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segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Onde não moram as memórias

Cientistas chegam à conclusão de que não basta usar drogas para apagar lembranças dolorosas, pois elas persistem profundamente no interior de células cerebrais

Apesar de abstratas, intangíveis e muitas vezes pouco consistentes, nossas memórias têm uma sólida base biológica. Segundo a neurociência clássica, elas se formam quando células cerebrais enviam às suas vizinhas sinais de comunicação química através das sinapses (espaços entre as células), ou para entroncamentos que as conectam. Toda vez que uma memória é ativada, a conexão é fortalecida. A noção de que sinapses armazenam memórias dominou a ciência por mais de um século, mas um novo estudo realizado por especialistas da Universidade da Califórnia em Los Angeles pode derrubar essa interpretação ao sugerir que memórias talvez residam no interior de células do cérebro. Se for corroborado, esse trabalho pode ter implicações – para o bem e para o mal – no tratamento do transtorno de estresse pós-traumático, condição marcada por memórias dolorosamente vívidas e intrusivas.

Há mais de uma década cientistas começaram a examinar a droga propranolol para o tratamento do distúrbio. Acreditava-se que ela impedisse a formação de memórias ao bloquear a produção de proteínas necessárias ao armazenamento de longo prazo. Infelizmente a pesquisa logo deparou com um problema: a não ser que fosse ministrado imediatamente após o evento traumático, o procedimento era totalmente ineficaz. Ultimamente, pesquisadores têm trabalhado em uma solução alternativa: evidências sugerem que, quando alguém ativa uma memória, a conexão não só é fortalecida como também se torna temporariamente suscetível a mudanças, um processo chamado reconsolidação da memória. Ministrar propranolol (acompanhado de terapia, e talvez estimulação elétrica e até outras drogas) durante essa “janela” pode permitir que cientistas bloqueiem a reconsolidação, apagando ou eliminando a sinapse no local.
A possibilidade de eliminar lembranças chamou a atenção de David Glanzman, neurobiólogo da Universidade da Califórnia que começou a estudar o processo em Aplysia, um molusco parecido com uma lesma-do-mar utilizado comumente em pesquisas neurocientíficas. Ele e sua equipe aplicaram leves choques elétricos nos animais, criando uma memória do evento expressada como novas sinapses no cérebro. Em seguida, transferiram neurônios do molusco para uma placa de Petri e ativaram quimicamente a lembrança dos choques, ministrando, em seguida, uma dose de propranolol.
De início, a droga pareceu confirmar pesquisas anteriores ao neutralizar a conexão sináptica, mas, quando as células foram expostas a um lembrete dos choques, a memória voltou com força total em 48 horas. “Ela foi completamente restabelecida; isso parece significar que a memória não estava armazenada na sinapse”, diz Glanzman. Os resultados foram divulgados recentemente na publicação científica eLife, de acesso aberto.
Se a memória não está localizada na sinapse, então onde está? Quando os neurocientistas investigaram mais de perto as células cerebrais, descobriram que mesmo quando a sinapse era apagada mudanças moleculares e químicas persistiam após o disparo inicial dentro da própria célula. O traço mnêmico, ou engram, podia ser preservado por essas alterações permanentes. Alternativamente, ele podia ser codificado em modificações no DNA da célula responsáveis pelo modo como genes específicos são expressos. Glanzman e outros favorecem esse raciocínio.
O neurocientista alemão Eric R. Kandel,  ganhador do Nobel de Fisiologia ou Medicina de 2000 por seu trabalho sobre memória e atualmente na Universidade Colúmbia, adverte que os resultados do estudo foram observados nas primeiras 48 horas após o tratamento, um período em que a consolidação ainda é sensível. Embora preliminares, os resultados sugerem que, para pessoas com estresse pós-traumático, simplesmente tomar certos medicamentos muito provavelmente não elimina memórias dolorosas – até porque, ainda que o fato em si fique esmaecido na lembrança, as emoções (ou afetos, como dizem os psicanalistas) ligadas à situação que causou sofrimento – bem como seus efeitos – permanecerão até que haja elaboração.
“Se tivessem me perguntado há dois anos se seria possível tratar o estresse pós-traumático com um bloqueio medicamentoso, eu teria dito sim, mas agora não penso mais assim”, admite Glanzman. Segundo ele, a constatação de que as memórias persistem profundamente no interior de células oferece novos caminhos para estudar e compreender transtornos ligados à memória, como a doença de Alzheimer.

Esta matéria foi publicada originalmente na edição de setembro de Mente e Cérebro, disponível na Loja Segmento: http://bit.ly/1Xgizxu

Fonte: Scientific American Mente Cérebro

Cyberbullying: um mal silencioso

O suicídio pode ser uma grave consequência do bullying na versão virtual, igualmente doloroso. Essa questão alcançou status de problema de saúde pública mundial

shutterstock
Diversos fenômenos ampliaram suas configurações patológicas com o advento da cibercultura: a compulsão sexual se expandiu ao cibersexo e a dependência midiática, anteriormente circunscrita aos televisores, disseminou para os celulares, os jogos eletrônicos e a internet. Simultaneamente, o bullying ganhou o seu caráter virtual, igualmente doloroso: o cyberbullying.
Bottino et al. (2015) mencionam que o cyberbullying é uma nova forma de violência disseminada na mídia eletrônica e tem causado preocupação em pais, educadores e pesquisadores devido aos efeitos negativos que causam na saúde mental do adolescente. Ainda de acordo com os pesquisadores, o termo é derivado dos tradicionais comportamentos de bullying, que são comumente observados entre estudantes, por meio do abuso verbal e insultos, assim como agressões físicas de diversos tipos. Esse comportamento é repetitivo e sistemático, contra um sujeito que é incapaz ou falha em conseguir se defender. O cyberbullying é a expressão dessas características quando restringido em e-mails, salas de bate-papo, celulares ou qualquer outro recurso eletrônico.
Cantone et al. (2015) discutem a existência de três papéis principais no ciclo do bullying: o bully, a vítima e os espectadores. Usualmente o bully é o mais forte entre os seus semelhantes e, paralelamente, apresenta uma necessidade de obter poder. O propósito principal dos comportamentos de bullying é o de minar o status social da vítima assim como seu senso de segurança pessoal, ao mesmo tempo em que o bully aumenta a sua autoestima e seu status social. Como consequência, as ações de bullying usualmente ocorrem em frente a um público. Os espectadores podem dar suporte ao bully, defender a vítima ou serem passivos.
As consequências desse fenômeno, para a vítima, são diversas: solidão, problemas de conduta, sentimento de medo, maior risco de depressão, ideação suicida e diminuição da autoestima (Parris, Varjas; Meyers, 2014). Dentre elas, o suicídio é a mais grave, um problema de saúde pública de âmbito mundial. A depressão, em alguns casos, torna-se um intermédio para a prática suicida e, associada a um fenômeno virtual, pouco se sabe em relação às estratégias para lidar com essa questão. Além disso, há outros aspectos que podem potencializar as chances do adolescente cometer suicídio: violência familiar, orientação sexual, abuso físico e sexual e perdas interpessoais. Sampasa-Kanyinga, Roumeliotis e Xu (2014) mencionam que os professores e pais devem ser treinados em relação às estratégias de prevenção, auxiliando-os a identificar sintomas ou mudanças comportamentais que possam estar relacionadas à depressão e ao suicídio.
Apesar dos conhecidos danos físicos e psíquicos, o cyberbullying é um tema que ainda necessita ser mais explorado, especialmente quanto às estratégias de enfrentamento em relação a esse fenômeno. Sabe-se que a conduta comumente utilizada pela vítima é a evitação, de diversos tipos: apagar mensagens desrespeitosas, bloquear o bully, ignorar emoções negativas, uso de substâncias, fingir que não se importa com essa problemática e, por fim, desabafar com amigos (quando o indicado é o acompanhamento com um profissional da área de saúde mental). Parris, Varjas e Meyers (2014) mencionam, em seu estudo, que a escuta de estudantes trouxe as seguintes sugestões destes no combate ao cyberbullying: buscar um serviço de prevenção, treinamento de pais e professores em relação à tecnologia e ao cyberbullying e intervenções com maior ênfase no comportamento do estudante ao invés da restrição de tecnologia.
Por fim, Nixon (2014) ressalta que o impacto é signif icativo na saúde do adolescente, sendo uma problemática que pode ser considerada de atenção pública, relacionada a diversos tipos de adoecimentos. “É evidente que essas vítimas necessitam de suporte emocional, porém ainda estamos diante de um fenômeno silencioso e igualmente devastador.”

