Antes de pensarmos sobre as (im)possibilidades, (in)adequações, (contra)indicações das novas tecnologias de comunicação como instrumentos para tratamentos psicanalíticos, gostaria que pudéssemos examinar o impacto das mesmas no dia a dia das pessoas e suas relações. Como elas entram na vida dos analistas, como invadem o setting, como são utilizadas por eles, que mudanças as novas tecnologias trouxeram/impuseram às relações terapêuticas. Ou seja, vamos pensar sobre aquilo que não se escolhe, mas vai lentamente se infiltrando nas relações, inclusive, claro, as terapêuticas.
Trabalho em uma cidade de porte médio; portanto, é comum os pacientes saberem mais coisas sobre a vida, hábitos e relações dos terapeutas do que em cidades maiores. Estamos mais habituados a lidar com comentários que entremeiam fantasias dos pacientes com informações mais concretas das nossas vidas. Quando a paciente chega e comenta que soube algumas coisas sobre mim na internet, naturalmente estimulo para que ela siga falando, como tantas outras situações. Ela aceita a proposta, me coloca em sua prancha e passa a surfar em ondas que eu desconhecia, ou melhor, conhecia mas imaginava que mais ninguém conhecesse, pelo menos não uma paciente. Descreve fatos da minha vida, ocorridos há décadas e a milhares de quilômetros, faz paralelos com acontecimentos da sua, pequenas inferências plausíveis sobre como eu tinha me sentido. Me senti como quem, com ar de deboche, estende a mão para uma cartomante que imediatamente começa a descrever acontecimentos de sua vida, debochando do seu desdém. A paciente descreve acontecimentos da minha vida pessoal que não me pareciam estar ao acesso de ninguém, além de não autorizados emocionalmente por mim. Apesar da sua fala buscar uma empatia, do tom predominantemente carinhoso, sinto-me invadido. O meu setting, que não era asséptico, mas que eu fantasiava estar sob controle, fora violado. Ele não voltará a ser o mesmo, e isso não é só com esta paciente, ela só apresentou o cartão de visita do impacto que as novas tecnologias trariam às relações, à privacidade e, evidentemente, para as relações terapêuticas.
É possível o atendimento em Psicanálise por meio dos novos instrumentos tecnológicos e até pelos velhos telefone, e-mail?
O divã, a alta frequência de sessões e uma postura abstinente do analista durante a sessão faziam parte das orientações básicas aos candidatos a analistas
Começo a atender a outra paciente num momento em que se recupera fisicamente de problemas ocasionados por uma atitude impulsiva, ocorrida num momento de muita raiva. Após alguns meses, ela me diz que se encontrará com alguém que conheceu pela internet. Marcaram um encontro em uma cidade intermediária. Na semana seguinte, volta e conta que o rapaz era a pessoa mais fantástica que conheceu até hoje, o amor da sua vida. Com a mesma rapidez, impulsividade e incontinência que a levaram aos problemas que a trouxeram até mim, avisa-me que interromperá o tratamento e se mudará para cidade do “amor da sua vida”. Atropelado no processo, seguro as angústias que ela depositou em mim. Um mês depois, utilizando os mesmos instrumentos que a aproximaram do “seu amor” – telefone, e-mail, mensagens –, desesperada, volta a pedir ajuda e orientação; está abandonada no aeroporto, machucada, só com sua mala e sem dinheiro.
Meu filho adolescente é silencioso, ou melhor, ele precisa estar no clima, disposto a conversar. Se assim não for, ele consegue, com firmeza e objetividade, encerrar o assunto. Compartilhamos vários interesses, tento acompanhá-lo, participar, saber o que está acontecendo com ele. Desde criança ele tem hábitos noturnos, funciona lentificado logo que acorda e está ligado à noite. Apesar de relacionar-se com os amigos, praticar esportes, ter uma vida social, ele nasceu com a internet, suas combinações com os amigos se dão pela internet, começou a manter-se financeiramente através da internet e, em muitas oportunidades, mostra-se entusiasmado para conversar comigo por meio da internet. Precisa contar-me o que está acontecendo, aceito e, assim dialogamos; às vezes, isto ocorre após um jantar silencioso, no qual não consigo engatar um assunto ou criar um clima, mas pela internet ele pode retomar a questão.
