, os detentos deveriam ser avaliados no início da pena e deveriam proporcionar a eles tratamentos diferenciados em função das suas necessidades de intervenção em saúde mental. Alguns países oferecem unidades especializadas de tratamento dentro dos sistemas prisionais para indivíduos com tais necessidades.

Trata-se de um ensaio clínico aleatório, em que um grupo de menores delinquentes do gênero masculino, com elevados traços psicopáticos, será selecionado e metade deles receberá 20 sessões estruturadas de Terapia da Compaixão

Essas perturbações observadas se traduzem em comportamentos violentos dos detentos e em que medida o convívio com outros encarcerados ajuda a agravar o problema?

Rijo: Os detentos com patologia mais severa da personalidade (por exemplo, que possuem mais de uma perturbação desse tipo) tendem a ser mais impulsivos e a possuírem maior desregulação emocional perante a frustração ou quando existe algum conflito interpessoal. Como resultado dessas características, quando se encontram em grupo podem tornar-se mais explosivos e passar ao ato com maior facilidade. No entanto, apesar dessas características de impulsividade, a realidade mostra que a grande maioria dos detentos tende a adotar um comportamento mais manipulativo dentro da prisão e manifesta menos agressividade aberta e direta. Fica-se com a ideia de que o sistema prisional, totalitário e fechado, parece capaz de controlar de forma razoavelmente eficaz esse tipo de comportamento. A punição contingente, sempre que um detido descumpre o regulamento, parece ser eficaz na regulação do comportamento agressivo dentro dos limites da prisão. A questão importante a se ponderar é se, uma vez em liberdade, o sujeito internalizou competências de regulação emocional e comportamental que lhe permitam funcionar num modo pró-social, mesmo quando já não tem ninguém a controlá-lo o tempo inteiro.


O trabalho que vai desenvolver em presídios preconiza intervenções individuais ou em grupo?

Rijo: O ensaio clínico sobre a eficácia da Terapia Focada na Compaixão vai ser realizado no formato de sessões individuais de Psicoterapia. Habitualmente, por uma questão de custo/benefício, atendendo à proporção de técnicos por agressor, a generalidade dos tratamentos penitenciários é realizada em grupo (pelo menos parte da intervenção). Isso aconteceu com um projeto anterior - Gerar Percursos Sociais -, em que testamos o impacto de um programa estruturado de 40 sessões em grupo na melhoria do funcionamento cognitivo, emocional e interpessoal dos detentos. Esse programa foi construído com base no modelo da Terapia Focada nos Esquemas para as perturbações da personalidade e produziu bons resultados na investigação que ainda vamos publicar. No entanto, no novo projeto, o primeiro estudo aplicando a Terapia Focada na Compaixão num contexto forense, a ideia é melhor compreendermos os mecanismos de mudança terapêutica. Por isso, optamos pela intervenção em formato individual.


O fato de o universo prisional ser de extrema complexidade e vulnerabilidade exige novos modelos de Psicoterapia?

Rijo: Inúmeros autores e estudiosos dos sistemas prisionais apontam para várias perversidades da prisão. A cultura prisional é uma cultura totalitária, num universo fechado e longe da observação pública ou de entidades reguladoras independentes. A reclusão é uma oportunidade única para promover a mudança dos autores de atos criminosos. No entanto, se nada for feito nesse sentido, corremos o risco de, em vez de conduzir à mudança, a experiência da reclusão pode agravar mais ainda fatores intrapsíquicos subjacentes a um padrão de comportamento agressivo e criminal. Mais do que novos modelos de Psicoterapia, o universo prisional convida a uma mudança de cultura institucional, fazendo os profissionais que intervêm no sistema prisional passar de uma cultura meramente punitiva para uma cultura de reabilitação. Na verdade, a pena determinada por um tribunal é privativa da liberdade. não inclui outra punição que não a privação da liberdade. Mas, como evidenciam os estudos de reincidência criminal, a reclusão só por si não produz automaticamente a mudança do padrão comportamental e do estilo de vida. Esse período deve ser aproveitado como uma oportunidade privilegiada para desenvolvermos esforços de reabilitação. E esses esforços devem envolver todos, desde os guardas prisionais ao pessoal médico, professores, formadores e psicólogos que intervêm junto dos detentos.

