Revisão de diretrizes para o diagnóstico do transtorno mental pode afetar o dia a dia dos pacientes a partir de 2013.
Espectro autista. Criança tem dificuldade de se comunicar e de interagir socialmente e tem comportamentos repetitivos ou restritos
Sem conseguir olhar nos olhos, com dificuldade de se comunicar e de interagir socialmente, os autistas se fecham num mundo particular. Compreender este universo é o desafio da Associação Americana de Psiquiatria, que lançará em maio de 2013 uma revisão do “Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais” (DSM-5), seguido por organizações de todo o mundo e que traz, entre outras medidas, novas diretrizes sobre a síndrome. As mudanças têm gerado polêmica em alguns países. No Brasil, o desafio maior é ainda o da sensibilização da importância do diagnóstico precoce.
A reformulação prevê usar o termo “espectro autista” para o que antes era conhecido por profissionais como “transtorno invasivo do desenvolvimento”. Sob este guarda-chuva estavam síndromes, como a de Asperger, de Rett, desintegrativa da infância e o autismo clássico, que deixarão de existir. Em vez disso, o paciente do espectro autista será avaliado por níveis, de leve a grave.
A força-tarefa da associação defende que a nova categoria ajudará clínicos a diagnosticar os sintomas e comportamentos de cada indivíduo com mais precisão, evitando colocar rótulos que não garantem um melhor tratamento. Já alguns especialistas e organizações — especialmente as de defesa de pacientes com Asperger, considerado um transtorno mais leve —, temem um estreitamento do diagnóstico e que o grupo seja subavaliado, perdendo direitos como o de tratamento em centros específicos.
— Esta é, de fato, uma preocupação. Os dados utilizados para apoiar a mudança vêm de uma grande amostra muito bem caracterizada, e nela cerca de 10% dos casos perderam o diagnóstico. Mas minha preocupação, na verdade, é que poderá haver um número muito maior de casos, e há outros dados que sustentam isto — avaliou o especialista em autismo Fred Volkmar, diretor do Centro de Estudos da Criança da Escola de Medicina de Yale, nos Estados Unidos.
De acordo com o censo 2000 do IBGE, estima-se que haja 454.706 crianças com transtorno invasivo do desenvolvimento no Brasil, com uma taxa de prevalência de uma para 150. Nos EUA, de acordo com um levantamento publicado este ano pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças, há um autista para cada 88 indivíduos (em 2002, havia um para 155 no país). Além disso, há duas vezes mais homens que mulheres autistas. A frequência do espectro autista tem aumentado há décadas, mas pesquisadores não chegam a um acordo se a tendência é resultado de maior preocupação e conhecimento sobre o transtorno ou se existe realmente um aumento de incidência.
— Se a criança consegue ter uma intervenção antes dos 3 anos, ela chega a ter uma melhora de 80% nos sintomas autistas. Se consegue desenvolver a linguagem simbólica, ou seja, entender o dito pelo não dito, antes de 5 anos, a melhora pode chegar a 90% — afirmou o chefe do Setor de Psiquiatria Infantil da Santa Casa de Misericórdia, Fabio Barbirato, que ministra o VII Simpósio Nacional em Psiquiatria para a Infância e Adolescência, nos próximos dias 7 e 8.
A importância do diagnóstico precoce
Notar se o bebê tem interesse por outras crianças, se ele costuma fazer imitações e se olha para os pais são alguns dos sinais que podem ser percebidos no dia a dia e ajudar no diagnóstico. Como parte do tratamento, Barbirato recomenda fonoaudiologia e terapia cognitiva-comportamental. Dietas, como a do glúten, não têm comprovação científica. O psiquiatra ainda orienta os pais a buscar profissionais habilitados pelas associações médicas.
— Existem muito mais crianças sem o diagnóstico do que com diagnóstico, principalmente em zonas rurais, e que estão sem tratamento — diz Barbirato, citando empecilhos como o despreparo de profissionais e a falta de conhecimento ou receio de pais de lidar com o tema.
Apesar de a ciência ainda investigar o que pode causar o autismo, já se tem melhor compreensão do seu cérebro. O periódico “Journal of the American Medical Association” (Jama), por exemplo, publicou no ano passado um estudo mostrando que as crianças autistas tinham 67% mais neurônios numa região chamada córtex pré-frontal, associada ao desenvolvimento cognitivo e emocional. O órgão também era 17,6% mais pesado do que os de crianças não autistas. Apesar de mais neurônios, o peso do cérebro era aquém ao esperado, sugerindo haver uma patologia neurológica.
Além do DSM-5, existe a Classificação Internacional das Doenças (CID-10), no âmbito da Organização Mundial de Saúde (OMS), que também passa por reformulação. Ambos guias fornecem informações a profissionais e pesquisadores sobre o diagnóstico de doenças, e a CID ainda é usada como base de governos para produzir estatísticas. A próxima CID-11 está prevista para ser aprovada pela Assembleia Mundial de Saúde em 2015.
— Estamos cientes das propostas do DSM-5. Esta é uma das várias opções que vamos considerar para a CID-11 — afirmou o diretor sênior do Projeto de Revisão da CID-10, Geoffrey Reed, que ponderou: — Vamos avaliar a visão da sociedade civil, que expressou grande preocupação sobre o colapso destes diagnósticos, em particular da perda de um diagnóstico separado da síndrome de Asperger.
Fonte: O globo