Psicanálise não é sexo virtual, é sexo ao vivo, sem uso de camisinha, com todos os riscos e implicações desta escolha. Psicanálise pode não ser alta culinária ou fast food, mas é comida feita em casa, pelos próprios comensais
Meu outro filho é diferente. Precisa da presença, precisa conversar, irrita- se quando eu respondo sem tirar os olhos do jornal, incomoda-se com excessos de checagem nos smartphones. Ele ficou um ano fora, foi fazer um intercâmbio no exterior. Antes de viajar, ele criou uma conta no Skype, para que pudéssemos conversar. Foi uma experiência muito rica. Falávamos bastante, mas isso não o impediu de viver intensamente a nova experiência. A nossa comunicação não era uma resistência à outra forma mais aprofundada e íntima de comunicação, foi apenas o jeito de utilizarmos o lastro da vivência que tínhamos antes, para que ele melhor pudesse aproveitar a nova experiência.
Eu, analista, os pacientes e meus filhos não temos o livre-arbítrio – novidade, não é? – sobre todos os usos/impactos/invasões e as respectivas consequências que as novas tecnologias vão tendo em nossas vidas. Elas são como memes culturais que não podemos ignorar. Mas podemos, sim, pensar e tentar delimitar a maneira como iremos nos relacionar com tudo isso. Sigamos, então, ao tema em questão: é possível o atendimento em Psicanálise por meio dos novos instrumentos tecnológicos – Skype, Messenger etc. – e até pelos velhos telefone, e-mail?
Precisamos delimitar o que é um tratamento psicanalítico e quais sãos os seus pressupostos básicos
|
• Prós e contras • Não há consenso sobre a utilização das redes sociais. Enquanto muitos preferem ressaltar as vantagens dos infinitos recursos proporcionados por elas, é crescente a opinião de pessoas que acusam o meio de levar seus usuários a uma fragmentação da memória e da atenção. A tese indica que estamos perdendo a capacidade de aprofundamento. Com a quantidade enorme de informações, em tão pouco tempo, os cérebros podem ter cada vez mais dificuldade de armazenar mensagens.
|
Atendimento online Lembremos da frase de H.L. Mencken: “Para cada problema complexo, há uma solução que é simples, elegante e errada”. Como a Psicanálise não é uma profissão regulamentada, e a única referência dos psicanalistas são seus conselhos de origem, que em geral proíbem a prática de atendimento virtual, a resposta está dada e, como diz Mencken, é simples e errada. Basta uma pesquisa rápida para descobrir múltiplas ofertas de serviços online: formação em Psicanálise, supervisão e tratamento.
Num dos sites que divulgam, convidam e enaltecem tal prática, encontramos o seguinte:
Qual é a diferença entre a terapia realizada pessoalmente com o psicanalista e a terapia online? Somente a tela do computador.
Mesmo nos primórdios, exceções já eram exceções; o próprio Freud relata que atendeu Katharina nas montanhas e Mahler num passeio
Lembro-me de Ricardo Bernardi, Psicanalista da Associação Psicanalítica Uruguaia (APU), em uma supervisão em nossa Sociedade Psicanalítica de Pelotas (SPPel), comentar que muitos colegas, quando escrevem algo para ser publicado ou quando fazem apresentações em Congressos, mostram suas mais belas panelas, aquelas que ficam expostas na sala, quiçá, nas cristaleiras, que todos os visitantes admiram. Contudo, essas mesmas pessoas cozinham com panelas velhas, tampas amassadas e, eventualmente, cabos quebrados.
Para seguirmos, precisamos delimitar o que é um tratamento psicanalítico e quais sãos os seus pressupostos básicos. A maioria dos pacientes chega em busca de algum tipo de alívio para as suas dores e conf litos; alguns sabem que estão procurando um psicanalista, mas muitos não sabem exatamente o que é e como atua um psicanalista. Alguns nos atribuem um papel e esperam que atuemos como ortopedistas da alma, outros como cirurgiões extirpadores de angústias, porteiros dos desejos, advogados de defesa, gurus, videntes, psiquiatras alquimistas.... Não somos nada disso. Aliás, talvez seja mais fácil dizer o que não somos, do que definir o que somos e fazemos. Freud escreveu que analisar, educar e governar são funções impossíveis de serem exercidas. Somos isso. Contudo, temos nossos métodos. Vamos a eles.