Pela nossa experiência com essa população, a maioria manifesta desejo de participar e está aberta para receber ajuda psicoterapêutica, uma vez que a internação nesses centros os confronta com as suas próprias necessidades de mudança atitudinal

A estrutura e as dinâmicas familiares dos jovens detentos são fatores de risco ou de proteção para o desenvolvimento dos problemas de comportamento. Sua intervenção terapêutica prevê uma atuação junto às famílias?

Rijo: A quase totalidade dos menores agressores provém de famílias com elevada deterioração e instabilidade, onde abundam modelos de comportamento destrutivo e é comum familiares próximos ou mesmo irmãos mais velhos constituírem modelos de criminalidade e desvio social. A questão da responsabilização das famílias e da necessidade de intervenção junto das mesmas vem sendo debatida em Portugal com mais intensidade. Até muito recentemente, a Lei Tutelar Educativa (aplicada a menores entre 12 e 16 anos de idade) não contemplava a corresponsabilização das famílias em relação aos atos criminosos. Na verdade, essa é uma questão polêmica, pois, em muitos casos, a estrutura familiar desses menores é fraquíssima e as intervenções oferecidas às famílias são de natureza voluntária e menos intensas do que as que podemos oferecer aos menores. No sistema de justiça juvenil português, é oferecida uma breve intervenção junto à família dos agressores juvenis, com o objetivo de apoiar e intensificar os esforços de mudança do jovem. Essa intervenção é facultativa e as famílias podem aceitar ou rejeitar esse apoio. Quando as famílias se mostram disponíveis e interessadas podem ser encaminhadas para serviços na comunidade que oferecem intervenção familiar de forma mais intensa e prolongada.


Pelas conclusões dos seus estudos, a Terapia da Compaixão pode ser usada em outros países, como o Brasil, ou ela foi concebida apenas para a realidade prisional de Portugal?

Rijo: Embora o projeto que estamos iniciando seja o primeiro a testar o impacto da Terapia Focada na Compaixão de forma vigorosa no contexto forense, já existem alguns indicadores de que essa modalidade terapêutica tem um impacto positivo com agressores. Um primeiro ensaio feito num projeto de apoio psicoterapêutico individual, promovido pela Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, juntamente com uma equipe da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, mostrou que existe mudança clinicamente significativa em variáveis relevantes. Entretanto, a intervenção realizada pode e deve ser testada em outros países e em outras realidades culturais. Não há qualquer obstáculo para a implementação desse tratamento em outros países ou outros contextos, pois, para além da adequação linguística, não foi feita nenhuma outra alteração particular às estratégias de intervenção que impeça o seu uso em culturas diferentes.


Sua atuação também utiliza a Terapia do Esquema. Pode definir, em linhas gerais, o que é essa técnica, como a conheceu e por que resolveu adotá-la?

Rijo: A Terapia Focada nos Esquemas pode ser descrita como um desenvolvimento das terapias cognitivas, que foi concebido para responder às particularidades dos doentes com patologias da personalidade. Como estamos interessados em tratar perturbações da personalidade, resistentes às intervenções individuais, em 1994 convidamos Jeffrey Young (criador da metodologia) para ministrar um curso intensivo em Coimbra. Desde esse período, iniciamos o aprofundamento do modelo da Terapia Focada nos Esquemas e começamos a fazer investigação da teoria e formação continuada ao longo dos anos. O modelo de intervenção foi sendo desenvolvido e, em 2008, foi fundada a International Society for Schema Therapy, em Coimbra, num encontro que juntou 100 especialistas de 30 países diferentes. A Terapia Focada nos Esquemas propõe que a não satisfação de necessidades emocionais e de desenvolvimento, nos primeiros anos de vida do indivíduo, conduz à formação de crenças disfuncionais precoces, que constituem o núcleo do autoconceito do sujeito. A existência dessas crenças, resistentes à mudança, bem como os processos de coping (esforços para lidar com situações de danos) disfuncionais associados às mesmas geram e mantêm a patologia da personalidade. A terapia recorre a estratégias cognitivas e comportamentais, mas também a de estratégias emocionais e relacionais para combater a influência dessas crenças no funcionamento cognitivo e no comportamento do indivíduo. É dada muita atenção à satisfação de necessidades emocionais pelo próprio terapeuta, num estilo de intervenção conhecido como reparentização limitada. Por ter se revelado muito eficaz no tratamento de perturbações severas da personalidade, principalmente perturbação borderline e a narcísica, está se tornando bem conhecida como opção de tratamento para esses casos.

