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terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Neurocientista Marco Antonio Prado revela as novidades sobre a doença

Especialista em Alzheimer, o neurocientista brasileiro, radicado no Canadá, Marco Antonio Prado atua em pesquisas para descobrir por que as mudanças moleculares e celulares em doenças neurodegenerativas provocam falhas cognitivas

Brasileiro, radicado no Canadá há anos, o neurocientista, mestre e doutor em Bioquímica e Imunologia Marco Antonio Prado se dedica a pesquisas científicas para compreender como e por que as mudanças moleculares e celulares em doenças neurodegenerativas causam falhas cognitivas, especialmente em doenças como o Alzheimer. Após concluir seu PhD e pós-doutorado em 1994, comandou um laboratório de pesquisas no Brasil até 2008, quando foi recrutado como professor titular da Universidade de Western Ontario e como cientista no Instituto de Pesquisa Robarts.
Prado foi reconhecido como parceiro do Guggenheim pela John Simon Guggenheim Memorial Foundation, em 2004, e recebeu o Prêmio Acadêmico Faculdade da Universidade de Western Ontario (2013-2014). Em colaboração com sua companheira, Vânia Ferreira Prado, ele tem gerado novos camundongos geneticamente modificados para formular déficits neuroquímicos na demência, com foco particular para a doença de Alzheimer.
Esses ratos têm permitido novas descobertas sobre mecanismos de falha cognitiva, que utilizam tecnologia de ponta para avaliar a percepção deles. Uma de suas principais atividades é desenvolver novos tratamentos para a doença de Alzheimer. Entretanto, outro interesse do laboratório de Prado é a extensão da doença de Prion e sua interface com Alzheimer e acidente vascular cerebral.
Ele recebeu apoio financeiro contínuo por 20 anos, a partir do NIH, CIHR, Associação de Alzheimer, Brain Canada, Instituto do Cérebro Weston, CNPq e outras agências em três países (Brasil, Estados Unidos e Canadá), e preparou mais de 30 estudantes de graduação e pós-doutorado, além de ter publicado mais de 130 artigos em revistas científicas de primeira linha, como Neuron, PLoS Biology, PNAS, J. Neuroscience e FASEB J. O neurocientista conta à Psique quais são as principais novidades no que se refere à doença de Alzheimer.
O que se sabe até hoje sobre os mecanismos biológicos envolvidos Na doença de Alzheimer (DA)?
Prado: Existem inúmeros mecanismos que vêm sendo estudados nos últimos anos. Por exemplo, uma proteína conhecida como APP, a qual é normalmente metabolizada no nosso organismo em fragmentos menores. Essa proteína pode um peptídeo (algo como um pedaço da proteína original), que se acumula na doença de Alzheimer. Esse elemento, conhecido como peptídeo amiloide, aumenta bastante no cérebro de pessoas que apresentam DA. Isso, provavelmente, ocorre devido a alterações na produção ou degradação do peptídeo. O amiloide é tóxico para neurônios e se organiza em agregados. Existem evidências de que essa toxicidade causa várias outras alterações bioquímicas, que diminuem a capacidade dos neurônios de se comunicarem uns com os outros. Um grupo de neurônios conhecidos como colinérgicos é afetado e eles param de trabalhar normalmente. Isso parece aumentar ainda mais a formação desses peptídeos amiloides e aumenta a toxicidade desses peptídeos. Outros eventos ocorrem, como alterações em uma proteína conhecida como tau, que regula a capacidade dos neurônios de manterem suas funções. Tudo isso culmina em morte de neurônios específicos e disfunção cognitiva.
Quais as principais alterações bioquímicas conhecidas relacionadas ao Alzheimer?
Prado: Os peptídeos amiloides agregam-se para formar as placas, enquanto que a tau também se agrega e forma emaranhados neurofibrilares. Essas são alterações patológicas. De maneira geral, o enovelamento de proteínas e a capacidade dos neurônios de lidar com o acúmulo de proteínas agregadas estão comprometidos.
Alguns estudos defendem que existe relação entre Alzheimer e diabetes. Quais seriam essas convergências e você acredita que os remédios usados hoje para tratar diabetes podem ser utilizados para combater o Alzheimer?
