A luta do movimento antimanicomial por uma sociedade mais justa e pela inserção do usuário do serviço de saúde mental na sociedade pautou as discussões do segundo dia (14/12) do seminário de comemoração dos 30 anos do curso de especialização em Saúde Mental e Atenção Psicossocial da ENSP. A inclusão social pelo trabalho e a promoção de iniciativas que visem à melhoria da qualidade de vida e ao exercício pleno da cidadania foram debatidas pelos expositores da mesa coordenada pelo pesquisador do Laps/ENSP Edvaldo Nabuco.
Coube à coordenadora do Núcleo de Saúde Mental e Trabalho (Nusamt), Vera Pazos, falar sobre o programa dirigido pela Secretaria de Estado de Trabalho e Renda do Governo do Estado do Rio de Janeiro (Setrab). Segundo ela, o Nusamt é um grupo voltado para pensar, elaborar e implementar políticas públicas de geração de trabalho e renda. O trabalho é realizado a partir de ações de qualificação profissional, ampliação da legislação vigente e de apoio aos projetos desenvolvidos nas redes municipal e estadual para (re)inserção social e profissional das pessoas com transtorno mental, visando à inclusão, à melhoria da qualidade de vida e ao exercício pleno da cidadania.
A iniciativa pioneira no Brasil, já desenvolveu cerca de 40 inserções pontuais no mercado de trabalho e apoio aos empreendimentos solidários em saúde mental. Conta com 345 usuários cadastrados, além de demandas de cursos, emprego formal apoiado e informal com inserções em projetos de geração de renda e 400 pessoas beneficiadas em cursos de qualificação nas áreas de gestão, informática, vendas, atendimento ao público, artesanato e culinária.
Ainda de acordo com Vera, os critérios de participação da empresa no Projeto de Inclusão Social pelo Trabalho de Usuários dos Serviços de Saúde Mental implicam contratação por hora do usuário do serviço de saúde mental, com flexibilização da carga horária; discriminação positiva das diferenças; parceria com o RH e médico do trabalho; e articulação com o projeto de responsabilidade social da empresa.
Apesar de existirem iniciativas, como a do governo do Estado do Rio de Janeiro, para reinserção dos usuários na sociedade, a saúde mental ainda é considerada o "patinho feio" da área da saúde, segundo Iracema Polidora, da Associação dos Parentes e Amigos dos Pacientes do Complexo Juliano Moreira (Apacojum). “Precisamos quebrar o preconceito que gira em torno da saúde mental. Muitas pessoas falam abertamente quando um parente tem câncer, por exemplo. Mas, quando se trata de um problema mental, ela se sente envergonhada. Precisamos de mais carinho e mais amor para com os pacientes.”
A palestrante se mostrou bastante angustiada quando falou da situação da saúde mental nas instâncias de controle social. Segundo Iracema, a área vem perdendo força com a extinção de comissões que tratam do tema e a indicação de pessoas sem qualquer conhecimento da área para participar dos conselhos. “É necessária uma comissão para estarmos dentro do Conselho de Saúde. O Conselho é o controle social, tem força. Se não tivermos voz, não seremos ouvidos.”
Na última apresentação da manhã, o coordenador do Núcleo de Estudo, Pesquisa e Intervenção em Saúde (Nepis) da Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ), Walter Melo Junior, falou sobre o médico psiquiatra Oswaldo dos Santos. Na década de 1960, Oswaldo foi incentivador da experiência das comunidades terapêuticas no hospital do Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro, e hoje é pouco lembrado nos capítulos da reforma antimanicomial brasileira.
Walter lembrou que o psiquiatra tinha a ideia central de marcar um espaço fora do hospital, ou seja, de interferir na comunidade ao redor. Um exemplo citado foi o trabalho desenvolvido com os moradores que bebiam na região do hospital. “Encaminharam uma carta para os donos de bar, convidando-os para irem ao hospital psiquiátrico discutir o alcoolismo”, recordou o palestrante.
Outro episódio mencionado por Walter foi a intervenção da direção do hospital sofrida pelo médico psiquiatra. Os jornais da época noticiaram que os “loucos do Engenho de Dentro” estavam circulando pela cidade e que estavam fugindo do hospital. Vinte e oito pessoas com esquizofrenia fugiram do hospital e isso foi considerado um desleixo da diretoria. Oswaldo, porém, alegou que se tratava de um sinal da melhora das pessoas. “Se elas estão fugindo, estão conscientes de que o lugar em que estão não é bom”, disse Walter usando a fala do médico psiquiatra na época.
Fonte: Informe ENSP
Disponível em:<http://www.ensp.fiocruz. br/portal-ensp/informe/site/ materia/detalhe/31676>.Acesso em: 19 dez. 2012.
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