Nas populações de menores em conflito com a justiça, pela fase de desenvolvimento em que se encontram, são os precursores da perturbação de personalidade antissocial que se revelam prevalentes


Imagem: ShutterstockA Terapia do Esquema integra conhecimentos derivados de outros sistemas teóricos, como a Terapia Cognitiva-Comportamental, o Construtivismo, a Gestalt-Terapia, a Psicanálise, entre outras. Qual dessas terapias considera a mais relevante para trabalhar com esquemas?

Rijo: Na verdade, a Terapia Focada nos Esquemas sofreu influência de movimentos como o Construtivismo em Psicote Psicoterapia, influências do modo de intervir na Gestalt e, na teoria, incorpora conceitos que se assemelham a alguns conceitos psicanalíticos. Mas todas essas contribuições foram incorporadas num modelo conceitual de matriz cognitiva. Isto é, o cérebro é visto como um processador de informação e a experiência precoce fica codificada em estruturas de processamento de informação que se formam cedo na vida - os esquemas precoces mal -adaptativos. É esse modelo que permite avaliar e conceituar cada caso clínico. Já na intervenção, são também integradas técnicas oriundas de diversas tradições psicoterapêuticas, mas são usadas com a finalidade de combater os esquemas disfuncionais do doente, de modo a que estes diminuam progressivamente a sua influência no processamento de informação, nas reações emocionais e nas tendências para a ação. Nesse sentido, a Terapia Focada nos Esquemas inclui um modelo conceitual específico e inovador e um conjunto de estratégias de intervenção que, ainda que provenham de diversas tradições psicoterapêuticas, são integradas de modo articulado num estilo de intervenção específico desse modelo.


A Terapia do Esquema é indicada para quais distúrbios mentais?

Rijo: A Terapia Focada nos Esquemas foi concebida para perturbações da personalidade e é nessas situações que tem sido mais estudada e onde está mais intensamente comprovada a sua eficácia. No entanto, tem sido aplicada, também com sucesso, em outras perturbações, como as depressivas e transtornos de ansiedade. Trabalhos mais recentes e alguns ainda em curso definiram modalidades de intervenção em grupo e o modelo tem sido proposto para intervir com casais, com crianças e também em intervenções para doentes com problemáticas criminais (por exemplo, agressores conjugais).


Podemos afirmar que a Terapia do Esquema ensina a pessoa a pensar de forma mais positiva e desconsiderar dogmas sociais que podem não servir para determinada pessoa?

Rijo: Mais do pensar de forma positiva, trata-se de corrigir distorções sistemáticas na forma como a pessoa interpreta a realidade e as suas experiências. Quando alguém possui esquemas disfuncionais precoces, seleciona parte da informação disponível numa dada situação e, muitas vezes, retira conclusões precipitadas dos acontecimentos e do comportamento dos outros em relação a si. A Terapia Focada nos Esquemas ensina a pensar de forma mais realista e com base na totalidade da informação disponível, ajudando o doente a não se deixar enganar pelos seus próprios esquemas mentais. Poderíamos dizer que a Terapia Focada nos Esquemas ensina os doentes a olharem de uma maneira inteiramente nova para situações que já conhecem, promovendo uma visão de si e dos outros mais realista e mais saudável.