Prado: Existem evidências epidemiológicas e biológicas de uma relação entre diabetes e DA. Pessoas que apresentam diabetes têm maiores chances de desenvolver DA. Há várias pesquisas testando a possibilidade de que algumas drogas usadas em diabetes possam ser usadas na DA. No entanto, os resultados dessas pesquisas ainda não foram publicados. Cientistas usam evidências para julgar se um tratamento é efetivo ou não. Acreditar ou não é irrelevante no momento, enquanto não tivermos dados pré-clínicos e clínicos bem substanciosos.
Na medida em que o ser humano vive mais, a tendência é a ocorrência mais frequente de demências como o Alzheimer. Em função desse quadro, segundo seus estudos e pesquisas, o que há de mais moderno em termos de descobertas de Novos mecanismos de falha celular e de memória?
Prado: A incapacidade dos neurônios de se comunicarem de maneira apropriada na DA é uma área de pesquisa que começou a ser explorada recentemente. Isso parece ocorrer antes dos neurônios morrerem. A incapacidade deles de lidarem com agregados de proteínas pode ser uma das causas. Quanto à memória, começam a ser reconhecidas também importantes alterações no metabolismo de RNA (ácido ribonucleico), responsável pela produção de proteínas. O problema não é simples e, além disso, é possível que várias alterações diferentes ocorram de maneira simultânea na função de neurônios. Outro aspecto importante é a inflamação no sistema nervoso. Células que são consideradas como suporte no cérebro parecem ter uma importância maior do que imaginávamos anteriormente. Algumas dessas células regulam processos inflamatórios no cérebro, que podem também danificar os neurônios.
Você, ao lado de sua mulher, a bioquímica Vânia Ferreira Prado, havia produzido um grupo de camundongos geneticamente alterados, com o objetivo de mostrar que os roedores não aproveitavam a acetilcolina, um dos mensageiros químicos responsáveis pela transmissão do comando de uma célula nervosa para outra, o que influenciava na memória. Poderia detalhar esse estudo, informar qual foi sua evolução e o que mudou em termos de abordagem para os dias de hoje?
Prado: Em 2006, começamos a produzir animais com déficits parciais na atividade colinérgica em camundongos. Mais recentemente, fomos capazes de produzir déficits mais elaborados exclusivamente em regiões do cérebro que participam da DA. Além disso, agora somos capazes de estudar a memória de camundongos usando tablets, que permitem testes muito similares aos usados em humanos. Finalmente, nossa capacidade de reconhecer alterações moleculares devido ao déficit de acetilcolina melhorou muito. Somos capazes de detectar alterações no genoma, no transcriptoma e no proteoma de forma muito mais detalhada e sofisticada. Outra mudança recente é a nossa capacidade de ativar grupos celulares específicos usando optogenética ou quimogenética. Isso permite entendermos que tipos de neurônios contribuem para os déficits cognitivos na DA.
Na época, você apostava que essa defasagem na liberação da acetilcolina estava associada aos efeitos do Alzheimer sobre a memória. Essa conclusão ainda vale ou os avanços nos estudos indicam outros caminhos?
Prado: Embora não seja o único problema, o déficit colinérgico contribui bastante com os maiores problemas na DA.
Entre as conclusões da pesquisa está, além do déficit de memória espacial, o fato de que a carência de acetilcolina no hipocampo também apresenta alterações em um processo eletrofisiológico chamado potenciação de longa duração, necessário para a formação de vários tipos de memória de longa duração. A indústria farmacêutica desenvolveu remédios para o equilíbrio de acetilcolina no organismo, o que pode ajudar No combate ao Alzheimer?
Prado: Embora alguns medicamentos tenham sido desenvolvidos, eles ainda apresentam muitos efeitos indesejáveis. Além disso, nem todos os pacientes respondem bem a esses medicamentos. Essa é uma área de pesquisa que continua atraindo interesse de indústrias farmacêuticas. O objetivo seria salvar os neurônios que secretam acetilcolina ou mimetizar seus efeitos no cérebro, sem ocasionar problemas em outras partes do organismo.