Referências:
BOTTIN O, S. M. B. et al. Cyberbullying and adolescent mental health: systematic review. Cadernos de Saúde Pública, v. 31, n. 3, 2015.
CANTONE , E. et al. Interventions on bullying and cyberbullying in schools: a systematic review. Clinical Practice and Epidemiology in Mental Health, v. 26, n. 11, 2015.
NI XON, C. L. Current perspectives: the impact of cyberbullying on adolescent health. Adolescent Health, Medicine and Therapeutics Journal, v. 5, 2014.
PARRI S, L. N.; VARJAS, K.; MEYER S, J. “The internet is a mask”: High School students’ suggestions for preventing cyberbullying. Western Journal of Emergency Medicine, v. 15, n. 5, 2014.
SAMPASA-KANYING A, H.; ROUMELI OTIS, P.; XU, H. Associations between cyberbullying and school bullying victimization and suicidal ideation, plans and attempts among Canadian schoolchildren. PLoS One, v. 9, n. 7, 2014.

Igor Lins Lemos é doutorando em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental Avançada pela Universidade de Pernambuco (UPE). É psicoterapeuta cognitivo-comportamental, palestrante e pesquisador das dependências tecnológicas. E-mail:igorlemos87@hotmail.com

Fonte: Revista Psique
Disponível em: <
http://portalcienciaevida.uol.com.br/esps/Edicoes/117/artigo364132-1.asp>. Acesso em: 

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

OMS: Suicídio já mata mais jovens que o HIV em todo o mundo

"As pessoas simplesmente pensam que é um crime ter pensamentos suicidas. Não deveria ser assim", diz Lauren Ball, uma mulher de 20 anos que já tentou se matar várias vezes.

"As pessoas simplesmente pensam que é um crime ter pensamentos suicidas. Não deveria ser assim", diz Lauren Ball, uma mulher de 20 anos que já tentou se matar várias vezes.

Seis, para ser mais preciso. A mais recente tentativa foi no ano passado.

"Sei que foi muito difícil para minha família", contou Ball ao programa de rádio Newsbeat, da BBC, voltado para o público jovem.

'Gatilhos'

Gabbi Dix sabia que sua única filha, Izzy, estava sofrendo com a chegada da adolescência, mas não imaginou que o suicídio rondasse seus pensamentos.

"Acho que nunca vou conseguir superar isso", conta a mãe da adolescente de 14 anos, que em 2012 deu fim à própria vida, numa cidade costeira do sul da Inglaterra.

Para muitos especialistas, o suicídio juvenil tem contornos epidêmicos. E, para a Organização Mundial de Saúde, precisa "deixar de ser tabu": segundo estatísticas do órgão, tirar a própria vida já é a segunda principal causa da morte em todo mundo para pessoas de 15 a 29 anos de idade - ainda que, estatisticamente, pessoas com mais de 70 anos sejam mais propensas a cometer suicídio.

No Brasil, o índice de suicídios na faixa dos 15 a 29 anos é de 6,9 casos para cada 100 mil habitantes, uma taxa relativamente baixa se comparada aos países que lideram o ranking - Índia, Zimbábue e Cazaquistão, por exemplo, têm mais de 30 casos. O país é o 12º na lista de países latino-americanos com mais mortes neste segmento.

"O suicídio é um assunto complexo. Normalmente, não existe uma razão única que faz alguém decidir se matar. E o suicídio juvenil é ainda menos estudado e compreendido", diz Ruth Sunderland, diretora do ramo britânico da ONG Samaritanos, que se especializa na prevenção de suicídios.

De acordo com a OMS, 800 mil pessoas cometem suicídio todos os anos. E para cada caso fatal há pelo menos outras 20 tentativas fracassadas.

"Para a faixa etária de 15 a 29 anos, apenas acidentes de trânsito matam mais. E se você analisar as diferenças de gênero, o suicídio é a causa primária de mortes para mulheres neste grupo", diz à BBC Alexandra Fleischmann, especialista da OMS.

Diferenças
O Brasil, neste ponto, passa pelo fenômeno oposto: índice de suicídios nesta faixa etária para mulheres é de 2,6 por 100 mil pessoas, mas a taxa salta para de 10,7 entre a população masculina. Mas, entre 2010 e 2012, o mais recente período de análise de dados da OMS, o índice feminino cresceu quase 18%.

Em termos globais, uma variação chama atenção: 75% dos suicídios ocorrem em países de média e baixa renda. E as diferenças socioeconômicas parecem ter impacto mais forte entre adolescentes.

Análise de gráficos sobre suicídios mostra picos dramáticos entre a população de 10 a 25 anos em países de baixa renda.

Tais "saltos" não são vistos em sociedades mais afluentes, o que sugere maior risco de suicídio entre populações mais pobres.

Ainda no segmento juvenil, a OMS diz que mais homens cometem suicídio que mulheres.

"A masculinidade e as expectativas sociais são os principais motivos para essa diferença", explica Fleischmann.
Mas essa diferença entre os gêneros é menor em países mais pobres, onde mulheres e jovens adultos estão particularmente vulneráveis.

Em países mais ricos, homens se matam três vezes mais que mulheres, mas em países de média e baixa renda, a relação cai pela metade.

A intensidade também tem variações regionais.

Para especialistas, suicídios são mais do que fatalidades. Pesquisas acadêmicas revelam que pelo menos 90% dos adolescentes que se matam têm algum tipo de problema mental. Eles variam da depressão - a principal causa para suicídios neste grupo - e passam por ansiedade, violência ou vício em drogas.