Inconsciente dinâmico, o complexo de Édipo (sexualidade infantil), a repressão, a resistência e a interpretação são os pressupostos teóricos e técnicos considerados imprescindíveis por Freud. O uso do divã, a alta frequência de sessões e uma postura abstinente – neutra – do analista durante a sessão faziam parte das orientações básicas aos candidatos a analistas. O tempo da sessão também era outro importante marco da psicanálise.
|
Vários autores como Ferenczi, Winnicott, Lacan, Bion, Kohut e Kenberg, introduzem algumas mudanças técnicas para adaptar a Psicanálise a suas novas teorizações
|
Ao longo das décadas, a Psicanálise passou a se ocupar – para o bem e para o mal – de uma gama cada vez maior de situações clínicas
Mesmo nos primórdios, exceções já eram exceções; o próprio Freud relata que atendeu Katharina nas montanhas e Mahler num passeio. Com isso estou sugerindo que devemos nos ater e permanecer com as orientações freudianas iniciais? Como se elas fossem os Dez Mandamentos das Sagradas Escrituras? Claro que não, inclusive porque isso não estaria em acordo com o espírito freudiano. Quando escreveu sobre a ampliação do trabalho dos psicanalistas além dos seus consultórios, Freud disse que eles teriam de adaptar a técnica da Psicanálise às novas condições, sendo necessário “fundir o ouro da psicanálise com o cobre da sugestão direta”. Contudo, advertiu, “quaisquer que sejam as formas que essa psicoterapia possa assumir, os seus ingredientes mais efetivos e mais importantes continuarão a ser, certamente, aqueles tomados à psicanálise estrita e não tendenciosa”. Estaria aqui uma autorização para incluir “somente a tela de computador” como a pequena poção de cobre que se misturaria com o ouro e não lhe traria qualquer perda? Creio que não.
PARA SABER MAIS
Para o bem e para o mal
PC era uma paciente com histórico de depressões e pânico, já tinha feito múltiplos tratamentos, tinha uma vivência de incompreensões e abandonos associados a eles. Era bastante prolixa na sua fala, e seu vazio existencial e ideias suicidas eram temas constantes. Fazia um tratamento psicoterápico, uma vez por semana, associado a intervenção clínica medicamentosa. Em um final de semana, liga-me de madrugada; é um telefonema suicida, ela está sozinha em lugar de impossível acesso naquele momento, e eu escuto, escuto, escuto (...), tento nomear o que ela estava querendo matar, tento ser continente da sua dor (...), não sei exatamente quanto tempo ficamos ao telefone, tenho certeza que não foi nada que eu tenha dito que mudou o desfecho, foi o tolerar ficar do outro lado, foi tolerar escutar. Quando desligamos, tínhamos certeza de que o dia amanheceria para os dois. Essa experiência foi fundamental para que a paciente pudesse seguir vivendo e tentando dar sentido ao vazio da sua vida, sem precisar afogá-lo. Mas ela não existiria sem o antes, nem se elaboraria plenamente sem o depois.
PD é um adolescente fronteiriço, em vários sentidos, suicídio, sumiços e outras atividades impulsivas também eram atitudes/temas frequentes nos nossos encontros. Tinha precárias noções de espaço, tempo, individualidade. Evidentemente, seus relacionamentos eram caóticos. Sua comunicação era confusa e fragmentada. Estou em férias, a milhares de quilômetros, ele liga, diz que precisa que eu atenda a ele e a namorada naquele momento. Comunico sobre a impossibilidade, ele escuta e comenta: “tudo bem que está longe, mas preciso que venha para cá agora”. Esse tipo de comunicação não era novo, já a inclusão da namorada, sim. Ele desliga, dentro do padrão. Algum minutos depois, liga novamente, apavorado, diz que eu preciso voltar imediatamente, pois a namorada acabara de fazer uma tentativa de suicídio com relativa gravidade. Ele falava comigo como quem se comunicava com um colega de jogo que estava num cibercafé em outro país, e ao mesmo tempo na mesma trincheira da batalha virtual. Para esse casal, naquele momento, não seria melhor não ter tido acesso a mim? Não teriam buscado uma saída mais concreta para as suas dores e angústias? Qual seria a minha responsabilidade pelo desfecho? Sim, os novos instrumentos não são meios que viabilizam experiências do tipo ganha-ganha.