Existem medicamentos no mercado, como galantamina e rivastagmina, mas os resultados não são tão significativos. A explicação estaria no fato de que no Alzheimer são afetadas as memórias visual, auditiva, de números e de reconhecimento de rostos, além da espacial, e o fato de outras formas de memória sofrerem prejuízos sugere que o nível de outros neurotransmissores também seja alterado, o que não seria corrigido pelos medicamentos que tentam aumentar a concentração de acetilcolina?
Prado: É exatamente isso. Existem outras alterações que também são importantes e a acetilcolina não resolve todos os problemas.
Na doença de Alzheimer, a proteína chamada tau, que regula a capacidade dos neurônios de manterem suas funções, sofre alterações / Foto Shutterstock
Os estudos sobre a relação de acetilcolina com a perda de memória se aplicam para qualquer tipo de demência ou especificamente para o Alzheimer? Aliás, como identificar se um idoso está com Alzheimer ou outra demência?
Prado: Em várias formas de demência a acetilcolina parece estar envolvida. O diagnóstico do tipo de demência tem de ser feito por médicos neurologistas especializados na área. Eles usam uma combinação de testes clínicos e de memória. No entanto, o diagnóstico definitivo depende de avaliação patológica post mortem.
Neurocientistas do Massachusetts General Hospital De Boston, nos Estados Unidos, desenvolveram uma técnica chamada Alzheimer em Petri, uma espécie de Alzheimer artificial. O que acha dessa técnica e se é possível dizer que a medida permite aprofundar as pesquisas sobre a doença e pela busca por novas drogas e tratamentos?
Prado: O que eles fizeram foi produzir neurônios humanos com as mesmas mutações encontradas em famílias que têm uma forma rara de Alzheimer. Esses neurônios em culturas especiais podem ajudar a entender mecanismos biológicos da doença. No entanto, não substituem análises em modelos de animais intactos. Afinal, queremos saber se melhorando aspectos bioquímicos da doença podemos melhorar os déficits de memória também. E isso não pode ser examinado em células ou tecidos.
Muito se fala em fatores de prevenção ao Alzheimer. Em sua avaliação, por meio de sua vasta experiência, é possível prevenir da doença?
Prado: É possível modificar hábitos no nosso dia a dia, o que pode diminuir a chance de desenvolver a DA. Por exemplo, posso dizer que boa alimentação, exercícios físicos, interações sociais e educação são os principais fatores que podem influenciar o desenvolvimento da doença. É claro que os nossos genes também têm um papel importante, e esses não há como mudar.
A idade provoca inevitáveis perdas de neurônios, o que facilita o surgimento do Alzheimer. É possível impedir ou retardar essa perda, além de modificar hábitos?
Prado: Além da necessidade de modificar hábitos não muito saudáveis, a saúde cardiovascular é um importante fator para a prevenção de demência.
Em sua opinião, a neurociência vislumbra uma cura em médio prazo? Estaria nas pesquisas com células-tronco a chave para a descoberta da cura do Alzheimer?
Prado: “Para todo problema complexo existe uma solução simples e ela, geralmente, está errada” (H. L. Mencken). A DA é extremamente complexa. Não existem soluções simples ou pílulas mágicas. Estudar pessoas idosas e animais idosos é muito difícil. Células-tronco podem ajudar a entender mecanismos da doença, ao permitirem gerar neurônios em culturas para estudos bioquímicos. Entretanto, essas células dificilmente podem ser usadas para substituir neurônios. Elas precisariam contatar outros neurônios de forma correta. Essa ideia de que as células-tronco são uma panaceia, ou seja, que podem curar tudo, é danosa.
Para isso não seria necessário substituir os neurônios defeituosos?
Prado: Sim, o que seria impossível.
É correto dizer que as pessoas que sofrem com fatores socioculturais, sendo mais pobres, têm estimulação cerebral menor, pois quase não leem, não vão ao cinema etc., e isso faz com que tenham uma propensão maior a desenvolver a doença? Em resumo, isso demonstra que exercitar o cérebro faz bem?
Prado: Dados epidemiológicos sugerem que a educação é um dos principais fatores que modulam o aparecimento da DA. Ainda não entendemos as razões. Pessoas com mais escolaridade desenvolvem a doença mais tarde. Óbvio que esse é apenas um dos fatores, existem vários outros que contribuem com o risco de desenvolver a DA (genes, hábitos de alimentação, saúde cardiovascular, exercícios físicos, entre outros).