Mas há "gatilhos" que podem ser sutis como mudanças no ambiente familiar ou escolar, passando por crises de identidade sexual.

Por isso, os especialistas recomendam prestar atenção nos sinais iniciais. E, não por acaso, a mais recente campanha dos Samaritanos foi dirigida a estudantes britânicos iniciando o período letivo nas universidades.

Também recomenda-se atenção a questões com o bullying, incluindo suas manifestações pela internet. Especialistas também argumentam que o sensacionalismo na mídia pode encorajar imitações.

"Neste caso, um efeito positivo inverso seria encorajar as pessoas a procurar ajuda", argumenta Sutherland.
Grupos envolvidos com a questão também argumentam que o suicídio deveria se tornar uma questão de saúde pública. No entanto, apenas 28 países têm estratégias nacionais de prevenção.

"A Finlândia, por exemplo, em uma década viu seus índices caírem 30%", conta Fleischmann.


Fonte: Associação Brasileira de Psiquiatria
Disponível em:< http://www.abp.org.br/portal/imprensa/clipping-2/>. Acesso em: 25 set. 2015

Nas derrotas achamos soluções para as vitórias

Rodrigo Falcão analisa o papel da Psicologia Esportiva, alerta para o excesso de exercícios e para a pressão que os jovens atletas sofrem para conquistar resultados, além de garantir que é mais fácil lidar com o sucesso do que com o fracasso

Por: Lucas Vasques/ Foto: divulgação

Entender como os fatores psicológicos influenciam o desempenho físico e compreender como a participação nessas atividades afeta o desenvolvimento emocional, a saúde e o bem-estar de uma pessoa nesse ambiente. Esses são os desafios centrais do profissional que se dedica à Psicologia do Esporte.
Embora a atuação profissional mais conhecida esteja relacionada aos esportes de rendimento, o psicólogo do esporte tem um leque amplo de atividades. Pode trabalhar na orientação de exercícios físicos como manutenção da saúde e do bem-estar; na relação do praticante com o ambiente escolar; na iniciação esportiva de crianças e jovens envolvidos em atividades esportivas, pedagógicas e competitivas; na recuperação psicológica de atletas lesionados e pessoas que realizam atividade esportiva como meio para reabilitação; e em projetos sociais que usam o esporte como ferramenta complementar da educação, da socialização de crianças e jovens de comunidades pobres.
O psicólogo Rodrigo Scialfa Falcão, formado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, mestre em Esportes para Resolução de Conflitos pela Universitat Oberta da Catalunya/Unesco e especialista em Psicologia do Esporte pelo Instituto Sedes Sapientiae atualmente é supervisor de Psicologia no Instituto Rugby para Todos, projeto social que atende mais de 200 crianças e jovens da comunidade Paraisópolis, em São Paulo, e atua, também, na ADC Bradesco Educação e Esporte como psicólogo do esporte das categorias sub 17 e 19 de basquete feminino (www.psicologianoesporte.com.br). Além disso, ainda atua como psicólogo clínico com especialização em Terapia Comportamental e Cognitiva.
Ele resume a importância do seu trabalho e de sua área de atuação da seguinte forma: “O esporte é uma metáfora perfeita da vida. Ganhamos, perdemos, nos emocionamos, caímos, levantamos, nos frustramos, crescemos, aprendemos, nos superamos, nos retiramos, damos lugar a outros que nos substituem”.

No esporte de alto rendimento, cada atleta tem um padrão de comportamento diferente, o que explica as demandas individuais particulares, mesmo que todos os esportistas sejam de uma mesma equipe
Em que consiste e quais são as áreas de atuação da Psicologia do Esporte? 
Rodrigo Scialfa 
Falcão: A Psicologia do Esporte é uma ciência que estuda o comportamento de pessoas envolvidas no contexto esportivo e de exercício físico. O objetivo do psicólogo do esporte é entender como os fatores psicológicos influenciam o desempenho físico e compreender como a participação nessas atividades afeta o desenvolvimento emocional, a saúde e o bem-estar de uma pessoa nesse contexto. A atuação profissional mais conhecida está relacionada aos esportes de rendimento. Entretanto, não é só o esporte competitivo o foco de atuação do psicólogo do esporte. As áreas de intervenção são compostas, também, pelas práticas de tempo livre (exercícios físicos como manutenção da saúde e do bem-estar), pelo esporte escolar (a relação do praticante com o ambiente escolar, nos mais variados graus), pela iniciação esportiva (crianças e jovens envolvidas em atividades esportivas, pedagógicas e competitivas), pela reabilitação (recuperação psicológica de atletas lesionados e pessoas que realizam atividades esportivas como meio para reabilitação, por exemplo obesos, doentes cardíacos, doentes mentais, pessoas com necessidades especiais, entre outros) e pelos projetos sociais (que têm como intuito principal utilizar o esporte como ferramenta complementar da educação, da socialização de crianças e jovens de comunidades pobres).

Estar concentrado é uma habilidade psicológica muito importante para qualquer atleta, porém pode haver níveis diferentes de concentração, dependendo da situação exigida na competição

Quais são os principais aspectos emocionais a serem analisados funcionalmente em atletas de alto rendimento? 
Falcão: Cada pessoa possui um padrão de comportamento distinto. Portanto, existem demandas individuais diferentes para cada atleta, mesmo sendo de uma mesma equipe, mas algumas habilidades psicológicas são fundamentais para qualquer modalidade esportiva, como gerenciamento de estresse e ansiedade, nível de atenção e concentração, tolerância à frustração, motivação, equilíbrio emocional, habilidades sociais para lidar em grupo.
Até que ponto a concentração interfere no desempenho de um atleta durante uma competição? 
Falcão: Depende da modalidade esportiva. Algumas requerem mais recursos do que outras. Estar concentrado é uma habilidade psicológica muito importante para qualquer atleta, porém pode haver níveis diferentes de concentração, dependendo da situação exigida na competição. Por exemplo, para um pivô no basquete e um atleta de tiro esportivo as exigências são muito distintas. Durante uma competição, a concentração pode ser determinante para o resultado.

Os circuitos cerebrais e fisiológicos acionados nas pessoas que são viciadas em exercícios físicos e nos dependentes químicos são muito similares

Como você observa a intersecção entre a prática esportiva relacionada a questões das conexões cerebrais e liberação de substâncias como a serotonina, que estimula o prazer, e a compulsão por exercícios, a busca pelo corpo perfeito? Como perceber o limite entre esses dois aspectos? 