As “e-parafernálias” geram manifestações em análise, tais como os sonhos, os acting out/in, os chistes e demais manifestações
Clínica do vazio
Ao longo das décadas, a Psicanálise passou a se ocupar – para o bem e para o mal – de uma gama cada vez maior de situações clínicas: pacientes psicossomáticos, as mais diversas adições, a chamada clínica do vazio com seus pacientes fronteiriços, transtornos alimentares, automutiladores etc. Com isso, vários autores – Ferenczi, Winnicott, Lacan, Bion, Kohut e Kenberg, dentre outros – introduzem algumas mudanças técnicas para adaptar a Psicanálise a suas novas teorizações e para adequar-se, viabilizando-se o atendimento dos novos pacientes.
O setting, embora não asséptico, fora violado pelos pacientes que utilizam as novas tecnologias e não voltará a ser o mesmo depois do impacto que essas tecnologias trazem às relações, à privacidade e às relações terapêuticas
Desenvolveram-se novas escolas. A Psicologia do Ego criou uma fronteira com uma zona de livre comércio com as teorizações comportamentais. A Psicologia do Self namora as abordagens das correntes humanísticas. Mesmo com algumas divergências dentro da Psicanálise, não creio que haja uma fragmentação da teoria nem rompimentos com os paradigmas iniciais.
Poderia ser “a tela de computador” o próximo instrumento, que devidamente teorizado, viabilizaria a análise aos mais distantes rincões, além de proteger a todos da insegurança das ruas, do trânsito e, assim, melhorar a qualidade de vida de todos, potencializando a melhor utilização do tempo e a maior produtividade? Não, isso denotaria o fim da especificidade da abordagem psicanalítica.
Os atos sexuais virtuais e ao vivo apresentam especificidades próprias. Com sexo virtual não se engravida nem se transmite doenças. Ele pode ser utilizado no lugar do sexo ao vivo, mas não podemos dizer que é igual, ou que a única diferença é a tela de computador. Psicanálise não é sexo virtual, é sexo ao vivo, sem uso de camisinha, com todos os riscos e implicações dessa escolha. Psicanálise pode não ser alta culinária, mas é comida feita em casa, pelos próprios comensais, e também não é fast food. Psicanálise não é genérica. Psicanálise é caminhar ao ar livre, inclusive em dia de vento e chuva; não é assistir televisão enquanto se caminha na esteira. Não há possibilidade da Psicanálise virtualizar-se sem perder sua especificidade, sem diluir-se, sem desvirtuar-se.
Poderia ser “a tela de computador” o próximo instrumento, que devidamente teorizado, viabilizaria a análise aos mais distantes rincões
Mas tal assertiva não elimina e não isola a Psicanálise do mundo virtual, não garante que ela fique asséptica, isolada dessa realidade. Não impede que o virtual concretize dentro do seusetting, tampouco, que ele, eventualmente, virtualize-se. E ao fazer/ viver isso, sendo Psicanálise sexo sem camisinha, pode-se engravidar e gestar, mas também infectar-se com bactérias baratas ou vírus mortais.
Eu, analista, os pacientes e meus filhos não temos o livre-arbítrio sobre todos os usos/impactos/invasões que as novas tecnologias trazem
E-parafernálias no dia a dia
Denise Goldfajn, em seu artigo E-setting: um dia ordinário no consultório de um psicanalista descreve algumas vinhetas clínicas de pacientes que ela atendeu ao longo de um dia. Começa com a P1 que, após seis anos em tratamento, comunica que “googlou” a analista; segue com o P2, que solicita que ela tire a bateria do celular, assim como ele faria, pois existem softwares que podem “escutar/gravar” a conversa mesmo que o celular esteja desligado. A P3 chega atrasada, o que já é um avanço, pois com frequência permanece jogando virtualmente. O que é real e o que é virtual é uma confusão em sua mente. O intervalo serviu para ler o e-mail de P4 que a convidava para entrar em um site e assim acompanhá-la ao vivo em sua visita a um ponto turístico de uma grande metrópole, assim, compartilhariam a conquista do enfrentamento do pânico e da agorafobia que a aprisionava. P5 mandando uma mensagem, para falar sobre o que não conseguia abordar nas sessões, seria um avanço ou um retrocesso? Já P6, que está viajando, pede encarecidamente um atendimento pelo Skype.