O neurocientista conta que, hoje, existe a possibilidade de se estudar a memória de camundongos usando tablets, que permitem testes similares aos usados em humanos / Foto Shutterstock
Existem casos comprovados de doentes de Alzheimer assintomáticos, ou seja, idosos que tiveram seus cérebros analisados após sua morte e revelaram placas e emaranhados de proteínas que são a marca típica dos estágios avançados da doença, porém sem apresentarem seus sintomas. Como explicar esse fato?
Prado: Sim. Existem pessoas que têm a patologia, mas não apresentaram sintomas cognitivos durante sua vida. Uma das possibilidades é que, além da patologia, alguma forma de neurodegeneração precisa ser associada para o desenvolvimento da doença. Outra possibilidade é que algumas pessoas tenham tipos de genes que ajudam o cérebro a lidar com essas patologias. Sabemos pouco sobre esse processo ainda.
Ultimamente muitos cientistas brasileiros reclamam da falta de recursos para as pesquisas. Você conhece bem os dois lados, pois trocou a UFMG pela University of Western Ontario, devido à falta de condições estruturais. Como avalia a questão e quais as diferenças básicas que encontrou depois da sua mudança?
Prado: Existem excelentes cientistas no Brasil, mas, de maneira geral, a infraestrutura e a previsão de verbas são péssimas. No Canadá, sei do meu orçamento para pesquisas para os próximos cinco anos. Tenho acesso aos últimos tipos de equipamentos. A infraestrutura para a pesquisa científica é muito mais organizada. Além disso, meu principal trabalho é ser pesquisador e treinar alunos de pós-graduação e dar aulas presenciais para a graduação. No Brasil, eu ministrava oito horas/ aula por semana, e no Canadá são 20 horas/aula por ano letivo. Na maior parte das universidades do Brasil, professores têm de lidar com a falta de infraestrutura e um ambiente onde a pesquisa não é valorizada. Por exemplo, o prédio onde eu trabalhava na UFMG, o Instituto de Ciências Biológicas, corria um risco permanente de incêndio. De fato, se o corpo de bombeiros vistoriasse o prédio na época que trabalhávamos lá, não poderia liberá-lo. A infraestrutura elétrica era péssima; novos equipamentos não podiam ser ligados. Acho que em 2007 tivemos um incêndio que assustou todos, mas os bombeiros não foram chamados. É uma irresponsabilidade enorme dos dirigentes e do governo. Não acho que melhorou muito e o problema é similar em outras universidades. Faltam dinheiro e infraestrutura, existe excesso de corporativismo e falta vontade política para melhorar a pesquisa. Não conheço nenhuma universidade séria onde dirigentes universitários são eleitos por alunos, professores e funcionários. Nas melhores universidades os dirigentes são contratados por competência. Enfim, temos ótimos pesquisadores brasileiros, eles são tão bons ou até melhores do que os canadenses ou americanos, mas fazem milagre para produzir ciência. Isso é fruto de um sistema educacional e político que não valoriza a ciência de qualidade.
Você já disse que talvez pudéssemos ter descoberto a cura do Alzheimer se não precisássemos lidar com uma rotina de falta de investimentos no Brasil. Por que, então, essa descoberta ainda não ocorreu em centros nos quais não há dificuldades na obtenção de verba?
Prado: Em nenhum lugar do mundo é fácil obter verbas para pesquisa. No caso da DA, os investimentos são muito aquém do necessário. Mas, certamente, se pesquisadores brasileiros tivessem uma ideia genial hoje para tratar a doença, essa ideia não seria aplicada nos próximos 30 anos por falta de infraestrutura.
Há informações de que nos Estados Unidos gastam-se US$ 200 bilhões ao ano no tratamento de pacientes com Alzheimer. Em contrapartida, gastam-se US$ 500 milhões, em média, em pesquisas que tentam desvendar as causas primárias da doença. Isso quer dizer que mesmo em grandes centros ainda se gasta mal?
Prado: Sim, e gasta-se pouco. Se a sociedade acha que pesquisa é cara, é preciso ver o custo da doença. Você colocou muito bem a pergunta, pois o custo da doença é 400 vezes maior do que o da pesquisa.
FONTERevista Psique                  

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