Falcão: É sabido que praticar exercícios faz bem para a saúde física e psicológica e os ganhos disso são amplamente divulgados. Contudo, há pessoas que passam do limite, exageram e podem ser diagnosticadas com vigorexia, que é o nome dado para quem possui dependência em exercícios físicos. Quando uma pessoa deixa de se relacionar socialmente, evita encontros sociais com amigos e familiares para se exercitar, está sempre extremamente preocupada com o que come e com dietas para turbinar o rendimento, utiliza anabolizantes e diuréticos, exagera nas horas em que se exercita, entra em overtraining, se lesiona, se torna um fanático por essas atividades, se irrita, f ica ansioso, agressivo quando não consegue se exercitar, acredita que necessita de mais tempo de seu dia para dar conta de sua necessidade de treinar são alguns sintomas dessa patologia. O grande problema é que o diagnóstico é difícil, já que é uma patologia que ainda não está descrita especif icamente nos manuais médicos, como o DSM e a CID -10. Não existem o estigma e o preconceito envolvendo a pessoa com vigorexia, é até socialmente aceita uma pessoa que se exercita em demasia em comparação com uma pessoa que é sedentária e obesa, até porque existe uma forte representação cultural pelo culto à beleza, à vaidade e à estética. Os circuitos cerebrais e f isiológicos acionados nos dependentes de exercícios e nos dependentes químicos são muito similares.


É sabido que praticar exercícios faz bem para a saúde física e psicológica. Contudo, há pessoas que passam do limite, exageram e podem ser diagnosticadas com vigorexia, que é o nome dado para quem possui dependência de exercícios físicos

Dentro de uma abordagem abrangente, como é lidar com atletas jovens em relação a características necessárias para uma boa performance, como concentração, determinação e equilíbrio emocional?

Falcão: Para qualquer profissional de diferentes disciplinas que atue diretamente com atletas jovens, é preciso levar em conta as competências físicas, cognitivas e emocionais para cada faixa etária. Entretanto, a exigência de alta performance em categorias de base é muita alta. Infelizmente, o resultado está à frente da formação de pessoas. Muitos técnicos não sabem como lidar com isso. Não dá para exigir de uma criança de 12 anos o mesmo desempenho de um adolescente de 17 e, desse modo, o mesmo de um atleta adulto. O papel do psicólogo nesse contexto é auxiliar pontuando essas questões a todos os envolvidos (comissões técnicas, atletas e famílias), além de procurar promover o bem-estar psicológico e propiciar a qualidade de vida e a saúde mental dos jovens atletas. Algumas modalidades podem influenciar negativamente do ponto de vista do desempenho esportivo (vou usar o tênis como exemplo, mas isso acontece em muitas modalidades), praticamente o mesmo tênis é praticado por profissionais e por adolescentes de 13 anos, há poucas variações nas regras, nos equipamentos, na contagem dos pontos, nas dimensões da quadra. Já tive o desprazer de assistir a uma partida de tênis de garotos de 14 anos durar por quase três horas, num campeonato estadual de classe inferior, e o vencedor ter de voltar a jogar no outro dia. Não sei o quanto esse tipo de exigência de performance pode ser saudável. O fato é que nas categorias de base, de modo geral, há muito mais tendência ao adoecimento do que à saúde. A presença de psicólogos do esporte é negligenciada na grande maioria dos clubes esportivos, há muito desrespeito à integridade humana, não se pensa em prevenção, promoção da saúde, profilaxia para os jovens atletas. Há muitos jovens que adoecem e não encontram o amparo adequado nas respectivas agremiações. O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) é claro com relação a isso. Existe um disposto na lei que garantiria acesso à saúde de jovens que estão alojados em clubes esportivos ou similares. No entanto, é mais uma lei que não se cumpre no país.


A exigência de alta performance em categorias de base é muita alta. Muitos técnicos não sabem como lidar com isso. Não dá para exigir de uma criança de 12 anos o mesmo desempenho de um adolescente de 17 e, desse modo, o mesmo de um atleta adulto

Os atletas de competição jovens, por não estarem definitivamente formados em sua personalidade, podem encontrar dificuldades para lidar com a pressão por desempenho melhor? Como a Psicologia Esportiva pode ajudar nessa questão? 

Falcão: Com toda certeza, vai depender muito de como as pessoas que estão em torno desse jovem lidam com esses aspectos, o papel da família é fundamental. Os adolescentes são muito exigentes consigo mesmos, as pressões por rendimento esportivos são inevitáveis, principalmente porque nessa fase a aceitação pessoal e pelo grupo é muito importante. As comparações são recorrentes e muitos jovens não conseguem lidar bem com isso, alguns podem sofrer bulliyng, se estressar, abandonar as atividades precocemente. Nosso papel é de buscar a cautela, fortalecer o indivíduo, a sua autoestima e autoimagem, procurar o equilíbrio emocional, a ludicidade e o prazer pela prática esportiva e pela competição saudável, tentando contribuir para a reflexão, para que o jovem conheça os próprios limites, suas qualidades pessoais, pensando em sua qualidade de vida, no gerenciamento de ansiedade e na saúde mental dessas pessoas.

O psicólogo assume um papel central no sentido de ajudar atletas jovens em sua caminhada esportiva, procurando envolver comissões técnicas e famílias

Muitos dizem que os interesses de empresários e familiares podem prejudicar a trajetória dos atletas profissionais. Qual a sua avaliação sobre o prep aro psicológico do atleta brasileiro, em geral, frente à condução de sua carreira? 

Falcão: Sem dúvida, a família é sempre um elemento muito importante na vida de qualquer atleta, para o bem e para o mal. O ex-tenista Andre Agassi já relatou em sua biografia que seu pai foi quem o obrigou a treinar e que foi difícil para ele lidar com sua excessiva cobrança, mesmo depois de ser um atleta consagrado. No mundial de natação, em 2004, um pai agrediu sua filha por ela não ter obtido o resultado que ele esperava. As cenas lamentáveis correram o mundo. Não podemos esperar da família a exigência por resultado, a cobrança no esporte já é algo inerente e mais pressão de quem deveria dar apoio só tende a prejudicar. No ramo empresarial, como em qualquer setor de atividade, há empresários que conduzem bem a carreira dos atletas que eles gerenciam e, também, há os inescrupulosos e gananciosos. Tudo passa pela formação. Dificilmente um atleta que conseguiu ter boa formação e boa estrutura familiar será prejudicado por seus empresários. Eu acredito que o atleta brasileiro que compete em alto nível, seja qual for a modalidade, é um resiliente, um sobrevivente, um super-herói. Não é fácil ser atleta de ponta nesse país. Ele literalmente supera obstáculos grandiosos, o sistema não contribui para o seu desenvolvimento. Ao contrário, o atleta brasileiro tem uma motivação absurda. Estamos às vésperas de sediar os Jogos Olímpicos e a nossa base é pífia, nossa estrutura esportiva é péssima, não existe um programa nacional de democratização do esporte para a população e nem de alto rendimento. O esporte também é subutilizado como ferramenta para prevenção e promoção da saúde, para o desenvolvimento educativo. Uma pesquisa da ONU mostrou que para cada dólar investido em atividades esportivas são economizados três dólares com saúde pública. Ou seja, o esporte não pode ser considerado gasto e, sim, investimento. Com uma estrutura dessa os poucos que conseguem bons resultados em mundiais, Jogos Olímpicos e demais competições internacionais deveriam ser reverenciados. Creio que muitos atletas brasileiros desenvolvem uma espécie de “complexo de vira-latas” ao se depararem com atletas de países com mais tradição e potencial. A impressão que tenho é do tipo de pensamento “foi tão difícil chegar até aqui, já me dou por satisfeito”, quando creio que deveria ser ao contrário, usar essa dificuldade absurda como mais um combustível para encarar os adversários, sejam eles quais forem. Os atletas brasileiros necessitam de autoestima, precisam ser valorizados por todos e, também, se sentirem valorizados por eles mesmos.