Um dos objetivos da terapia é proporcionar o autoconhecimento. Na prática, como se chega a isso?
Rijo: Uma parte inicial da intervenção é dedicada à identificação dos esquemas disfuncionais precoces do doente. Para chegar a esses mesmos esquemas, terapeuta e doente colaboram um com o outro. São exploradas experiências nocivas precoces, padrões de funcionamento familiar, dificuldades do doente nos primeiros anos de vida. esse trabalho ajuda o doente não apenas a identificar os seus esquemas disfuncionais e a perceber de que modo eles distorcem a sua visão da realidade, mas também a compreender como eles se originaram na sua vida. Nesse sentido, a identificação dos esquemas, mas também das origens dos mesmos, ajuda o doente a se conhecer melhor para depois se libertar dessa forma distorcida de olhar para si e para os outros.


Um dos objetivos da terapia é proporcionar o autoconhecimento. Na prática, como se chega a isso?

Rijo: Uma parte inicial da intervenção é dedicada à identificação dos esquemas disfuncionais precoces do doente. Para chegar a esses mesmos esquemas, terapeuta e doente colaboram um com o outro. São exploradas experiências nocivas precoces, padrões de funcionamento familiar, dificuldades do doente nos primeiros anos de vida. esse trabalho ajuda o doente não apenas a identificar os seus esquemas disfuncionais e a perceber de que modo eles distorcem a sua visão da realidade, mas também a compreender como eles se originaram na sua vida. Nesse sentido, a identificação dos esquemas, mas também das origens dos mesmos, ajuda o doente a se conhecer melhor para depois se libertar dessa forma distorcida de olhar para si e para os outros.


A reclusão é uma oportunidade para promover a mudança. Mas se nada for feito corremos o risco de, em vez de conduzir à mudança, a experiência da reclusão agravar fatores intrapsíquicos subjacentes a um comportamento agressivo e criminal

Em média, quanto tempo demora um tratamento com Terapia do Esquema?

Rijo: Nos doentes com patologia da personalidade, a Psicoterapia dura habitualmente entre um e dois anos, com sessões semanais que podem ser espaçadas quinzenalmente à medida que a terapia avança. Em casos mais complicados podem ser necessárias duas sessões semanais e mesmo apoio telefônico entre as sessões. Mas, em média, perturbações da personalidade são tratadas com sucesso ao longo de pouco mais de um ano de terapia.


Como relaciona o conceito de Terapia do Esquema aos níveis de pensamento propostos pela Terapia Cognitiva-Comportamental?

Rijo: A Terapia Focada nos Esquemas pode ser encarada como um desenvolvimento da terapia cognitiva clássica. O conceito de esquema disfuncional, bem como as distorções cognitivas enquanto mecanismos de manutenção dos esquemas, já estão incluídos nas formulações clássicas da terapia cognitiva. O modelo dos esquemas acrescentou uma taxonomia dos esquemas disfuncionais (que são 18 estruturas cognitivas resultantes de problemas em cinco domínios do desenvolvimento) e chamou a atenção para os processos esquemáticos de evitamento (não apenas comportamental, mas também evitamento cognitivo e emocional), bem como para a compensação esquemática típica de algumas perturbações da personalidade (narcísica, por exemplo). Esses últimos conceitos teóricos não estavam anteriormente evidenciados nas terapias cognitivo-comportamentais. Mais recentemente, na Terapia Focada nos Esquemas, foi desenvolvida a teoria dos modos esquemáticos para melhor ajustar o modelo aos doentes com patologia da personalidade do cluster B do DSM. Essa contribuição diferenciou mais o modelo das terapias cognitivo-comportamentais.


Imagem: ShutterstockEssas terapias (Cognitivo-Comportamental, do Esquema e da Compaixão), de certa forma, não consideram a utilização de medicamentos. Mesmo assim, em sua avaliação, em determinados casos é necessária a intervenção por meio de remédios?