Vemos no seu relato que as “e-parafernálias” geram manifestações em análise, tais como os sonhos, os acting out/in, os chistes e demais manifestações. Contudo, devemos lembrar que utilizamos os conteúdos manifestos dos sonhos, para chegarmos aos conteúdos latentes – o material inconsciente do paciente. Talvez, se partilharmos e entrarmos na proposta de comunicação dos pacientes, perderemos a possibilidade de ver o simbólico do virtual e passaremos, como P2, a substituir o encontro pelo jogo.
Tenho algumas experiências, frutos da exceção e da necessidade. PA foi um paciente atendido em análise por seis anos, apresentava grandes dificuldades nas suas relações. A construção de um espaço de intimidade para pensar as suas questões foi uma conquista de sua análise, mas ela ainda não extrapolara de maneira ampla para outras relações. Foi nesse período que ele precisou se mudar de cidade e não poderia mais manter a mesma frequência de sessões; trabalharíamos apenas aos sábados, mas ele tinha consciência que esse intervalo o levaria a intoxicar-se com seus pensamentos e desidratar-se afetivamente. A dúvida se conseguiria manter-se em outra cidade de forma definitiva, bem como a relação bem estabelecida comigo, fazia com que resistisse a procurar um novo analista. Foi nesse contexto que criamos a alternativa/ possibilidade de trabalharmos pelo telefone ao longo da semana. Vejam, já existia um trabalho, já conhecíamos o nosso ritmo, nossos silêncios e entonações. Tenho como registro de uma experiência positiva.
Talvez, se partilharmos e entrarmos na proposta de comunicação dos pacientes, perderemos a possibilidade de ver o simbólico do virtual e passaremos a substituir o encontro pelo jogo
Ainda sobre PA. No início da análise, por um longo período, ele apresentou grandes desconfianças em relação à privacidade do sett ing, sempre fantasiava que pessoas pudessem escutar o que ele estava falando, ruídos eram provas perturbadoras. Havíamos superado na nossa relação essa questão, ele conseguia separar melhor seus ruídos internos dos externos. Contudo, com a mudança, com os novos estressores e com a nova forma de nos comunicarmos, em vários momentos dos primeiros telefonemas, PA interrompeu perguntando-me sobre ruídos na ligação, voltou a fantasiar que alguém poderia estar escutando nossas conversas, que alguém estivesse comigo escutando a sua fala. Ele voltou a reexperimentar a sensação de estar no quarto ao lado, enquanto os pais mantinham relações. Não creio que pudéssemos elaborar essas questões, se antes não tivéssemos tido a experiência. Transpondo para as relações do dia a dia, a combinação com PA seria semelhante ao uso que eu fiz do Skype com meu filho.
O trânsito, a violência, a correria dos dias atuais, as questões financeiras, as necessidades de constantes viagens fazem parte dos tempos atuais. São interferentes na construção de condições adequadas para um trabalho analítico
Nós analistas devemos seguir buscando a ampliação dos espaços (in) existentes para melhor exercer a nossa função (im) possível que é analisar
Há alguns meses, um colega médico perguntou-me se eu faria um atendimento pelo Skype. Sua irmã exercia uma função diplomática na “Cochinchina”, não estava bem, não conseguia pensar em se tratar naquele lugar, gostaria de falar em sua língua. Comento que já tinha feito alguns atendimentos assim, mas todos com pessoas com as quais eu já tinha trabalhado em um enquadre normal. Mas, dada a excepcionalidade, eu poderia conversar com sua irmã, nem que fosse para uma orientação ou abordagem breve. Logo depois ele me avisa que ela iria tentar aguardar até voltar ao Brasil. Acredito que essa situação é excepcional, assim como várias outras. Contudo, o trânsito, a violência, a correria dos dias atuais, as questões financeiras, as necessidades de constantes viagens (...) fazem parte dos tempos atuais. São interferentes na construção de condições adequadas para um trabalho analítico. É triste que não se consiga muitas vezes viabilizar um tratamento adequado. Mas, lamentavelmente, ou felizmente, gambiarras não trarão os mesmos resultados, tampouco devem servir de álibi para o enfrentamento de um processo analítico. Ao mesmo tempo, nós analistas devemos seguir buscando a ampliação dos espaços (in) existentes para melhor exercer a nossa função (im) possível que é analisar.
Hemerson Ari Mendes, psiquiatra e psicanalista, membro da Sociedade de Psicanálise de Pelotas e filiado à Federação Brasileira de Psicanálise (FEBRAPSI).
Fonte: Revista Psique