A prática de educação física escolar é negligenciada na maioria das escolas públicas do país, muitas não possuem quadra poliesportiva. Em muitos colégios particulares, esse fenômeno também acontece em decorrência do ensino para o ingresso no vestibular

Em que medida a atividade física pode ajudar na obtenção do equilíbrio emocional e da saúde psicológica como um todo? Quais as principais contribuições da Psicologia do Esporte no sentido de auxiliar a criança que pratica alguma modalidade a aprender a se concentrar, buscar objetivos, ter disciplina, até mesmo para outros setores da vida? 

Falcão: A Educação Física escolar tem um papel fundamental na formação e no desenvolvimento de crianças e jovens, não só do ponto de vista físico, mas, também, intelectual. A prática de educação física escolar é negligenciada na maioria das escolas públicas do país, muitas não possuem quadra poliesportiva. Em muitos colégios particulares, esse fenômeno também acontece em decorrência do ensino para o ingresso no vestibular. Alguns estudos indicam que crianças que se exercitam com frequência de pelo menos duas vezes na semana têm melhores resultados cognitivos na escola do que crianças sedentárias. A prática esportiva pode ser um excelente caminho para o desenvolvimento humano e pessoal, a convivência em grupo, a disciplina, a aceitação de regras, a superação, a competição saudável, a tolerância à frustração. Muitos valores éticos e morais podem ser aprendidos através do esporte, porém a mediação dessas situações por pessoas treinadas adequadamente é fundamental.

Em sua biografia, o ex-tenista norte-americano Andre Agassi revelou que seu pai o obrigava a treinar, exagerando nas cobranças por bons resultados

Muito se especulou em relação ao desempenho dos jogadores da seleção na Copa do Mundo do Brasil, que eles não estariam suficientemente prep arados psicologicamente para a disputa, o que resultou na histórica derrota de 7 a 1 para a Alemanha. Qual a sua avaliação? 

Falcão: A responsabilidade por aquele vexame do Brasil na Copa não deve ser colocada na conta da preparação psicológica, como foi mencionado por alguns atletas e por parte da mídia, após o episódio. Esse é o caminho mais fácil e previsível. Acredito que toda a preparação (técnica, tática, física e emocional) foi inadequada, o futebol brasileiro parou no tempo, vive de suas glórias do passado e seus dirigentes acreditam que isso basta para ganhar campeonatos. O fantasma de 1950 (derrota na f inal da Copa do Mundo para o Uruguai, no Maracanã) rondou todos os estádios em que a seleção jogou e foi sepultado com o 7 a 1. A Copa era a pressão de um país inteiro e com ela todo o simbolismo e a representatividade cultural que o futebol exerce em nosso povo, ou seja, ganhar a Copa, apesar dos custos faraônicos dos estádios, apesar dos políticos e dos problemas sociais que temos. O futebol no Brasil é mais do que um esporte. É muito mais complexo do que isso.


O fato de os jogadores chorarem muito na execução do Hino Nacional e durante a disputa de pênaltis na partida contra o Chile demonstra essa falta de prep aração psicológica? 

Falcão: Não vejo dessa maneira com relação ao Hino Nacional. Para mim isso foi algo que motivou os atletas pouco antes da partida. Mas só isso não basta para um time vencer. Nos pênaltis poderia ser um desabafo de algum jogador. Porém, seria leviano de minha parte analisar esses aspectos sem estar presente no grupo para saber o que realmente ocorreu. O choro não pode ser considerado sinal de fraqueza. Há pessoas mais emotivas e sensíveis do que outras e que se emocionam com mais facilidade. Para alguns, chorar poderia estar relacionado ao alívio da pressão que existia naquele momento. Carregar um país com 200 milhões de torcedores nas costas, que exigem somente a conquista do campeonato em casa, não é brincadeira.


Como lidar com as derrotas? Aliás, é mais difícil lidar com os fracassos ou com o sucesso no universo esportivo? 

Falcão: Com toda certeza, é mais fácil lidar com o sucesso. Algumas derrotas podem ser traumáticas para quem vivenciou, perdurarem por muito tempo e, às vezes, até não serem esquecidas por atletas, torcedores, pela mídia. Infelizmente, existem trajetórias de atletas excepcionais que ficam marcadas por alguma derrota emblemática. Pode parecer clichê, mas o esporte é feito de derrotas e vitórias, e as derrotas podem ser um meio para o desenvolvimento do atleta e de equipes. Nas derrotas podemos achar as soluções para alcançar as vitórias. O que move o esporte é a competição e as vitórias são muito mais importantes, em muitos aspectos, por exemplo, para a construção de ídolos. O esporte de alto rendimento é feito de resultados positivos, ser vencedor é o objetivo primário de qualquer atleta. Porém, as vitórias, em muitos momentos, podem esconder aspectos negativos da preparação de uma equipe. É necessário ter hombridade na derrota e humildade na vitória.


A Copa era a pressão de um país inteiro e com ela todo o simbolismo e a representatividade cultural que o futebol exerce em nosso povo. O futebol no Brasil é mais do que um esporte. É muito mais complexo do que isso

Ainda hoje, no futebol brasileiro, o psicólogo do esporte é observado com reservas por alguns jogadores e técnicos. A razão seria pelo fato de que o futebol continua sendo encarado como um esporte masculino e que o universo dos homens não permite demonstrações de fragilidade? 

Falcão: Não é só no futebol que acontece isso, talvez fique mais evidente por ser a modalidade mais popular no planeta, Mas, infelizmente, ainda há pouca abertura para o psicólogo do esporte na maioria das modalidades, por puro desconhecimento. Sem dúvida, o preconceito é um componente importante com relação à representação que a Psicologia exerce no imaginário social, pois ainda é relacionada à patologização, à cura dos problemas emocionais. Muitas vezes, os papéis da Psicologia do Esporte e da Psicologia Clínica são confundidos. Na verdade, são especialidades diferentes. Não se “transporta” para o ambiente esportivo o “divã”. As estratégias de intervenção dessas áreas podem ser, em alguns momentos, similares. Porém os objetivos são distintos.


O atleta de ponta no Brasil tem uma motivação absurda, apesar da falta de incentivo: às vésperas dos Jogos Olímpicos, a estrutura esportiva é péssima

Sendo assim, o que o profissional da Psicologia precisa fazer para ganhar mais espaço no futebol brasileiro? 

Falcão: Meu desejo é que a Psicologia do Esporte seja incluída em todo o esporte nacional e não só no futebol. Ética é fundamental, ter respaldo de atletas, comissões técnicas e dirigentes. Profissionais habilitados para atuação, ou seja, com conhecimento específico e científico. Com tempo para desenvolver um trabalho, em qualquer atuação em Psicologia, os resultados acontecerão de médio a longo prazo.