Rijo: Qualquer um desses modelos permite que seja implementada a terapia juntamente com intervenções farmacológicas. Em casos mais graves (por exemplo, em perturbações borderline severas), a medicação pode ser muito útil para estabilizar o humor dos doentes e permitir maior eficácia da Psicoterapia. Em geral, à medida que a terapia produz ganhos significativos, a medicação pode ser reduzida pelo psiquiatra, de modo a que o doente aprenda a se regular sem necessidade de medicamentos químicos. No entanto, há casos que, pela sua gravidade, necessitarão sempre de apoio psicofarmacológico. Isso é decidido em função do caso e da severidade do mesmo, atendendo igualmente a resposta do doente à Psicoterapia (se melhora muito ou pouco). Deve ser uma decisão tomada em função de cada caso e não em função do modelo de intervenção psicoterapêutica.


Você atua com jovens que apresentam perturbações de personalidade e de comportamento. São pessoas consideradas de difícil relacionamento. Como consegue "entrar" na cabeça deles para ajudá-los?

Rijo: As dificuldades nos relacionamentos são parte da psicopatologia da personalidade. Conseguir ser capaz de encarar essas dificuldades, de não reagir aos estilos interpessoais dos doentes, faz parte das competências de qualquer terapeuta que deseja trabalhar nessa área. A Terapia Focada na Compaixão ensina que a disfunção resulta sempre do sofrimento, mesmo quando o estilo do doente contém algum grau de agressão a terceiros. Sem deixar de se proteger e de colocar limites bem definidos à relação terapêutica (o que será e o que não será permitido), os terapeutas são treinados para não reagirem emocionalmente aos comportamentos interpessoais dos doentes. Essa competência faz com que as dificuldades relacionais passem a ser menos evidentes na relação com o terapeuta, abre a porta para um acesso mais genuíno à pessoa e, dessa forma, suscita no terapeuta uma atitude compassiva para com o doente. O que pode incomodar é o comportamento da pessoa. Contudo, da pessoa em si, é fácil nos aproximarmos se soubermos ter acesso ao verdadeiro Eu, ao Eu que sofre. Quando o terapeuta consegue se ligar a esse Eu genuíno (sem defesas, nem estratégias), está na posição certa para compreender e para ajudar.


No sistema de justiça juvenil português, é oferecida uma breve intervenção junto à família dos agressores juvenis, com o objetivo de apoiar e intensificar os esforços de mudança do jovem. Essa intervenção é facultativa

Você integra a equipe metodológica do projeto Rede de Mediadores para o Sucesso Escolar, que já recuperou mais de mil alunos em Portugal. Como funciona essa iniciativa?

Rijo: Trata-se de um projeto pioneiro em nível mundial, porque, em resposta a um desafio do atual presidente da República de Portugal à sociedade civil, um numeroso grupo de empresários formou a Associação dos Empresários pela Inclusão Social (EPIS), que financia vários projetos de intervenção no país, com vista à promoção da inclusão social de pessoas em risco. Um dos projetos mais ambiciosos foi precisamente a criação de uma Rede de Mediadores para o Sucesso Escolar. Os mediadores são, em sua maioria, psicólogos e professores especificamente treinados e supervisionados por uma equipe metodológica (constituída por peritos de várias universidades portuguesas), que desenvolveram um procedimento de screening (triagem) para avaliação do risco de insucesso escolar. Essa equipe desenvolveu, também, um conjunto de metodologias de intervenção, visando resgatar os alunos em risco de insucesso para passarem a investir na instituição de ensino e alcançarem sucesso escolar. Os resultados desse programa têm sido muito positivos e o projeto foi internacionalmente reconhecido em nível europeu e pela Fundação Bill Clinton como uma boa prática no combate ao insucesso escolar. Portugal, apesar da acentuada melhoria das últimas décadas, apresenta ainda taxas de abandono e de insucesso escolar que são das mais elevadas na Comunidade Europeia. Por isso, a associação tem recebido respaldo da Presidência da República, e os empresários que a financiam têm mantido esse esforço mesmo perante a atual crise econômica e financeira. Tem sido muito gratificante para todos nós o grau de sucesso dessa intervenção, mas também a extensão dos programas EPIS, que estão sendo aplicados aos alunos mais novos, provenientes de regiões carentes, e, também, aos alunos em abandono escolar.


Fonte: Psique