A Psicologia do Esporte virou moda? Alguns especialistas afirmam que é uma corrente emergente. O que falta para que ela seja vista com mais naturalidade?

Falcão: Apesar de a Psicologia do Esporte ser tão antiga quanto a formalização da Psicologia como profissão: em 1958, João Caravalhaes esteve presente na comissão técnica que trouxe o primeiro campeonato mundial de futebol da Suécia. A consolidação como área começou a se desenvolver com mais força a partir da década de 1990. Podemos considerar como área emergente, mas não como moda, já que ainda, infelizmente, é um mercado restrito à pouca oferta de trabalho, apesar das demandas, que são inúmeras, tanto práticas quanto acadêmicas.


Em relação especificamente aos esportistas paralímpicos, há necessidade de um acompanhamento psicológico diferenciado em função da deficiência que, em muitos casos, fragiliza ainda mais a personalidade da pessoa?

Falcão: Algumas adaptações à realidade das pessoas com deficiência são imprescindíveis, conhecer essas limitações é essencial para desenvolver um trabalho consistente. Mas o foco deles é a competição e o desempenho esportivo dentro das limitações físicas que cada atleta possui. A prática de esporte para pessoas com deficiência é um grande veículo de inclusão social, de diminuição de preconceitos, de fortalecimento da autoestima, da superação de limites, aspectos positivos que podem favorecer o desenvolvimento pessoal de quem pratica e de quem se envolve nesse contexto.


O esporte é subutilizado como ferramenta educativa para o desenvolvimento pessoal e emocional. Atingir metas esportivas, buscar a superação, novas habilidades, podemos generalizar esses ensinamentos para outros contextos de nossa vida

É possível afirmar que o esporte e a atividade física podem contribuir para que uma pessoa se torne vencedora na vida ou, pelo menos, psicologicamente melhor? 

Falcão: Certamente, o esporte é subutilizado como ferramenta educativa para o desenvolvimento pessoal e emocional. Atingir metas esportivas, buscar a superação, novas habilidades, podemos generalizar esses ensinamentos para outros contextos de nossa vida. A prática de atividades esportivas pode levar ao autoconhecimento, à motivação, à autoconfiança, à disciplina, à mudança de hábitos, elevar a autoestima, entre outros aspectos.

Estudos dizem que crianças que se exercitam pelo menos duas vezes por semana obtêm melhores resultados cognitivos na escola em relação a crianças sedentárias

Existem diferenças na atuação da Psicologia Esportiva entre esportes individuais e coletivos? 

Falcão: Nas modalidades coletivas algumas responsabilidades podem ser partilhadas. Isso não acontece em modalidades individuais, onde todo o desempenho atlético é fruto do comportamento de uma pessoa. Há diferentes técnicas e recursos que usamos para grupos e para atletas individuais. Quando trabalhamos com equipes devemos desenvolver a coesão entre os seus membros. Cada modalidade esportiva tem suas peculiaridades, sua cultura e seu universo, e a Psicologia do Esporte tem de se adaptar a essas situações, pois as modalidades são diferentes umas das outras, assim como as capacidades físicas, técnicas e táticas são diferentes de uma modalidade para outra. Isso também acontece com a preparação psicológica. Os recursos necessários para um bom desempenho de maratonistas são diferentes dos recursos dos esgrimistas, que são também diferentes dos dos jogadores de handball.


Quais as últimas pesquisas científicas e avanços sobre a Psicologia do Esporte? 

Falcão: A Neurociência vem contribuindo muito. Áreas como a Psicobiologia do Esporte vêm nos ensinando técnicas para melhorar o desempenho de atletas e equipes. Além de estudos sobre testagem psicológica de determinadas habilidades esportivas. Há uma enorme demanda acadêmica no país para todas as áreas da Psicologia do Esporte. Necessitamos de mais pesquisadores e estudantes, para construir uma ciência mais consolidada.


Do ponto de vista psicológico, o esporte pode ser considerado uma metáfora da vida? 

Falcão: Sim, uma perfeita metáfora da vida. Ultrapassamos os obstáculos quando nos empenhamos. Ganhamos, perdemos, nos emocionamos, caímos, levantamos, nos frustramos, crescemos, aprendemos, nos superamos, nos retiramos, damos lugar a outros que nos substituem...


Fonte: Revista Psique

Cientistas tentando explicar a generosidade...

Cientistas tentando explicar a generosidade...
Apesar das conclusões temerárias, há dados interessantes reforçando a ideia de que os extremos não são explicações razoáveis para o comportamento humano. 
Por que somos altruístas?
Cientistas afirmam que um modelo computacional que tenta explicar como o cérebro faz escolhas altruístas mostrou resultados capazes de prever quando uma pessoa vai agir de forma generosa em um cenário envolvendo abrir mão de uma soma de dinheiro.
O trabalho, publicado na revista Neuron, também tenta explicar por que ser generoso às vezes parece tão difícil.
A razão pela qual as pessoas agem de forma altruísta é bem controvertida entre os cientistas acadêmicos, sempre às voltas com teorias de competição e egoísmo em busca da sobrevivência.
Alguns argumentam que as pessoas são naturalmente egoístas - inclusive geneticamente - e que a única maneira de substituir nossas tendências gananciosas é exercitar o autocontrole.
Outros são mais positivos, acreditando que os seres humanos naturalmente acham a generosidade gratificante e que só agem de modo egoísta quando fazemos uma pausa para pensar sobre isso e se lembram dos próprios interesses.

Conclusões de cientistas
O novo modelo sugere que nenhum dos dois extremos consegue explicar tudo: tanto a generosidade quanto o egoísmo podem sair rápido e sem esforço. Mas isso depende da pessoa e do contexto.
"Nós concluímos que o que importa não é se você pode exercer oautocontrole, mas o quão fortemente você considera as necessidades dos outros em relação às suas próprias. Se você considerar mais as necessidades da outra pessoa, ser generoso é fácil. Se você se considera mais, a generosidade requer um grande esforço," disse o Cendri Hutcherson, do Instituto de Tecnologia da Califórnia (EUA) e da Universidade de Toronto (Canadá).
Não parece ser uma boa explicação, já que considerar mais as necessidades dos outros é uma boa definição para generosidade, enquanto considerar mais suas próprias necessidades é algo mais afeito ao egoísmo - algo como "Generosidade é aquilo que pessoas generosas fazem".
Mas há dados interessantes reforçando a ideia de que os extremos não são explicações razoáveis em termos do comportamento humano: embora a maioria dos voluntários tenha-se mostrado mais gananciosa do que generosa, mesmo os participantes mais egoístas às vezes tomavam decisões generosas.
De forma um tanto surpreendente - mas coerente com as teorias científicas mais em voga - os cientistas analisaram as decisões generosas das pessoas majoritariamente egoístas não como evidência de autocontrole, mas como erros - momentos em que essas pessoas subvalorizaram o benefício próprio...
Fonte: Diário da Saúde

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Ciberpsicologia - Cyberbullying: um mal silencioso

O suicídio pode ser uma grave consequência do bullying na versão virtual, igualmente doloroso. Essa questão alcançou status de problema de saúde pública mundial

shutterstockDiversos fenômenos ampliaram suas configurações patológicas com o advento da cibercultura: a compulsão sexual se expandiu ao cibersexo e a dependência midiática, anteriormente circunscrita aos televisores, disseminou para os celulares, os jogos eletrônicos e a internet. Simultaneamente, o bullying ganhou o seu caráter virtual, igualmente doloroso: o cyberbullying.
Bottino et al. (2015) mencionam que o cyberbullying é uma nova forma de violência disseminada na mídia eletrônica e tem causado preocupação em pais, educadores e pesquisadores devido aos efeitos negativos que causam na saúde mental do adolescente. Ainda de acordo com os pesquisadores, o termo é derivado dos tradicionais comportamentos de bullying, que são comumente observados entre estudantes, por meio do abuso verbal e insultos, assim como agressões físicas de diversos tipos. Esse comportamento é repetitivo e sistemático, contra um sujeito que é incapaz ou falha em conseguir se defender. O cyberbullying é a expressão dessas características quando restringido em e-mails, salas de bate-papo, celulares ou qualquer outro recurso eletrônico.
Cantone et al. (2015) discutem a existência de três papéis principais no ciclo do bullying: o bully, a vítima e os espectadores. Usualmente o bully é o mais forte entre os seus semelhantes e, paralelamente, apresenta uma necessidade de obter poder. O propósito principal dos comportamentos de bullying é o de minar o status social da vítima assim como seu senso de segurança pessoal, ao mesmo tempo em que o bully aumenta a sua autoestima e seu status social. Como consequência, as ações de bullying usualmente ocorrem em frente a um público. Os espectadores podem dar suporte ao bully, defender a vítima ou serem passivos.
As consequências desse fenômeno, para a vítima, são diversas: solidão, problemas de conduta, sentimento de medo, maior risco de depressão, ideação suicida e diminuição da autoestima (Parris, Varjas; Meyers, 2014). Dentre elas, o suicídio é a mais grave, um problema de saúde pública de âmbito mundial. A depressão, em alguns casos, torna-se um intermédio para a prática suicida e, associada a um fenômeno virtual, pouco se sabe em relação às estratégias para lidar com essa questão. Além disso, há outros aspectos que podem potencializar as chances do adolescente cometer suicídio: violência familiar, orientação sexual, abuso físico e sexual e perdas interpessoais. Sampasa-Kanyinga, Roumeliotis e Xu (2014) mencionam que os professores e pais devem ser treinados em relação às estratégias de prevenção, auxiliando-os a identificar sintomas ou mudanças comportamentais que possam estar relacionadas à depressão e ao suicídio.
Apesar dos conhecidos danos físicos e psíquicos, o cyberbullying é um tema que ainda necessita ser mais explorado, especialmente quanto às estratégias de enfrentamento em relação a esse fenômeno. Sabe-se que a conduta comumente utilizada pela vítima é a evitação, de diversos tipos: apagar mensagens desrespeitosas, bloquear o bully, ignorar emoções negativas, uso de substâncias, fingir que não se importa com essa problemática e, por fim, desabafar com amigos (quando o indicado é o acompanhamento com um profissional da área de saúde mental). Parris, Varjas e Meyers (2014) mencionam, em seu estudo, que a escuta de estudantes trouxe as seguintes sugestões destes no combate ao cyberbullying: buscar um serviço de prevenção, treinamento de pais e professores em relação à tecnologia e ao cyberbullying e intervenções com maior ênfase no comportamento do estudante ao invés da restrição de tecnologia.
Por fim, Nixon (2014) ressalta que o impacto é signif icativo na saúde do adolescente, sendo uma problemática que pode ser considerada de atenção pública, relacionada a diversos tipos de adoecimentos. “É evidente que essas vítimas necessitam de suporte emocional, porém ainda estamos diante de um fenômeno silencioso e igualmente devastador.”

Referências:
BOTTIN O, S. M. B. et al. Cyberbullying and adolescent mental health: systematic review. Cadernos de Saúde Pública, v. 31, n. 3, 2015.
CANTONE , E. et al. Interventions on bullying and cyberbullying in schools: a systematic review. Clinical Practice and Epidemiology in Mental Health, v. 26, n. 11, 2015.
NI XON, C. L. Current perspectives: the impact of cyberbullying on adolescent health. Adolescent Health, Medicine and Therapeutics Journal, v. 5, 2014.
PARRI S, L. N.; VARJAS, K.; MEYER S, J. “The internet is a mask”: High School students’ suggestions for preventing cyberbullying. Western Journal of Emergency Medicine, v. 15, n. 5, 2014.
SAMPASA-KANYING A, H.; ROUMELI OTIS, P.; XU, H. Associations between cyberbullying and school bullying victimization and suicidal ideation, plans and attempts among Canadian schoolchildren. PLoS One, v. 9, n. 7, 2014.

ACERVO PESSOALIgor Lins Lemos é doutorando em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental Avançada pela Universidade de Pernambuco (UPE). É psicoterapeuta cognitivo-comportamental, palestrante e pesquisador das dependências tecnológicas. E-mail:igorlemos87@hotmail.com


Fonte: Revista psique

Psicóloga explica agressividade em comentários políticos na internet

Psicóloga explica agressividade em comentários políticos na internet
Pamela Rutledge é diretora do Centro de Pesquisas sobre Psicologia e Mídia, na Califórnia, dedicado a estudar a relações entre a mente e a tecnologia. 
Política com raiva
Impotência, frustração e uma necessidade de se impor sobre outras pessoas.
Assim, a psicóloga norte-americana Pamela Rutledge, diretora do Centro de Pesquisas sobre Psicologia e Mídia, na Califórnia, avalia a agressividade de muitos comentaristas nas redes sociais em tempos de polarização política no Brasil.
Referência em um ramo recente da psicologia dedicado a estudar as relações entre a mente e a tecnologia, Rutledge ressalta que as pessoas "são as mesmas", tanto em ambientes físicos quanto virtuais.
Mas faz uma ressalva sobre a impulsividade de quem dedica seu tempo a ofender ou ameaçar pessoas nas caixas de comentários de sites de notícias e páginas de política: "Já estamos acostumados com a ideia de que nosso comportamento obedece a regras sociais, mas ainda não percebemos que o mesmo vale na internet".
Leia abaixo os principais trechos da entrevista da especialista, concedida à rede britânica BBC.
Estamos mostrando o nosso "lado negativo" nas redes sociais?
"As pessoas são as mesmas, online ou offline. Mas a internet tem a ver com respostas rápidas. As pessoas falam sem pensar. É diferente da experiência social offline, em que você se policia por conta da proximidade física do interlocutor. Nós já estamos acostumados com a ideia de que nosso comportamento obedece a regras sociais, mas ainda não percebemos que o mesmo vale na internet."
No Brasil, a polarização política tem levado pessoas com visões distintas a se ofenderem e ameaçarem, tanto em comentários em sites de notícias quanto nas redes sociais. A internet estimularia o radicalismo?
"As redes sociais encorajam pessoas com posições extremas a se sentirem mais confiantes para expressá-las. Pessoas que se sentem impotentes ou frustradas se comportam desta maneira para se apresentarem como se tivessem mais poder. E as pessoas costumam se sentir mais poderosas tentando diminuir ou ofender alguém."
Os comentários na internet são um índice confiável do que as pessoas realmente acreditam?
"Depende do tópico. Mas as pessoas que tendem a responder de maneira agressiva não representam o sentimento geral."
As pessoas com opiniões menos radicais têm menos disposição para comentar do que as demais?
"Sim. Porque os comentários agressivos têm mais a ver com a raiva das pessoas do que com uma argumentação para mudar a mente das outras. Quem parte para a agressividade não está dando informações para trazer alguém para seu lado, estas pessoas querem apenas agredir."
Que tipo de doenças são ligadas ao uso da internet ou das redes sociais?
"A resposta simples é não, não há doenças causadas pela internet. Há preocupações recorrentes com o vício em internet ou em redes socais. Mas vícios são doenças bastante sérias e a internet não cria personalidades com vícios. As pessoas usam as redes da mesma forma que usam álcool, jogos, chocolate, ou qualquer outra coisa que mascare problemas maiores."
Problemas como...?
"Falta de autoestima, depressão. É importante chegar à real causa do vício, apenas cortar a internet não muda nada."
Quais são os conselhos para os pais ajudarem seus filhos a não embarcarem nas ondas de ódio das redes sociais?
"A tecnologia é apenas o "lugar" onde as coisas estão acontecendo; o principal ainda são os valores. Então, se algo está acontecendo em qualquer plataforma que os pais não conheçam bem, a sugestão é que chamem as crianças e peçam que elas deem seu ponto de vista. Aí sim, eles poderão entender como as crianças estão lidando com a questão e, a partir daí, decidir quais devem ser as preocupações. A responsabilidade pode ser compartilhada. É importante ensinar os filhos a pensarem criticamente."
Fonte: Diário da Saúde

Neurociência - Como lidar com obsessões

Ideias indesejadas atingem a todos. A tentativa de suprimir os pensamentos perturbadores, de forma irônica, aumenta sua frequência e os transforma em obsessões

shutterstockOs pensamentos que se intrometem em nossa vida mental, negativos e insistentes, não são exclusivos do transtorno obssessivo-compulsivo (TOC ) nem de transtornos mentais. Todos nós somos vítimas desse tipo de pensamento em certos momentos, em especial sob estresse. De forma intuitiva, a manobra que, de longe, é a mais usada para lidar com esses pensamentos é a supressão, que seria a tentativa de evitar ou afastar da mente essas imagens intrusivas. Embora tentador, quando procuramos evitar uma obsessão, o que acontece é na verdade um efeito paradoxal de aumento da frequência do pensamento nos próximos momentos. Esse processo irônico na mente humana foi chamado de “efeito urso branco” pelo psicólogo Daniel Wegner, pois em sua pesquisa os sujeitos eram instruídos a tentar não pensar em um urso branco. Faça agora o mesmo e verá imediatamente as imagens desse magnífico animal desfilando em sua mente. Ou procure não pensar em uma maçã verde. Dá para sentir o cheiro e o gosto...
Isso acontece em razão da natureza do processo associativo que envolve a evocação de memórias declarativas. Quando se tenta não pensar em um determinado estímulo, a primeira coisa que o cérebro faz é localizar a representação mental que sustenta o conceito em questão. Ou seja, primeiro o cérebro localiza e abre o arquivo “urso branco”, para depois tentar suprimir a evocação de uma imagem associada a essa representação, o que é inútil.
Em um artigo chamado “Liberte os ursos”, Wegner revisa as estratégias possíveis para diminuir os pensamentos obsessivos e sua eficácia relativa. A primeira delas é bem conhecida e funciona razoavelmente: a distração focada. Se focamos em outra coisa, os pensamentos obsessivos vão embora. O problema é que em situações de estresse é difícil achar uma distração que capte nossa atenção. A pesquisa indica que focar em uma coisa específica, por exemplo uma música ou tarefa, funciona muito melhor do que deixar a mente vagar.
A segunda estratégia é evitar estresse. Não use o método intuitivo de se colocar sob pressão pois não funciona, na verdade aumenta as obsessões.
Terceira estratégia: marque hora para se preocupar. Funciona bem adiar os pensamentos para um período de 30 minutos e ajuda a limpar a mente no restante do tempo.
A quarta estratégia chama-se terapia paradoxal, pois envolve se concentrar em pensar, justamente, naquilo que estamos tentando evitar de trazer à mente. Funciona como uma terapia de exposição, onde se expor aos pensamentos temidos faz com que estes se enfraqueçam. A quinta vertente seria a aceitação. Existem evidências de que tentar aceitar alguns pensamentos, mais do que entrar em uma batalha com eles, pode ser benéfico. Um estudo no qual os participantes diminuíram os pensamentos obsessivos deu a seguinte instrução:
Lutar com seus pensamentos pode ser inútil. Quero que você observe seus pensamentos. Imagine que eles estão desfilando na sua frente como soldados marchando em uma pequena parada. Não discuta com os soldados, não evite, não tente fazê-los ir embora, somente observe os soldados marchando.
A sexta estratégia é a meditação do tipo “atenção plena”, ou mindfullness no original em língua inglesa. Esse tipo de meditação budista promove uma atitude de compaixão e não julgamento quanto ao fluxo de pensamentos que invadem a mente durante o processo meditativo, e pode ser uma abordagem útil para se ver livre de pensamentos indesejados.
A sétima estratégia é a autoafirmação, que envolve pensar sobre traços e crenças positivas. A autoafirmação vem recebendo atenção de pesquisas recentemente e tem fornecido evidências de eficácia especialmente em se tratando de aumentar autoconfiança social e autocontrole. Parece ser útil para pensamentos indesejados, mas foram realizados poucos experimentos ainda.
Finalmente, a oitava estratégia envolve a escrita expressiva. Escrever sobre seus pensamentos e sentimentos mais profundos tem sido estudado e promove vários benefícios para a saúde e para a mente.
Essas técnicas não são miraculosas, mas se bem implementadas promovem de fato uma melhora na frequência e intensidade dos pensamentos obsessivos, muitas vezes com outros benefícios adicionais e sem qualquer risco ou efeito colateral.

Para saber mais:
Wegner, D. M. Setting free the bears: escape from thought suppression. Am Psychol., v. 66, n. 8, p. 671-80, nov. 2011.

Marco Callegaro é psicólogo, mestre em Neurociências e Comportamento, diretor do Instituto Catarinense de Terapia Cognitiva (ICTC) e do Instituto Paranaense de Terapia Cognitiva (IPTC). Autor do livro premiado O Novo Inconsciente: Como a Terapia Cognitiva e as Neurociências revolucionaram o modelo do processamento mental (Artmed, 2011)

Fonte: Revista psique